29/01/2018

begin again: capítulo 38


Sadness

Minha mente trabalha no dobro da velocidade durante o percurso veloz do táxi em meio às ruas escuras de Londres. Quase posso ouvir o zumbindo enquanto tento decifrar a distância entre nós e o conjunto habitacional, inclinando-me para verificar a quilometragem do táxi e estimar um tempo de chegada. Sussurro palavras tranquilizadoras pelo telefone, numa tentativa de manter Charlotte sã, tentando não me abalar com sua respiração trêmula ecoando pelo celular. Uma vez que o choque inicial desvanece, me percebo cada vez mais calma. Capaz de regular a respiração o suficiente para desacelerar o coração disparado.
Charlotte merece ter alguém que seja forte por ela. É um papel que começo a interpretar sem nem questionar. Incorporo o manto do cavaleiro branco de bom grado. Se alguém precisa de um campeão montado num corcel, é ela.
Quando o táxi para no condomínio, pulo fora, deixando um Simon chocado para trás. Ele está prestes a me seguir em direção ao prédio, quando coloco a mão em seu ombro e detenho seus movimentos.
Ele parece em estado de choque. Velho. Um lampejo de pena toma conta de mim.
– Você pode ficar no taxi e esperar pela ambulância? – pergunto. Não digo que ele vai ser um ponto fraco se me seguir até as escadas. – Quando chegarem aqui, diga que o apartamento fica no quarto andar, na segunda esquina. Vou deixar a porta aberta para eles.
Simon hesita e eu interpreto isso como submissão. Ele permanece sentado.
– Não deixe o táxi ir embora sem você, ok? Vou ficar com Charlotte e te ligo quando chegarmos ao hospital. – sinto como se estivesse falando com um idoso. Mas ele é um tamanho peixe fora d’água aqui que estou com medo de que ele seja um alvo. Até mesmo o motorista do táxi parece nervoso, e ouço o barulho das portas de carro se trancando assim que me afasto.
Estou quase no bloco quando Simon baixa a janela e grita:
– Você não pode ir até lá sozinha.
Não tenho tempo para acalmar seus temores. Ainda estou com Charlotte no telefone, seu pranto substituído por um silêncio mais ameaçador. Não há dúvida de que, no momento, ela é minha prioridade número 1.
– Sim, eu posso.
Vou indo até um átrio sujo e subo uma escadaria. Meus saltos batem no concreto duro. Embora eu considere tirar os sapatos para acelerar a subida, a ideia de vidro quebrado me faz repensar. Em vez disso, coloco o peso nas pontas dos pés, evitando pisar sobre os saltos. Puxo a bainha do vestido para baixo, a fim de parecer um pouco decente. 
Está bastante silencioso quando chego ao quarto andar. Sigo caminhando até o apartamento de Daisy, sem nunca parar de falar baixinho ao telefone.
– Estou quase aí, querida. Só mais um minuto, está bem? Continue respirando. – a essa altura, Charlotte não consegue mais falar. Os únicos sons que ouço são soluços suaves e um suspiro ocasional. Quero abraçá-la e dizer que está tudo bem. Mas não está, não está há muito tempo. Fracassamos com ela, todos nós.
Fizemos essa criança de 8 anos crescer tão depressa que ela mal teve tempo de tomar fôlego.
– Estou do lado de fora, você pode abrir? – inspiro fundo e me preparo para o que está lá dentro. Há barulho, seguido pelo rangido de uma dobradiça reclamona, e a porta se abre. Charlotte se joga em mim, e sua cabeça bate no meu peito, tento não ofegar. Seu choro alto corta o silêncio, e preciso de um minuto para perceber que ela está realmente tentando dizer alguma coisa.
Entoar, na verdade. Tenho de me curvar para distinguir as palavras.
– Me desculpa, me desculpa, me desculpa. – como uma ladainha, ela repete e repete.
Acaricio o cabelo dela, murmurando palavras suaves numa tentativa de acalmá-la.
– Está tudo bem, a culpa não é sua.
– É sim, é tudo minha culpa. Eu menti, eu disse que ele não estava aqui. Eu falei pra eles que ela não estava usando drogas. Por favor, não me odeie.
– Eu não te odeio, eu te amo. – eu a abraço apertado, tentando mostrar o quanto estou sendo sincera. Os gritos de Charlotte se tornam mais altos, quase histéricos. Enterro o rosto em seu cabelo. – Preciso entrar e ver como está sua mãe. Você quer esperar aqui fora?
– Não me deixe. – suas mãos pequenas se tornam punhos cerrados no meu peito, agarrando meu vestido como se ela estivesse tentando me segurar. Pela primeira vez hesito, dividida entre uma mulher inconsciente e sua filha abalada.
Quando veja a vizinha de Daisy enfiando a cara de lua para fora da porta quase
quero sorrir.
– Ei, você pode vir e ajudar? – olho diretamente para ela.
Um lampejo de reconhecimento perpassa seu rosto. Ela deve se lembrar da nossa conversa há alguns meses. Da última vez que encontrei Daisy inconsciente no apartamento.
– O que foi? – ela se apoia no batente da porta e cruza os braços, olhando para Charlotte. – Aquele imbecil machucou ela de novo?
– Não sei o que aconteceu. Só que a Daisy está inconsciente lá dentro. Você pode cuidar da Charlotte enquanto eu entro? – quando digo o nome dela, Charlotte se agarra em mim com mais força. Tenho que soltar suas mãos dedo por dedo.
Afasto-me e ela começa a tremer, todo o seu corpo sacode com estremecimentos que cortam meu coração.
– Não deixe ela sozinha. Eu entro e olho. Se esse idiota estiver lá dentro vou enfiar a faca nele, porra.
Não sei qual é a dessa mulher, mas acho que eu poderia amá-la. Ela é feroz, mas se resolve te dar cobertura, ela vale ouro. Ela não espera uma resposta, apenas passa por nós e entra no apartamento de Daisy. A porta bate atrás dela e Charlotte me agarra de novo, enterrando o rosto no meu ombro, como se estivesse evitando olhar para dentro.
Ficamos na varanda, agarradas uma à outra, e ouço o lamento fraco de sirenes à distância. Estão se aproximando cada vez mais do condomínio. Nos momentos seguintes, luzes azuis brilhantes piscam e uma ambulância vem se aproximando depressa do edifício, ladeada por dois carros da polícia. Não estou surpresa ao ver a polícia aqui; este lugar é muito perigoso para os paramédicos virem sem reforços. Só os tolos como eu fariam esse tipo de erro de julgamento.

