30/10/2017

begin again: capítulo 15


Therapy

Quando acordo na manhã seguinte, Simon já se foi. Desço de pijama, ligo a cafeteira e verifico meu relógio. São sete horas, muito cedo para o escritório, mas talvez ele tenha uma reunião durante o café da manhã. Enrugo a testa, sabendo que estou me enganando. É evasão, pura e simples. Ele não quer me ver, definitivamente não quer conversar. Isso me dói mais do que eu pensava.
A cafeteira treme e solta vapor. Pego uma caneca e um pouco de creme. Se Simon estivesse aqui, faria piada sobre como gosto do meu café exatamente como gosto do meu homem: doce e forte. Rico. Esse pensamento traz dores de estômago que me fazem querer vomitar. O que aconteceu com a gente? Fomos engolidos por isso que chamam de vida e cuspidos, assim como em todos os outros casamentos que falham? Não me casei com ele para nos tornarmos uma estatística.
Sentada em um banquinho, pego o Ipad e começo a trabalhar em resolver minha própria confusão. Primeiro, encomendo um arranjo de flores caro para os anfitriões da noite passada, com um cartão adequadamente formulado para expressar meu pesar. Depois, entro num site de reservas de restaurante e escolho o preferido de Simon: um bistrô bonitinho nos arredores de Manhattan. Finalmente, me concentro no Google e digito “terapia de casais”. Se eu fizer um esforço, talvez ele me perdoe.
No entanto, Simon também precisa ceder um pouco. Não posso sair da clínica, afinal, eles são minha segunda família. Os filhos que nunca vou ter. Por mais que me deixem louca, também adoro aquelas crianças mais do que tudo. Preciso desse sentimento, até mesmo anseio por ele. Já que não vou poder canalizar afeição a um filho meu, eu opto por me concentrar naquelas crianças. Elas precisam sentir o amor, e eu preciso oferecê-lo a elas. É uma relação que funciona.
Possivelmente minha única.
Estou a caminho da clínica quando Selena me liga. Peço a ela que espere enquanto subo a escada da estação de metrô úmida e escura e saio para o ar fresco da manhã. A chuva de ontem à noite secou, deixando Nova York que se deleita positivamente em sua ausência. As árvores estão começando a brotar, os narcisos estão começando a florescer, e o sol está se esforçando ao máximo para aparecer. É um daqueles dias de primavera em que tudo parece um pouco mais brilhante. As pessoas sorriem um pouco mais, dão passagem quando andamos em sua direção. Nos jardins do outro lado da clínica, cerejeiras usam chapéus de algodão doce, e flores pairam lentamente na brisa leve.
– Oi. – levo o celular à orelha. – Tudo certo?
– Eu ia fazer a mesma pergunta. O que diabos aconteceu ontem à noite? Todos os tipos de homens estavam me ligando para saber onde você estava. – Selena soa adequadamente intrigada.
– Dois. Dois homens ligaram para você – respondo.
Ela tem esse jeito de fazer tudo parecer mais do que é. Pode ter a ver com sua formação; talvez esteja procurando uma forma de conseguir a verdade sem realmente me perguntar. Ou talvez eu só esteja querendo que seja assim.
– Homens que estavam muito agitados. Bem, Simon estava. Não sei se Joseph poderia ficar agitado nem se ele tentasse.
Joseph sabe ser agitado, disso eu me lembro. Agitado, atraente e desesperado. Dedos longos cravando nos meus quadris, lábios me pressionando até quase machucar. Ele pode ter amadurecido, espero que nós dois tenhamos, mas não acho que o fogo possa ser completamente apagado.
– Desculpe. Simon ter ligado foi totalmente culpa minha. Eu deveria ter avisado onde estava. – Joseph, por outro lado, não era culpa minha. Ele sabia exatamente onde eu estava. Ora, ele estava sentado do lado de fora da delegacia.
– Você quer falar sobre isso? Não tenho pacientes na próxima hora, a gente
poderia tomar um café em algum lugar.
Tenho alguns telefonemas para dar e alguns materiais para encomendar antes de as crianças chegarem, mas acho que posso encaixar. Adoro conversar com Selena, é algo que não temos mais oportunidade de fazer com tanta frequência.
– Sim, café parece ótimo. Estou quase chegando à clínica.
– E eu estou saindo. – um instante depois, Selena está diante de mim, bolsa marrom surrada pendurada no ombro. Nós duas desligamos a chamada do celular. – Oi. – ela estende as mãos e me abraça com força.
Seguimos para a cafeteria na esquina da clínica. Está quase vazia, naquela calmaria entre o pico do café da manhã e os clientes da hora do almoço.  Pegamos uma mesa e esperamos a garçonete nos trazer os cafés. Não faz muito tempo que eles colocaram uma máquina decente. Antes, estávamos habituadas a café instantâneo morno, quase sem que os grânulos tivessem sido dissolvidos. Agora tudo são lattes e mocaccinos. Até mesmo o café foi elitizado. 
Abro um sachê de açúcar e misturo no cappuccino, arruinando completamente o desenho de grão de café que a garçonete criou com chocolate em pó.
– Como vão as coisas? – pergunto.
– Eu iria fazer a mesma pergunta. – Selena toma um gole. – E aposto que a sua resposta é mais interessante.
Não é, não realmente. É chata e tediosa, e não é algo que eu queira comentar.
– Mas perguntei primeiro.
Ela enruga o nariz, espremendo as sardas umas nas outras.
– Nada bom.
– Ah, não. Por quê?
– Estão fazendo cortes de pessoal no trabalho do Nicholas. Ele pode ficar desempregado no mês que vem. Ele acha que está na lista de alvos porque o chefe não gosta nada dele. – Nicholas trabalha com gráfica em Wapping. É um trabalho muito bem pago, e sei que eles dependem desse dinheiro.
– Isso é péssimo, coitado do Nicholas. – olho nos olhos dela. – Pobre de você também, é horrível ver alguém que a gente ama passar por isso.
– Esta é a pior parte: ele acha que é maravilhoso. Assim ele vai ter carta branca para correr atrás dos sonhos dele de estrelato. Não sei como acha que vamos pagar o aluguel ou colocar comida na mesa. – ela revira os olhos. – E ele sabe que quero que a gente tenha um bebê. Não vai ter a menor possibilidade de conseguirmos arcar com isso usando apenas um salário.
Eu não sabia que eles tinham chegado a esse grau de planejamento. Sinto um certo peso no meu peito só de pensar. Eu amo Selena até os confins da Terra, mas só posso sentir inveja da ideia de um bebê. É algo que nunca vou ter, e pensei que tinha me conformado. Porém, pensar sobre o passado me fez mudar de ideia.
Talvez eu não estivesse pronta para um bebê até agora. Será que meu relógio biológico finalmente começou a se movimentar?
Vou me sentir assim para sempre?
– Nicholas não quer um bebê? – pergunto.
– Pensei que ele queria. Mas agora acho que ele está passando por uma crise de meia-idade. Ele diz que a ameaça de perder o emprego deu a ele a chance de reavaliar as coisas. Ele quer ver se consegue dar uma chance à música antes de tentarmos aumentar a família.
Ela parece realmente aborrecida, e não a culpo. Selena tem 28 anos e sei que ela está querendo um bebê faz tempo. Mas com os aluguéis de Nova York e com os salários ruins, nunca vai ser um bom momento para eles tentarem. A coisa triste é que eles realmente não podem arcar com os custos de ter um bebê, por mais que queiram. E, enquanto Simon e eu temos recursos, nunca vamos ter filhos.
– Talvez se você deixá-lo tentar, ele vai perceber que não é para ele.
– Ele está muito animado, apesar de tudo. Até pediu a Joseph que criasse a capa do CD. Diz que, só pela arte, as vendas já estão garantidas.
– Joseph Jonas? – esclareço. Eu quase disse “meu Joseph”, mas consegui me deter a tempo. Preciso ser mais cuidadosa.
– Isso. Eles fizeram amizade rápido naquela noite em que saímos todos juntos.
– Não tinha me dado conta. – não sei como me sinto a respeito. Parte de mim está animada que haja outra conexão entre nós, já que sou amiga da Selena e ele é amigo do Nicholas. Quando dou por mim, estou me perguntando como posso me convidar para a casa deles com mais frequência. Mas também tenho um pouco de ciúmes de que eles possam passar tempo com ele, que todos se divirtam sem mim. Soa infantil e egoísta, mas não consigo evitar.
– E por que se daria? A gente também não frequenta todos os mesmos círculos.
Embora às vezes eu ache que Joseph se encaixa melhor no seu do que no meu. Ele é um artista de sucesso, afinal de contas. Não um artista faminto como Nicholas vai ser.
– Você não vai morrer de fome, eu não vou deixar. Vou lhe dar cupons de desconto do McDonald’s ou algo assim – provoco. Arranca um pequeno sorriso dela, mas não o suficiente para arredondar suas bochechas ou enrugar seus olhos.
– Sério, o Nicholas vai receber alguma coisa de verbas rescisórias, o suficiente para vocês dois se manterem enquanto ele analisa se tudo isso vai dar certo. Talvez vocês devam combinar uma quantidade de tempo limite para ele investir nas tentativas de chegar ao estrelato. Um ano ou algo assim.
– Essa é uma boa ideia. – ela desvia o olhar, como se estivesse pensando a respeito. – Talvez a gente precise sentar e colocar tudo no papel, como uma agenda. Se eu souber que podemos tentar por um ano, mais ou menos, pode ser que eu aceite.
– Não que você já tenha de se preocupar com o tempo se esgotando. Além do mais, lhe dá algum tempo para beber o máximo possível, porque você vai ter de desistir de tudo isso quando chegar o bebê. – estou provocando novamente. Selena não bebe muito. Um shandy aqui, um Spritzer lá. Em geral, o que a anima é a vida.
– Vou ter de ler cinquenta coisas para fazer antes de ter um bebê.
– Não brinque, aposto que alguém já escreveu. Viaje para o Taj Mahal, coma cocô de canguru, veja se consegue transformar seu marido em uma estrela do rock.
Ela ri e parece genuíno.
– Obrigada. – Selena passa o braço por sobre a mesa e aperta minha mão. – Por me deixar desabafar e depois por me animar.
– É um prazer. – retribuo o sorriso dela e ignoro o aperto no meu peito.
Se ao menos meus próprios problemas fossem tão fáceis de resolver.

***

Duas semanas depois, a sensação é de que tudo no meu casamento está errado. Meço meu fracasso em apartes amargos e silêncios pontiagudos. Em olhares tortos e ausências que têm gosto de poeira.
Simon ainda não está falando comigo. Nada mais do que cordialidades e a troca necessária de informações.
“Esta noite vou chegar tarde”, “Você pode me comprar mais desodorante?” e “Qual é a capital da Namíbia?” estão entre as interações mais notáveis que tivemos esta semana. A última foi ele tentando terminar as palavras cruzadas da Times, algo que parecia infinitamente preferível a ter de conviver comigo.
Quanto mais o tempo passa, pior eu me sinto. É com esse sentimento de vergonha que eu ligo para uma clínica de relacionamentos em St. John’s Wood e marco um horário para Simon e eu. Quando menciono, ele não se recusa a ir. Só pode ser algo bom. Talvez, se pudermos realmente conversar sobre as coisas, vamos conseguir seguir em frente. Tem de haver um jeito de entrarmos num acordo.
No entanto, eu me vejo sentada na sala de espera verde-clara, cinco minutos depois do nosso horário marcado, inventando desculpas idiotas por ele não ter aparecido. Talvez esteja amarrado com um cliente, ou seu táxi tenha quebrado do outro lado de Nova York. Jogo com uma dezena de cenários diferentes na minha cabeça, todos preferíveis ao que estou me esforçando ao máximo para ignorar.
Ele está passando uma mensagem.
Acho que eu poderia ligar e deixar recados na secretária eletrônica, ou enviar mensagens de textos que ele nunca responde. Eu poderia berrar, gritar e discutir e deixá-lo saber que ele está me machucando mais uma vez. Mas não. Em vez disso, desligo o celular e o enfio no fundo da bolsa até que esteja enterrado debaixo de lenços meio rasgados, bolinhas de papel amassado e pastilhas de chocolate maltado que caíram da embalagem aberta. Então eu a fecho firmemente e sigo as direções da recepcionista até o consultório de Louise Norton, esperando que eu vá encontrar lá algum tipo de salvação.
Louise está sentada em uma poltrona quando entro em sua sala. Olha para mim com um sorriso de boas-vindas nos lábios pintados de vermelho. Seu cabelo preto e curto cai nos olhos e ela os afasta delicadamente, levantando-se quando vou até lá para cumprimentá-la.
– Demi? Por favor, venha, sente-se. Simon está a caminho?
Isto é o que cem libras por hora nos compram: um rosto amigável e alguém que tem tempo suficiente para ler sua história antes do horário marcado. Sento- me na cadeira macia e confortável em frente à dela.
– Acho que ele não vem. Tentei ligar, mas não tive resposta. – é idiota começar com uma mentira, mas é preferível a olhares de pena. – Lamento por ele não estar aqui.
Ela inclina a cabeça para o lado e olha para mim.
– Você acha que ele vai chegar aqui em breve?
– Não sei. Acho que não. – é isso que mais mexe comigo. Estou toda nervosa e pronta para falar, pois venho me concentrando nisso há dias. É um chute no estômago. Todas as palavras que fui armazenando para dizer estão flutuando na minha mente, deixando-me tonta.
– Gostaria de remarcar? Posso pedir à recepcionista que agende outra data? – ela ainda está sorrindo, e não parece forçado de jeito nenhum. Estou pasma com a capacidade dela de parecer tão aberta e acessível.
– Na verdade, podemos conversar, só você e eu?
Pela primeira vez, Louise parece surpresa.
– Eu ofereço aconselhamento individual além da terapia de casais, mas receio não poder misturar as duas coisas. Se você quiser falar comigo agora, vai precisar encontrar outro terapeuta para tratar vocês dois juntos. – ela deve perceber a forma como o meu rosto mostra decepção, porque continua: – Às vezes isso funciona melhor. Muitas vezes peço aos casais que procurem terapia individual, antes de voltarem para mim. E também posso encaminhá-la a outro terapeuta de relacionamentos quando você estiver pronta.
– Parece uma boa ideia. – realmente parece. Pode ser autoindulgente usar uma hora para falar dos meus problemas, mas Selena me fez acreditar muito no poder da terapia. É uma oportunidade de revelar meus medos mais obscuros e minhas emoções mais cruas a alguém que não tem participação nenhuma na minha vida.
Louise inicia, falando-me um pouco sobre si mesma e sobre o tipo de terapia que ela oferece. Ela também me promete total confidencialidade. Percebo que começo a relaxar na cadeira.
– Vamos começar com o motivo de você estar aqui. O que a fez vir? – ela ainda está usando aquela expressão aberta. Fazendo com que eu me sinta especial. Como se ela estivesse genuinamente interessada.
– Acho que quero salvar meu casamento.
– Do que você está tentando salvá-lo?
Dou um pequeno sorriso.
– Não sei. Impedi-lo de fracassar, eu acho.
– O que faz você pensar que está fracassando?
Sua pergunta me faz parar e pensar. Por que está fracassando? Sou eu ou é Simon? Nós dois, talvez? Estamos afundando sob o peso das expectativas que colocamos um sobre o outro? O silêncio perdura enquanto tento encontrar as palavras.
– Nós dois queremos coisas diferentes. Simon quer que eu seja, em primeiro lugar, sua esposa, que eu o coloque antes de tudo. E parte de mim também tem esse desejo. Mas, se isso é tudo o que eu sou, acho que eu poderia simplesmente acabar desaparecendo. Eu quero mais. Quero ajudar as pessoas. Quero que meu trabalho tenha um significado.
– Que tipo de trabalho que você faz?
– Eu ajudo em uma clínica de dependentes químicos. Cuido de um clube para filhos dos pacientes e angario fundos em nome da clínica.
– Parece um papel importante.
Quero chorar com as palavras dela. Não sei se alguém já me disse isso antes. Que eu sou importante. Que o que eu faço é significativo.
– Para mim é.
– O que torna tão importante?
Outro momento de reflexão.
– É o fato de que tenho capacidade de fazer a diferença. Aquelas crianças não têm muito, e noto no rosto delas que elas gostam muito do programa. Às vezes, quando estão tendo uma semana ruim, o clube é tudo em que elas podem se agarrar.
– As crianças significam muito para você?
– Significam tudo. – minha voz fica embargada. – Elas podem ser irritantes, podem reclamar, mas são crianças, esse é o papel delas. No fim das contas, a maioria só precisa de um pouco de atenção e de amor. Mesmo que eu só possa proporcionar isso a elas durante algumas horas por semana, tem de ser melhor do que nada, não é? – percebo que estou começando a me sentir emotiva novamente. Lágrimas quentes fazem meus olhos arderem. – Não quero deixá- las, nem mesmo por causa de Simon. – pego um lenço de cima da mesa de centro e enxugo os olhos. Minha pele parece inchada e dolorida, e o lenço deixa pior.
– O que você acha que vai acontecer se não sair da clínica?
– Simon vai me deixar.
– Foi isso o que ele disse?
– Não com essas palavras, mas me disse que eu tinha de parar com a clínica. –
enrugo todo o meu rosto, pensando em quais seriam as consequências da minha recusa. Com o ultimato que recebi, presumi que acabaria tudo entre nós se eu me opusesse. – Acho que eu deveria ter perguntado a ele.
– Às vezes as pessoas dizem coisas no calor do momento, sem que tenham realmente intenção de dizê-las. E não dá para saber a menos que se coloque o assunto em pratos limpos. – ela se inclina para mim. – A lição de casa esta semana é tentar explicar a Simon por que a clínica é tão importante para você. Tente não assumir uma postura excessivamente emotiva, ou se colocar contra a parede. Apenas se certifique de que ele entenda o que a clínica significa para você. Nada mais.
Enquanto ela fala, balanço a cabeça e concordo, mas, no fundo, fico me perguntando se consigo mesmo fazer isso. Não sei nem se estamos em um ponto em que podemos falar sobre as coisas sem que terminem em discussão. Embora fosse melhor do que o tratamento silencioso que estou recebendo nesses últimos dias. Mas sempre tive dificuldade em desafiar autoridades. Eu odiava ser repreendida na escola, e fazia qualquer coisa para evitar ser repreendida pelos meus pais. Simon é apenas uma de uma longa sequência de figuras de autoridade diante das quais me senti intimidada. Quando terminarmos, Louise me entrega um caderno e me pede para começar a fazer um registro dos meus humores. Guardo-o na bolsa e me levanto, com as pernas bambas. Mesmo quando chego de volta à recepção, ainda estou trêmula. Não gosto de como o mundo está se tornando um lugar tão incerto.
Fecho o casaco, enrolo um cachecol verde no pescoço e então puxo a porta de vidro e metal que separa a clínica da rua. Quando saio para o ar livre, há um certo conforto na maneira como Nova York me engole inteira, arrastando-me fundo em suas veias pulsantes.