***

A polícia chega ao quarto andar. Noto que estão armados, vestindo grossos coletes à prova de balas que me lembram de um traje de músculos. A essa altura, Charlotte já desabou em mim. Percebo o quanto ela é pesada quando tento apoiar todo o seu peso. O choque tem efeitos estranhos sobre as pessoas e, em Charlotte, foi fazê-la dormir. Como se fosse o único caminho para que ela pudesse manter algo semelhante à sanidade. Consigo me identificar com isso.
– A senhora pode me dizer o que aconteceu? – um policial aparece na minha frente. Ele é um homem mais velho, talvez com quarenta e poucos anos, com um daqueles rostos que fazem a gente querer revelar todos os segredos. Aberto e honesto.
Abraço Charlotte um pouco mais firme.
– Ela encontrou a mãe inconsciente no chão. Quando tentou acordá-la não teve resposta. Foi aí que ela me ligou.
– Ela estava sozinha? – seu rosto diz tudo. A situação é terrível.
– Estava. São apenas elas duas. Faz pouco tempo que a menina voltou. Antes estava aos cuidados da assistência social.
– Então só está a mãe lá dentro?
– Não. Uma das vizinhas entrou para ver como ela estava. Ela é do 410. – aponto para a porta aberta e ele balança a cabeça. É interessante a forma como ele absorve todas as informações. Tenho a impressão de que ele está percebendo muito mais do que deixa transparecer. Talvez esteja ponderando os riscos, avaliando quais devem ser os próximos passos. Eu só gostaria que ele se apressasse e conseguisse alguma ajuda para Daisy.
– Qualquer outra coisa que eu deva saber?
– Ela tem um namorado. Ele é traficante. – não consigo me fazer dizer o nome dele. – Ele foi afastado por um tempo, mas ouvi que ele voltou. – Charlotte enterra o rosto no meu peito. – Não sei se ele está envolvido, mas ele não está aqui no momento.
Nem preciso baixar a voz. Tentar proteger Charlotte da crueldade da vida é inútil. Ela já viu de tudo, já ouviu de tudo. Foi derrubada pela realidade antes que aprendesse a ficar em pé.
Quando os paramédicos recebem o ok, entram no apartamento de Daisy, carregando malas e equipamentos. Conversam com os policiais que os acompanham ao interior. Fico imediatamente impressionada com a falta de ação. Não há gritos, não há ninguém entrando e saindo. Tanta diferença de quando encontrei Daisy espancada em sua cama. Daquela vez havia muito barulho. Tentativas barulhentas de estabilizar sua condição antes de passarem
correndo com ela para a ambulância e seguirem para o hospital.
Dessa vez, porém, o silêncio parece um mau presságio. Quase insuportável. Meu coração despenca quando a vizinha de Daisy finalmente sai do apartamento. Seus lábios estão curvados para baixo e seus olhos quase não encontram os meus. Quando ela finalmente me olha, balança a cabeça lentamente e tenho certeza do que eu suspeitava o tempo todo.
Daisy se foi.
É por isso que eles não estão correndo ou gritando. É por isso que não há nenhuma volta frenética para a ambulância como um paramédico cobrindo a boca dela com uma máscara de oxigênio. Não há necessidade de pressa quando ela já nos deixou. O tempo pode correr um pouco mais devagar para os mortos.
Instintivamente, puxo Charlotte para mais perto. Em seguida, sai o policial de rosto gentil, seu quepe entre as mãos enluvadas. Há um tom pálido de seu rosto quando ele para diante de nós.
– Posso dar uma palavrinha?
Faço um gesto impotente para Charlotte e a expressão dele suaviza. Parece ser o tipo de cara que tem os próprios filhos. Que sabe exatamente por que estou hesitante.
– Talvez Dee possa cuidar da pequena?