Demi está toda confusa, o que será que ela vai fazer da vida dela?
e esse crise no casamento será vai passar ou não?
amo essa amizade entre ela e a Selena <3
me digam o que acham nos comentários, ok?
espero que gostem do capítulo, volto em breve.
respostas do capítulo anterior aqui.

25/10/2017

begin again: capítulo 14


Two sides

Quando entramos no pub, parece que estamos chegando tarde para uma festa. O bar está cheio, quase transbordando. Os níveis de ruído estão elevados, as pessoas precisam quase gritar para se fazer ouvir. Há uma atmosfera de intoxicação adorável, aquele sentimento de fim da semana que eleva os ânimos de todo mundo, até esquecerem como o trabalho é desgastante.
Nós somos intrusos. Sóbrios, molhados e sujos, vamos passando entre as pessoas até chegarmos ao balcão. Nos deparamos com três fileiras de pessoas em volta do bar e demora alguns minutos para conseguirmos alcançá-lo, e ainda mais para finalmente sermos servidos. Alguns momentos depois, envolvo com os dedos uma Coca-Cola muito disputada e a levo aos meus lábios, bebendo longos goles do líquido fresco e açucarado.
– Deus, eu precisava disso.
Acabamos encostados a uma parede na extremidade do salão, espremidos entre uma lareira e uma coluna de concreto. Espaço apenas suficiente para nós dois.
– Você deveria tirar o casaco molhado. – Joseph estende a mão para tocar o colarinho. – Dê a si mesma a chance de se secar.
– Mas estou com frio. – estremeço. Deve ter uma centena de pessoas aqui, aquecendo o ambiente com sua temperatura corpórea, mas ainda estou congelando. Envolvo minha cintura com os braços.
– É por isso que você precisa tirar o seu casaco. Dê ao seu corpo uma chance de se aquecer. Olha, dê isso para mim. – ele estende a mão para pegá-lo, e sacudo os ombros para tirar. Joseph o pendura no canto da lareira. – Agora está melhor.
– Para você, talvez. – tremo novamente. – Juro que estou com frio até nos ossos.
– Quer que eu esquente você?
Ah, sim.
– Estou bem assim.
– Que pena – ele diz bem baixinho, mas ouço do mesmo jeito. Sua voz faz coisas comigo.
Um grito alto percorre todo o ar. Nós dois nos viramos para descobrir de onde veio. Um homem entra pela porta vestindo apenas um jeans cortado nos joelhos, com um véu branco na cabeça. Preso a ele estão uma variedade de preservativos, tanto embalados quanto abertos. Tenho esperanças em Deus que nenhum deles seja usado.
– Despedida de solteiro – digo a Joseph. Não sei por que me incomodo em afirmar o óbvio, não é como se o homem seminu tivesse aparecido no pub com os sogros.
– Estou vendo. – Joseph toma um gole de cerveja. – O pobre rapaz deve estar com mais frio do que você.
– A única diferença é que ele tem uma noite na delegacia pela frente. Eu cumpri a minha.
Joseph sorri.
– Aliás, qual é a do Cameron? O que diabos ele estava planejando fazer com um peso de papel entalhado do Tate Modern?
– Perguntei, mas ele não tinha resposta. Não uma que fizesse sentido. Ele murmurou alguma coisa sobre valer algumas libras. Não foi muito crível.
– Você passa muito tempo com essas crianças, não passa? Visita nos fins de semana, fica com elas em delegacias. Tenho certeza de que nada disso está nas especificações do seu emprego.
– Meu emprego não tem especificações. Faço o que é necessário.
– Por quê? – ele inclina a cabeça para um lado, olhando para mim. Suas sobrancelhas se unem, como se ele estivesse pensando muito sobre algo. A ponta da sua língua aparece para umedecer os lábios. Percebo que estou olhando fixo. Seu lábio inferior é mais cheio do que o superior, alguns milímetros mais grosso. Lembro-me do gosto, de quando eu costumava sugá-lo entre os meus. Às vezes parece ter sido apenas um instante atrás. Naqueles dias éramos embalados pela vida como se ela fosse uma tela em branco só esperando para que a marcássemos.
– Por que o quê?
– Por que você trabalha lá, se envolve tanto com as crianças?
– Não sei. Caí nisso de paraquedas. Eu queria ajudar, fazer algo de bom, especialmente porque eu estava desempregada. Mas logo eles me ofereceram um emprego e criamos o clube depois da escola e me senti como... – minha voz falha. Como eu me senti? Sei que o lugar mudou alguma coisa dentro de mim. – Como se eu tivesse encontrado meu caminho para casa. – dou risada. – Sei que soa idiota e clichê, mas é assim que me senti. Sei que posso ajudar essas crianças. Elas passaram por mãos podres, muito piores do que a maioria de nós. Eu era uma boa menina de Brentwood, cujos pais achavam que o mundo girava ao redor de seus umbigos e eu ferrei com tudo. Que chance que esses meninos têm?
Joseph parece surpreso.
– Isso é incrível pra caramba. Sério. Essas crianças têm muita sorte de ter você.
Eu tenho sorte de tê-los. – estou quase chocada com o quanto isso é verdade.
Essas crianças deram um significado à minha vida, por mais banal que possa parecer. Elas podem ser muito irritantes e chatas, mas basta um pequeno avanço e parece que meu mundo está girando. Um sorriso suave de Charlotte, um sorriso insolente de Cameron. É o suficiente para fazer meu coração doer. O pensamento de que eu poderia ter de desistir de tudo, virar as costas para eles, me faz querer gritar. Se Simon insistir, não sei se vou perdoá-lo um dia. Ou perdoar a mim mesma.
– Todo mundo tem sorte – murmura Joseph.
– E você? – pergunto, inclinando a cabeça. – Você tem sorte?
– Eu tenho muita sorte. Ferrei com as coisas tantas vezes e ainda assim estou aqui.
Sei como é. Por um momento, quero estender a mão e traçar a linha de suas maçãs do rosto altas, sentir a suavidade de sua pele contra a minha. Quero consolá-lo, não porque ele precisa, mas porque eu preciso.
– O que aconteceu depois que o mandaram embora? – pergunto. Faz algum tempo que tenho vontade de saber. Conheço a minha história muito bem, mas a dele ainda é um mistério. Suas dicas sobre arruinar as coisas só me fazem querer saber mais.
– Da universidade?
– Sim.
Ele toma um longo gole de sua bebida.
– Na verdade, não me lembro das primeiras semanas. Eu estava muito chapado. De acordo com a minha mãe, passei a maior parte desse tempo bêbado, tentando bloquear tudo. Tentando esquecer sobre Digby, sobre o fato de eu não me formar. – ele olha para mim através de cílios muito negros. – Tentando esquecer você.
Fico sem palavras quanto a isso. Estávamos em países diferentes naquele momento, mas ainda havia essa conexão, esse desespero.
– Você me disse que acabou no hospital – acrescentei. Pensei muito sobre isso.
Como perdemos Digby, e depois como Joseph  também estava com problemas, e eu nem sabia.
– Eu estava em uma situação péssima. Minha mãe e meu tio conseguiram cortar meu fornecimento, então eu me voltei para o bom e velho uísque. A próxima coisa que eu soube foi que estava acordando no hospital, fazendo lavagem estomacal. – ele se inclina na parede, traçando padrões nas laterais do copo. – Foi aí que acordei. Acabei acompanhando meu tio quando ele voltou para Londres e terminei a faculdade lá. E depois fiquei por um tempo.
– E agora você é rico e famoso – digo.
– Não tão rico quanto você.
– O dinheiro não é meu. É do Simon. Não me casei com ele por isso. – é importante para mim que Joseph entenda que não me casei por dinheiro. Não sei por que desejo que ele pense bem de mim, mas desejo. Se ele olhar para mim como se eu fosse uma garimpeira, acho que eu iria chorar.
– Eu sei. – ele parece envergonhado. Pergunto-me se ele está se lembrando da nossa discussão naquela noite depois do pub. Só sei que eu estou. – Mas nós dois nos demos bem, considerando como poderíamos ter acabado.
A mais estranha das vontades toma conta de mim e leva minha concentração embora. Tudo em que posso pensar é unir meus lábios aos dele. Sentir seu calor, sua maciez. Deixá-los se mover contra os meus. Estou perdendo a cabeça. Só pode ser. Por que diabos eu iria querer fazer isso?
Mesmo que ele não possa saber o que estou pensando, sinto meu rosto pegar fogo.
– Obrigada – eu digo.
– Pelo quê?
– Por estar aqui. – Por falar comigo, por me fazer lembrar de como era beijá-lo.
– É claro que estou aqui. Nós somos amigos, não somos? – é minha imaginação ou ele acabou de enfatizar a parte “amigos”? Meu rosto fica mais quente ainda quando percebo que ele poderia pensar que tenho uma queda por ele.
Mas não tenho. Realmente não tenho.

***

A casa está em silêncio quando abro a porta da frente. Normalmente, Simon deixa a luz do corredor acesa quando vai para a cama antes de eu chegar em casa, mas esta noite ele não se preocupou.
A escuridão é um julgamento. A punição. É como se eu não merecesse a luz. Acendo-a mesmo assim, deixando cair minhas chaves sobre o aparador, mal parando para me olhar no espelho grande de madeira, entalhado, suspenso logo acima. Mas, com um único olhar, vejo que minhas bochechas estão em chamas, meus olhos estão avermelhados. Entro na cozinha, faço uma xícara de chá apenas para evitar subir as escadas e ir para cama.
Estou adiando o inevitável. Eu deveria ir agora mesmo e pedir desculpas, fazer as pazes. Mas, em vez disso, encosto na ilha da cozinha e mexo meu chá sem prestar atenção, enquanto tento encontrar um sentido para as coisas na minha mente.
Quando tomo um gole, queima meu lábio inferior, e lembro-me de como imaginei beijar Joseph. Estou morrendo de vergonha. Não é como se eu pudesse repelir o impulso e chamá-lo de amigável. Não beijo meus amigos nos lábios.
Droga, nem sequer beijo meus pais desse jeito nas raras ocasiões em que vou visitá-los. Há apenas uma pessoa que beijo na boca e calhou de eu estar casada com ela.
Enxáguo a caneca na pia e a coloco com cuidado no escorredor, girando a alça para que não pegue em nada. Em seguida, saio da cozinha, apago as luzes e ligo o alarme da casa no modo noturno.
Está escuro em nosso quarto. Nenhum abajur ou luz na suíte. Mensagem muito
clara, Simon.
– Oi – sussurro baixinho na escuridão. Não há resposta, nem mesmo o som de sua respiração regular, pesada. Não acho que ele esteja dormindo, mas é difícil dizer. Na penumbra do quarto, mal posso ver seu contorno debaixo das cobertas. Silenciosamente, tiro minhas roupas e as coloco na poltrona ao lado do guarda- roupa e então pego um pijama de algodão. Escovo os dentes com força suficiente para arrancar a doçura açucarada da Coca-Cola do esmalte, o suficiente para algumas manchas de sangue aparecerem na porcelana branca da pia quando cuspo.
Simon não se moveu. Levanto o cobertor no meu lado da cama, e tento entrar furtivamente debaixo. Não tenho certeza se eu deveria estar aliviada ou aborrecida por ele não estar falando comigo. Acho que não posso dormir sob esse véu de melancolia.
Assim que deito de costas e deixo minha cabeça afundar no travesseiro, Simon acende a luz.
– Você voltou, hein?
Viro-me de lado. Sentado na cama, ele procura os óculos. Demora um longo tempo para abri-los e os colocar na ponte do nariz.
– Sinto muito. – é a primeira coisa que vem à mente. A única coisa.
Simon me olha. Sem emoção.
– Por que você não retornou minhas ligações?
– Eu não estava com meu celular na delegacia. Estava desligado na minha bolsa.
– E depois?
– Era tarde demais. – engulo em seco. – Eu não queria estragar sua noite.
– Sabe qual é a pior parte? Eu ficar dizendo a eles: “Ela vai estar aqui a qualquer minuto, isso não é típico dela” e eles continuarem assentindo e sorrindo com indulgência para mim. Como se eu fosse um velho levado para um passeio. Eu conseguia ler o desdém nos olhos deles e não gostei de como eles estavam pensando em você. Como se estivesse me colocando chifres.
Mordo o lábio, tentando não deixar escapar que eu estava no pub com Joseph. Quero confessar, quero ser absolvida. Mas não mereço isso.
– Sinto muito que você tenha de ter passado por isso. Prometo que não vou deixar acontecer de novo. Vou mandar uma nota pedindo desculpas, talvez algumas flores ou algo assim? – sentada, dobro as pernas debaixo de mim, estendendo a mão para tocar a bochecha dele. Quero limpar a mágoa de seus olhos.
– Não podemos continuar assim. – ele faz uma pausa e empurra os óculos para cima. – Não posso continuar assim. A preocupação, a tensão. Parece que estou constantemente me perguntando onde você está, se você está bem. Desde que você achou aquela moça no apartamento... – sua voz fica mais baixa. – E agora isso. Ter de ligar para suas amigas até descobrir que você estava na delegacia com algum arruaceiro adolescente. Isso simplesmente não está certo.
 Não sei o que dizer. Abro a boca algumas vezes, mas não sai nada. Ele está me tratando como se eu fosse sua filha.
– Você sabe o que eu estava esperando? Ouvir que você estava deitada numa vala em algum lugar, ou sendo levada para o hospital em uma ambulância. – seu rosto se contorce antes que ele faça a confissão final. – Acho que eu teria preferido isso.
Uma lágrima rola pela minha bochecha direita. Eu a enxugo com raiva, não querendo ser acusada de usar minhas lágrimas para amaciá-lo novamente.
– Me desculpe. – não sei quantas vezes mais posso dizer isso.
– Não sei se é suficiente, não mais. Eu odeio isso, me preocupar com você, não poder dormir até você chegar em casa porque tenho medo que você possa estar ferida.
– Estou bem, Simon. Garanto que posso cuidar de mim mesma. – tento afagar o braço dele, mas ele se afasta.
– Como você sabe que um deles não vai puxar uma faca para você um dia? Que algum namorado louco não vai entrar na clínica com rancor e um revólver? Não é lugar para você, Demi. Não é o lugar para a minha esposa.
– Mas eu amo a clínica.
– Mais do que você me ama?
Hesitei por um segundo longo demais.
– Não, claro que não. – não é a mesma coisa. Ele está me pedindo para comparar maçãs e peras. – Mas eles precisam de mim. As crianças precisam de mim.
– Eu preciso de você, Demi. Eu preciso de você. E tenho de saber que você está segura quando está fora da minha vista. – ele tira os óculos e esfrega os olhos com punhos cerrados. – Isso tem de acabar.
– O que tem de acabar?
– A clínica. Não quero que você trabalhe mais lá.
Um lampejo de raiva lambe minha barriga.
– Não é justo. A clínica é tudo para mim.
Colocando os óculos de volta no rosto, ele endireita as costas, balançando as pernas para o chão de madeira clara.
– Eu pensei que eu fosse isso. – Simon se levanta, deixando as cobertas caírem de volta na cama. – Esta noite vou dormir no quarto de hóspedes.

não aconteceu nada de mais no pub, só uma conversa entre os dois.
prometo que logo terá o tão esperando beijo entre os dois, está perto.
e o que eu posso dizer é que será o BEIJO hahahaha.
o casamento da Demi só vai de mal a pior mais um desentendimento com o Simon.
me digam o que acham nos comentários, ok?