Devo parecer confusa, porque ele aponta para a vizinha de Daisy. Levo um momento para perceber que ela deve ter um nome. Dee. Tão comum e normal para alguém numa confusão tão grande. A banalidade de seu nome de alguma forma faz com que tudo pareça pior, como se o mundo estivesse fora de prumo.
Tento afastar a sensação quando passo Charlotte para ela. Amenina agora mal tem noção do que está acontecendo, sua consciência desligou como um computador superaquecido.
O policial espera pacientemente. Quando fico livre, ele coloca a mão no meu ombro, me levando para fora do alcance da voz de Charlotte. Um impulso inesperado toma conta de mim, a necessidade de me lançar nos braços dele, de deixar que ele me conforte do jeito que cuidei de Charlotte. Pode ser a aura paternal que emana dele, ou posso estar ficando louca. No momento, é meio a meio.
– Você é parente?
– Da Daisy ? Não, somos amigas. Ou, pelo menos éramos. – enrugo a testa, lembrando das últimas semanas. – Trabalho na clínica de dependentes químicos onde ela está fazendo tratamento.
Nada mais, diz a pequena voz na minha cabeça. Sinto-me sufocar.
– Você sabe de algum parente? Qualquer um que viva nas proximidades? – ele ainda fala manso. Não julga.
– Ela não fala com a mãe. Não a vê há anos... – paro, tentando pensar. – Não me lembro dela mencionar nenhum outro parente. – não estou incluindo Darren. Ele não é parente, é um parasita.
– Nesse caso, vou precisar da sua ajuda. – ele olha para Charlotte. Dee a está levando para o apartamento ao lado. Seu braço está envolto em Charlotte de forma protetora. – Sinto muito ter que dizer que a RCP não funcionou. Tentaram reanimar sua amiga durante os últimos dez minutos, mas não há nenhum sinal de vida.
– Você quer dizer que ela está morta? – mesmo que eu esteja esperando por isso, ainda fico surpresa. Só resta o pensamento de alguém maior que a vida simplesmente desaparecendo. Ela parecia invencível. Toda vez que a vida dava uma rasteira, ela conseguia se levantar melhor do que nunca, como uma fênix toda errada. – Tem certeza?
– Ela está assistólica. – ele diz como se devesse significar alguma coisa, e significa. Memórias de nove anos atrás me assaltam. Outra noite, outra morte. – Os paramédicos a declararam morta há alguns minutos. – ele esfrega meu braço e a sensação é vagamente reconfortante.
– Como... como ela...? – minha voz some. Não consigo nem dizer a palavra. É como se o fato de eu dizer tornasse tudo real.
Como diabos é que Charlotte vai superar isso?
– Existem todos os sintomas de uma overdose de heroína. Não podemos confirmar até a autópsia, mas não parece ter havido violência.
Heroína? Que maneira horrível de se morrer. Horror e nojo se despejam sobre mim, tingidos com um toque de raiva. Porque mesmo que Darren não a tenha machucado, e mesmo que não tenha sido ele quem aplicou a injeção, ainda é o homem responsável pela morte dela. Não sou uma pessoa vingativa, mas há uma grande parte de mim que pagaria um bom dinheiro para vê-lo ser enforcado pelo que fez.
Não que Daisy também não tenha culpa. Mas com seu corpo deitado no chão de um prédio de apartamentos, mal consigo me fazer pensar nisso. Eles são todas as vítimas aqui. A filha dela acima de tudo.
– Darren Tebbit – digo o nome em voz baixa. – O namorado dela se chama Darren Tebbit. Ele ronda o parquinho aqui perto, passando droga para crianças e adolescentes à tarde. Fique à vontade para cortar o pau dele fora. – vou embora com a fúria fervendo nas minhas veias, porque tenho que ir partir o coração de uma menina.
É quase mais do que posso suportar.