espero que gostem do capítulo, volto em breve.
respostas do capítulo anterior aqui.

23/10/2017

begin again: capítulo 13


Nove anos antes

– Íris! Ei, Íris. – viro-me e vejo Digby chamando atrás de mim. Está usando um chapéu fedora preto e o segura com a mão para impedir que voe enquanto ele corre. A maioria dos rapazes iria parecer idiota nos trajes dele: calça de alfaiataria skinny cinzenta, suspensórios vermelhos e uma camisa listrada azul. Mas Digby tem uma aura descolada que as roupas malucas não podem estragar.
– Oi – sorrio timidamente. Ainda é difícil acreditar que essas pessoas finalmente me notaram. Depois de quase um ano os rodeando.
– Festa na minha casa hoje à noite. Acabamos de receber uma entrega de viúva branca. Hora de abrir. – ele sorri, revelando uma fileira de dentes quase perfeitos, maculada apenas por um incisivo torto. – Você vem?
Ele está me convidando para ir a essa festa? Ou está me perguntando se já fui convidada? Enrugo a testa, ponderando a etiqueta para ir a festas de drogas. Eu quero ir. Muito. Porque Joseph vai estar lá.
– Hum, quando é?
– Hoje à noite – Digby repete, paciente.
Se eu fosse mais corajosa, poderia revirar os olhos. Em vez disso, tento esclarecer.
– Que horas?
Ele começa a rir, como se eu estivesse fazendo a pergunta mais estúpida.
– Você é tão doce. Não é de admirar que Joseph goste de você. – seu sorriso se torce com divertimento. – Eu nem tinha pensado em um horário. Apenas esta noite, qualquer horário.
– Umas oito? – não chegar cedo, nem tarde.
– Ah, Íris. Sabe que, se Joseph não tivesse reivindicado você primeiro, eu poderia me apaixonar. – ele está olhando para mim como se eu fosse um espécime em um museu. – Vou lhe dizer uma coisa, venha às oito e nós podemos compartilhar o primeiro baseado da noite. Prometo não enfiar a mão na sua calça, e você pode me deixar todo risonho e feliz.
Chego lá às 19h57. Levanto a mão e estou prestes a bater os nós dos dedos na porta quando ela é aberta. Logo na entrada do corredor, está uma menina com aparência de muito entediada. Ela joga o cabelo loiro sobre os ombros e olha para mim por um momento.
– O Digby está? – tento olhar ao seu redor. Todas as cortinas estão fechadas, a despeito do fato de que ainda há luz lá fora, e tudo parece sombrio e escuro.
– Está. No andar de cima. – ela sai andando, deixando-me parada no degrau, com a porta da frente escancarada. Hesito, me perguntando se eu deveria entrar ou se deveria esperar por um convite. Levo alguns instantes para perceber que ela não vai voltar.
Vista pelo lado de fora, é uma bela casa geminada em estilo vitoriano, em uma rua arborizada a cerca de um quilômetro e meio do campus. No interior, porém, é uma questão diferente. Assim que entro no corredor, tropeço em cima de uma pilha de sapatos e evito por pouco cair em uma bicicleta que está encostada na parede. Há uma pilha de correspondência sem importância à esquerda da bicicleta, e passo com cuidado sobre ela.
Todo o corredor fede. É uma mistura de chulé e poeira, atada com um toque de testosterona. Eu poderia ter vindo aqui com os olhos vendados e saberia dizer que era casa de homem. É exatamente a mesma coisa nos quartos dos garotos no conjunto estudantil onde moro. Eles acendem incensos quando levam as garotas para lá, esperando que vá disfarçar o mau cheiro.
A escada é de madeira e está coberta por uma passadeira listrada desbotada presa no lugar com barras de latão. As partes da escada não cobertas pelo tapete estão cobertas com rolos de poeira. Quando subo para o primeiro andar, imagino que estou deixando uma nuvem de poeira atrás de mim, como um caminhão que percorre um deserto.
Quando chego ao patamar, me deparo com cinco portas. Sei que Joseph às vezes fica aqui, e que alguns de seus amigos também vivem aqui. Os pais de Digby compraram a casa para ele como um investimento. Eu me pergunto se têm consciência do estado em que Digby a mantém.
– Digby? – digo baixinho, não querendo chamar a atenção para mim. Em seguida, percebendo que quero chamar a atenção afinal de contas, digo um pouco mais alto: – Digby ?
A porta no final do corredor se abre, revelando Digby cercado por uma névoa de fumaça. Seus olhos estão fora de foco, e ele só está vestindo cueca samba- canção e nada mais. Seu peito nu não tem pelos e é um pouco pastoso. Quase sem músculos definidos.
– Íris. Você veio. – ele acena, me mostrando o baseado entre o polegar e o indicador. – Acho que começamos sem você.
– Estou vendo. – ainda estou em pé no topo das escadas. O fato de ele estar seminu me choca, me deixa constrangida. Erva somada a um cara sem camisa está disparando todos os meus sinais de alerta.
– Entre, entre. – ele acena para seu quarto com um floreio. – Eu queria fazer a festa no térreo, mas a Bruxassauro disse que eu não podia.
– Bruxassauro?
– A droga da minha irmã. Ela veio para ficar por alguns dias. Pensa que é minha mãe.
Acho que isso explica a loira infeliz.
Relutante, ando em direção ao quarto dele e, de repente, fico aliviada quando ouço vozes vindas de dentro. Me encolho para passar por Digby e vejo a menina de cabelos escuros do lago enrodilhada num pufe com um copo de vinho na mão.
Ao lado dela está um garoto de aparência séria, com óculos de armação de arame.
Ela olha para mim sem sorrir.
– Onde está Joseph?
Sinto-me um pouco ofendida. Como se, sozinha, eu não tivesse importância.
– Não sei, ele não vem?
Digby começa a rir.
– Você disse a ele, não disse?
Nego com a cabeça e meu coração afunda. É basicamente a razão de eu ter vindo. E começa a fazer sentido para mim que a única razão por terem me convidado é porque eles queriam que eu trouxesse Joseph. Algo estranho, porque é amigo deles.
– Porra, não acredito – diz a menina gutural. – É uma merda, a gente nunca mais o vê e depois quando pede para você o trazer junto, você esquece.
Digby dá de ombros.
– Está tudo bem. Um de vocês pode ir e chamar Joseph, enquanto Íris e eu terminamos esse cigarro maravilhoso. – ele me puxa para sua cama desfeita, onde se senta e dá uma tragada profunda. Quando me oferece o baseado, eu o pego avidamente de suas mãos, desesperada pela calma que sei que a droga vai trazer. Me sinto tão fora de lugar e tão sem sofisticação que quase quero chorar.
Vai ser uma longa noite.
Viúva branca, ou white widdow, em inglês, é um tipo de maconha produzido na Nova Zelândia.


amores, queria falar com vocês que os capítulos tem um número grande de visualizações porém não vejo muitos comentários, gostaria que vocês comentassem para me dizerem se estão gostando da história pois é muito importante para mim ok?
sobre o capítulo, mais um pouco do passado da Demi.
ainda bem que nos dias de hoje ela se livrou das drogas.
ainda tem bastante para descobrir sobre o passado deles.
me digam o que acham nos comentários, ok?
espero que gostem do capítulo, volto em breve.
respostas do capítulo anterior aqui.

18/10/2017

begin again: capítulo 12


Support

Cameron olha para a parede com os olhos secos, os lábios estão apertados com firmeza sobre dentes cerrados. Seguindo seu olhar, procuro o que está atraindo sua atenção para longe do sargento que está sentado à sua frente, mas a única coisa que existe é a parede esburacada, cor de aço. A pintura é espessa, brilhante e chata, chata, chata.
Se Dulux a tivesse feito provavelmente a chamaria de “Cinza suicídio”.
Ele está com medo, eu sei que está. Por baixo da petulância e da arrogância que formam um escudo firme em torno de seu corpo, há um garotinho assustado. Sei disso com base no olhar ocasional que ele me dá e pela maneira como seus olhos suavizam e liquefazem enquanto ele é informado de seus direitos. É aquele garotinho que me mantém aqui, sentada ao lado dele como um adulto responsável, tentando convencê-lo a responder às perguntas.
– Temos a prova do circuito interno de TV – diz o sargento Collier. – Mostra você colocando aquele peso de papel no seu bolso como se fosse uma barra de chocolate. Você ainda vai negar?
Cameron dá de ombros e quero sacudi-lo. Sua falta de cooperação é enfurecedora. Não apenas para o policial, cujos olhos estreitos mostram a impaciência de um homem que está cansado de ser enganado. Eu também quero que ele se apresse em admitir o crime e que os deixe seguir em frente. Simon estava me esperando em casa uma hora atrás. Não tive oportunidade de ligar para ele ou de enviar uma mensagem. Vou estar em apuros quando enfim conversarmos.
– Cameron, talvez você deva responder às perguntas do policial.
Ele cruza os braços com força sobre o peito de pombo e pisca seu olhar azul desbotado para o outro lado da sala.
– Você já encontrou meu pai?
Eles enviaram um policial para localizar o Sr. Gibbs há duas horas. Esperamos por uma hora antes de Cameron finalmente ceder e concordar em ser interrogado na minha presença. Ele se recusou a ter um advogado público presente, alegou que todos só serviam para considerá-lo culpado e prendê-lo.
Como um garoto de 13 anos sabe qualquer coisa sobre defensores públicos eu não faço ideia. Acho que ele já esteve próximo a muitos crimes.
– Não. – há uma curva nos lábios do sargento Collier. Um sorriso de autossatisfação. Posso entender por que Cameron assumiu uma antipatia imediata por ele. Também não gostei muito.
– Quero esperar por ele.
– Você concordou em ser interrogado – Collier ressalta. – Se não conseguirmos encontrar seu pai, vamos ter de mantê-lo aqui durante a noite.
Um lampejo de desconforto passa pelo rosto de Cameron. Some num piscar de olhos.
– Tanto faz.
– Espere um minuto. – inclino-me para frente, descansando os antebraços sobre a mesa com revestimento de plástico. – Não vamos ser precipitados.
Collier olha para mim.
– Não sou precipitado.
Ah, maravilha. Agora eu também perdi o apoio dele.
– Posso ter uma palavra com Cameron? Em particular. – o folheto que me deram quando concordei em acompanhar Cameron me dizia que eu poderia pedir para ficar sozinha com ele. Se bem que Collier não estava lá quando obtive o papel. Por um momento, ele apenas me olha feio. Olhos de aço. Olhar inflexível. Ele me deixa nervosa.
– Por favor?
– Acho que sim.
– Não preciso de favor nenhum – murmura Cameron, e tenho vontade de bater nele. Meus dedos formigam. Ele está me deixando louca. Sua rota sem volta para a autodestruição parece ter pegado um carona, e, infelizmente, sou eu.
– Você pode se controlar por um minuto? – sussurro. Cameron parece chocado com a minha veemência, mas sabiamente não diz nada. Talvez ele não seja tão idiota, afinal.
– Vocês têm dez minutos. Vou pegar uma xícara de chá. – Collier pausa a gravação e sai da sala, fechando a porta atrás de si. Fico olhando para a porta fechada por um minuto, como se o estivesse esperando voltar. O que estou fazendo realmente é contar até dez. Tentando me acalmar.
Não está funcionando.
Alguns instantes depois, me viro e olho para Cameron.
– O que diabos você está fazendo?
Ele se balança lentamente na cadeira. Para frente e para trás. Cada vez que oscila, acho que vai cair. Mas ele não cai. É como se tivesse um senso inato de equilíbrio, acionado por praticamente nada.
– Ele está me deixando puto.
– Não fale palavrão. – é uma reação automática.
Cameron ri. Não é uma risada, é aguda demais.
– Você está preocupada com o meu jeito de falar?
Empurro a mesa e me levanto.
– Não, Cameron, não estou preocupada com o seu jeito de falar. Estou preocupada com o seu futuro. Você foi pego em flagrante roubando uma loja. A polícia tem provas do circuito interno de TV e testemunhas, mesmo assim você não está cooperando.
– Mickey sempre me diz para manter a boca fechada quando a porca torce o rabo.
Há tantos nuances de errado nas palavras dele que não sei por onde começar.
Suspirando, tomo o caminho mais fácil.
– Quem é Mickey?
– Meu primo. – ele se balança para frente e então acrescenta: – Ele tem dezesseis anos. – Como se isso explicasse tudo.
– E o que faz do seu primo de dezesseis anos um especialista em ser preso? – será que eu realmente quero saber?
Cameron dá de ombros.
– Foi preso algumas vezes. Tráfico, roubo, lesão corporal.
Adorável.
– Bater em alguém é um pouco diferente de sujar a ficha pela primeira vez – aponto. – Se você cooperar, é provável que só receba uma reprimenda.
E talvez eu saia daqui antes que Simon jogue todas as minhas coisas na rua.
– Não me importo.
Ando e paro na frente dele, apoiando-me na mesa.
– Bom, você deve se preocupar. Isso não é engraçado, Cameron, é na sua vida que você está mijando...
– Olha a boca.
– Cale a boca e escute por um minuto. Esta é sua primeira vez nesta delegacia. A primeira vez que foi preso. Se você não tomar uma atitude, não vai ser a última. Quer mesmo acabar como Mickey, ou como qualquer um dos outros bandidos que são constantemente perseguidos pela polícia?
Seu rosto mostra decepção.
– Não sei bem se tenho escolha. – e naquela voz há algo que eu quero captar. A falta de certeza, um medo vacilante.
– Você tem. Você tem escolha, sim. E quero que faça a escolha certa.
Sua testa se franze, como se ele estivesse tentando entender uma língua estrangeira.
– Porque não tem que ser assim, Cameron. Você não tem que ser aquele cara que simplesmente segue com a maré, para um lado e para o outro. Aquele que acaba cumprindo pena em uma prisão de merda e sai para encontrar crianças que não o conhecem e uma garota que não suporta olhar para você. – eu mordo meu lábio, tentando não ficar sentimental demais. – Nós todos temos que tomar decisões. Qual caminho tomar, qual rota escolher. Tomar a decisão certa. Seus olhos encontram os meus.
– Eu não sei o que fazer. – soa como uma súplica.
Suavizo.
– Deixe-me falar com o sargento. Dizer a ele que você quer falar. Vamos ver o que ele pode oferecer? – respirando fundo, chego a tocar seu ombro. – Está bem?
– Está.
Não sou idiota. Sei que não é um grande avanço. Pode não ser nada, mas deixei um pouco de esperança florescer no meu coração. Talvez, no final, ele ainda vá acabar como seu primo Mickey, o presidiário, ou seu pai folgado e ausente, mas realmente espero que ele não seja assim.


***

Leva mais uma hora para o assistente social de plantão buscar Cameron. A essa altura, estamos os dois exaustos, emocional e fisicamente e ele mal revira os olhos quando vê que é Ryan Clark. O cara de aparência desafortunada com o apelido de “supergaroto”, porque tem cara de 12 anos e não tem nada de super-herói. Ainda assim, Cameron vai com Ryan em silêncio, só parando para me dar uma piscadela insolente antes de seguir o assistente pela porta afora. 
E então restava um.
Já passa das 22h quando saio da delegacia e entro no ar frio da noite. Sou imediatamente envolta por uma bruma de chuva. Paira na atmosfera, cobre meu cabelo, forma pequenos grânulos nos meus cílios. Quando pisco, posso sentir a umidade fria na minha bochecha.
A rua aqui fora está banhada por um brilho âmbar, e os postes de iluminação da cidade se estendem até onde a vista alcança. Nunca fica realmente escuro aqui em Nova York, nem mesmo na calada da noite. Ruas e becos que um dia já foram contaminados por nuvens grossas de fumaça adocicada agora são poluídos pela luz.
Não o noto de início. Não até que Joseph dê um passo para fora de seu carro e caminhe até mim, seus dedos correndo o cabelo como um pente nervoso, só então percebo que ele está aqui. Quando para diante de mim, sinto meu coração apertar por um segundo. Na meia-luz, ele parece mais glorioso do que nunca.
Olho para ele, seus olhos escuros, apesar das lâmpadas, e tudo desmorona em cima de mim. O estresse da delegacia, o sofrimento de saber que Cameron poderia se autodestruir. Meus medos sobre a reação de Simon.
O fato de que Joseph está aqui, esperando por mim, quando me sinto tão esgotada.
Faço uma coisa realmente estúpida. Começo a chorar.
Assim que cai a primeira lágrima, já me sinto envergonhada. Um soluço roubado escapa dos meus lábios. Sinto-me exposta, como se ele pudesse ver, debaixo da minha pele, o meu eu verdadeiro.
Nem sei quando acontece. Um minuto estou olhando para ele, com o rosto borrado, em meio a uma cortina de lágrimas, no minuto seguinte, estou em seus braços, meu peito apertado ao seu. Joseph enterra o rosto no meu cabelo. Ele abafa as palavras, mas não o suficiente para que desapareçam.
– Porra, eu sinto tanto.
Seu casaco está aberto, e, quando envolvo os braços na cintura dele, minhas mãos deslizam por baixo. Elas repousam nas costas dele, logo acima da cintura. O calor de seu corpo irradia através da camisa fina. Enquanto ele me segura, dou longas inspirações com o ar fresco da noite. A chuva nevoenta cobre meus lábios quando respiro.
Há uma parte de mim que quer ficar aqui para sempre. Não tenho de pensar em quanto Simon vai ficar zangado e em como estou com medo de ligar meu telefone e ver dezenas de chamadas perdidas. Ainda pior, por um instante, posso esquecer tudo sobre Cameron Gibbs e sua mistura de medo e otimismo que tanto me enfurece e me dilacera. Neste momento, com Joseph, posso apenas ser. É um luxo em que eu quero me segurar.
Mas não é para eu ter.
– O que aconteceu? – ele envolve minha nuca com as mãos, dedos enredando- se com meu cabelo molhado. É gostoso. Bom demais. Dou um passo para trás e os braços dele me soltam.
A chuva fez o cabelo dele brilhar. Toda vez que olho para ele, meu coração
estremece.
– Ele recebeu uma reprimenda. – afasto a franja molhada dos olhos. Só Deus sabe com que aparência péssima eu estou. Rosto pálido, rímel escorrendo, olhos vermelhos.
– Isso é bom, não é? Apenas um aviso?
Nego com a cabeça.
– Vai entrar na ficha dele, foi o que disseram. – dói mais do que qualquer coisa. A ficha de Cameron era limpa, sem mácula. O que está feito não pode ser desfeito.
– Mas nada mais? Nenhuma audiência?
– Não. – pelo menos alguma coisa. – E espero que ele tenha aprendido uma lição. – cruzando os olhos com os de Joseph, enrugo a testa. – O que você está fazendo aqui, afinal? O resto das crianças está bem?
– Estão ótimas. Comprei jantar para todas elas, estavam mais felizes que pintinho no lixo. – ele passa a mão pelos cabelos, e a chuva os mantém penteados, afastados do rosto. Brilha sob a luz dos postes. – Todos eles perguntaram quando podemos ir de novo.
Levanto as sobrancelhas.
– Que tal nunca?
– Exatamente o que pensei. – ele ri. Só dura um instante antes de ele ficar sério novamente. – Eu lhe devo um grande pedido de desculpas.
– Por quê?
– Você me disse que isso iria acontecer. Que não conseguiríamos manter o controle. Eu deveria ter dado ouvidos.
– Eu estava pensando que as crianças sairiam correndo pela galeria e falariam muito alto. Não isso.
Um sorriso ameaça surgir em seus lábios.
– Você tem a visão muito curta.
– Talvez da próxima vez possamos tentar furto qualificado.
– Ei, achei que tínhamos dito que não haveria uma próxima vez.
Bem observado, penso. Uma noite em uma delegacia é mais do que suficiente, não quero voltar lá. Não que eu tenha permissão de voltar, se Simon tiver qualquer coisa a ver com isso. Talvez ele esteja certo. Não consigo fazer nada direito. Daisy ainda está no hospital, Cameron ainda está seguindo para uma vida de crime, e pareço estar fazendo tudo que posso para atrapalhar meu casamento.
– Preciso ligar para o meu marido. – não sei por que não consigo dizer o nome dele. – Ele deve estar se perguntando onde estou.
– Vamos sair da chuva – sugere Joseph, baixando a cabeça para que eu não possa ver sua expressão. – Meu carro está ali. Posso dar carona até a sua casa.
– Vou chamar um táxi.
– Não seja boba. – ele já está caminhando em direção a seu carro, um Ford Fiesta velho e surrado. Não sei o que eu esperava dele, mas não era esse carro detonado e enferrujado.
É despretensioso. Por alguma razão, me aquece por dentro.
– É seu?
– É. – ele aperta a chave e as travas se abrem com um clique. – Por quê?
Porque penso em você como um gênio glamoroso. Porque eu esperava que seu carro fosse mais rock’n’roll.
Porque eu amo o jeito como você sempre me surpreende.
– Por nada.
Dentro, o ar é úmido e mofado, como um par de sapatos deixados na chuva. Ele tentou disfarçar com um desodorizador pendurado no espelho, mas a árvore de papelão não é páreo para o cheiro mais poderoso. Sento-me no assento do carona, de tecido, chutando uma garrafa plástica vazia de Coca-Cola com os pés.
O carro está cheio de lixo: embalagens usadas, pilhas de papéis, até mesmo algumas telas.
– Está um pouco bagunçado – ele afirma o óbvio.
– Combina com você.
Joseph me dá um olhar de “o que você quer dizer com isso” e dá a partida. Embora o rádio ligue de imediato, o aquecedor sopra ar frio. Ele se inclina para frente e abaixa a saída de vento.
– Deve aquecer em um minuto.
Minha bolsa está no meu colo. Abro o zíper e pego o iPhone. Desliguei quando chegamos à delegacia, principalmente para preservar a bateria que não segura mais a carga. É preciso um momento para a tela acender. Enquanto olho para ela, uma pedra enorme de medo se assenta no fundo do meu estômago, azedando o conteúdo até que eu quase consiga sentir minha própria náusea.
– Você está bem?
Não, realmente não estou bem. Tenho medo de que meu marido me odeie, e que ele tenha deixado uma mensagem com esse efeito no meu telefone. Sinto- me como uma criança esperando do lado de fora do escritório do diretor. O celular treme na minha mão conforme alertas começam a piscar no topo da tela. E-mails de sites de roupas que usei anos atrás, tuítes em que fui mencionada.
Também há quatro mensagens de texto e três mensagens de voz. Como a gata assustada que sou, verifico primeiro o Twitter. Alguém da clínica perguntou se estou bem. Um cara de quem nunca ouvi falar antes começou a me seguir. Retuitaram um livro que recomendei.
Li as mensagens depois disso.
Onde você está? Simon acabou de me ligar. Essa é de Selena.
Acabei de falar com Joseph Jonas. Cameron Gibbs merece ser preso. Me liga
quando você sair, está bem? Selena, novamente.
Espero que você não se importe, Selena me deu o seu número. Como você está aí
dentro? Joseph.
Olho para ele.
– Você me mandou mensagem?
– Mandei, eu estava preocupado com você. A mulher na recepção da delegacia não quis me dizer nada.
Não sei por quê, mas sua preocupação me toca. Quando ele capta meu olhar, tento mostrar um sorriso. Sai aguado e torcido.
Apenas uma mensagem é de Simon. Me liga.
Eu vou, digo a mim mesma. Definitivamente vou ligar para ele. Mas primeiro eu gostaria de verificar as mensagens de voz, querendo saber qual é seu estado de espírito. Se eu deveria me preparar para o pior.
“Demi, achei que você estaria em casa às sete. Agora... hum... já passou meia hora. Precisamos sair logo. Venha rápido, está bem?
A seguinte soa mais irritada.
Agora são oito e quinze. Vou para a casa do Bryan, você vai ter de me encontrar lá. Me liga, por favor.
A última foi deixada há dez minutos, de acordo com o registro. Aperto o 2 e ela começa. “Acabei de falar com Selena, porque eu estava morrendo de preocupação que você estivesse no fundo de uma vala em algum lugar. Estou com raiva. Você prometeu. Você disse que a clínica não afetaria nossa vida, e então ouço que você está em alguma delegacia de Nova York. Me liga quando você sair. Precisamos conversar.” Ele soa ameaçador.
A mensagem termina e apago a chamada. Não quero ouvi-la de novo. Tudo o que vou fazer é tentar analisar exatamente o quanto ele está aborrecido. Simon é um homem que mantém as emoções sob controle. Calmo, contido, talvez ocasionalmente calculista. Ao contrário de mim, ele não demonstra seus sentimentos. A escola pública e uma temporada no exército teriam eliminado isso dele, se seus pais já não o tivessem feito antes.
– Você está bem, Demi?
Olho para Joseph e percebo que ele está esperando por uma resposta. Uma superficial e evasiva está na ponta da língua e estou pronta para dizer a ele que estou bem.
Mas não estou.
– Simon está realmente aborrecido comigo. Perdi um jantar importante com alguns clientes. – olho para o meu celular, observando a tela se apagar e ficar preta. – Na verdade não sei por que acabei de lhe dizer isso. Não importa, não de verdade.
– É claro que importa. Me deixe levá-la para casa e falar com ele, dizer que foi tudo culpa minha.
Tento imaginar esse cenário. Joseph parado na porta e explicando a Simon por que ele está me levado para casa. Imagino os lábios finos de Simon e os braços cruzados enquanto escuta Joseph. Então, minhas explicações confusas, como por que Joseph esperou durante três horas na chuva só para me levar para casa. Isso não vai acontecer.
– Está tudo bem. Ele vai superar isso.
– Você não parece bem. Parece chateada e com medo. – Joseph passa o braço e aperta minha mão. – Parece que você precisa de um amigo.
É exatamente disso que preciso. Alguém com quem conversar, alguém que não vá me dizer como sou uma decepção. Nunca imaginei que Joseph Jonas seria o voluntário para o trabalho. Aperto sua mão e olho para minhas pernas, seguindo a trama do jeans de lavagem escura que me cobre as coxas.
– Parece bom.
Sua mão ainda está envolta na minha.
– Mas, primeiro, me deixe levá-la para casa. Você parece exausta. As coisas vão ficar melhores depois de uma boa noite de sono.
Inclino a cabeça no encosto que pinica. A batida da chuva sobre o teto metálico do carro parece um tambor suave. Nossa respiração quente embaçou as janelas, deixando-as opacas e brancas. Quando criança, eu gostava de desenhar meu nome no embaçado, vendo a água correr pela janela em filetes finos. Deus, eu queria poder voltar àqueles dias.
– Não quero ir para casa.
– Não?
– Não.
Ele faz uma pausa por um minuto e, em seguida, se inclina para frente e limpa o para-brisa com a mão.
– Então, aonde você quer ir?
São quase onze da noite. Está frio e chovendo. Meu marido não sabe onde estou. Eu deveria ir para casa e me jogar em sua misericórdia.
– Vamos a um pub.

esse Cameron só arrumando problemas.
Simon super irritado com a Demi.
o que posso dizer é que vai ter treta entre os dois.
Joseph super preocupado com ela. 
o que será que vai acontecer no pub?
me digam o que acham nos comentários, ok?
espero que gostem do capítulo, volto em breve.
respostas do capítulo anterior aqui.