Daisy se foi :(
como será que a Charlotte irá lidar com isso? e a Demi?
esse Darren é um covarde, tadinha da Charlotte.
o que será que irá acontecer com a Daisy?
espero que tenham gostado amores.
me digam o que acharam nos comentários, volto logo.
respostas do capítulo anterior aqui.

22/01/2018

begin again: capítulo 37


I'll never leave you

Passei a semana seguinte tentando não ser uma perseguidora, apesar da minha vontade de ir até Whitegate Estate e abordar todos os caras musculosos, com cara de fuinha que eu pudesse encontrar. Em vez disso, passo a noite no apartamento de Joseph. Jantamos juntos, assistimos a qualquer coisa que esteja passando na TV, e, em seguida, de alguma forma, acabamos emaranhados nos braços um do outro, nos perdendo em beijos, enquanto nosso programa é esquecido.
Na quarta-feira à noite, nós nos beijamos e damos amasso por tanto tempo que, de repente, sinto Joseph parar em cima de mim, coluna arqueada e boca apertada, enquanto faz sujeira na calça jeans. Rio tanto, que fico com a barriga doendo. Ele jura vingança, porque não o deixo esquecer.
Seu plano para me fazer revanche chega na sexta-feira à noite, na cama, enquanto estou montada em sua cintura, e nossos beijos fortes e rápidos. Ele move os lábios para baixo, arrastando-os suavemente sobre meu pescoço, e pressiona a perna em mim. Sua coxa musculosa cria atrito de uma forma incrivelmente sexy. Quando começo a gemer, ele me vira e me segura em seus braços. Eu tremo e ofego e minhas entranhas se transformam em líquido. Ele me beija com força e posso senti-lo sorrir com a boca encostada em mim, satisfeito com a vitória.
Voltamos a ser adolescentes, e eu amo cada momento. Nossas noites são a única coisa que me motivam durante o dia. Quando vejo a mesa vazia de Charlotte, onde ela deveria estar na aula de Arte, preciso me esforçar muito para não deixar o resto das crianças me verem chorar.
No sábado, me torno uma tamanha pilha de sentimentos, tanto bons como ruins que Joseph me arrasta para seu estúdio e me diz para sentar perto da janela, que tem vista linda. Ele esboça meu perfil enquanto tento não pensar muito. Olhando para as águas cinzentas agitadas, acompanho o progresso de uma flotilha de barcos navegando contra a corrente. Botes menores seguem no rastro dos cruzeiros de lazer. Pergunto-me se eles se sentem tão perdidos quanto eu, incapazes de fazer qualquer coisa além de esperar que as ondas parem de quebrar.
– Em que você está pensando? – Joseph pergunta suavemente. Quando viro a cabeça, ele está olhando para mim por cima do bloco de desenho. Tenho uma sensação de déjà-vu tão forte que meu peito dói. A qualquer momento Digby poderia entrar por aquela porta e dizer para nos apressarmos.
– Eu estava olhando os barcos. Você tem uma vista fantástica.
– Eu sei.
Do jeito que ele sorri, sei que não está falando sobre o rio. Ele tem esse jeito de olhar para mim, com a cabeça inclinada para o lado, o canto da boca curvada. É uma expressão de intenções que acende um fogo dentro de mim.
Cruzo os pés e tento não me contorcer, mas meu corpo tem outras ideias. Meu desconforto se agrava quando ele coloca o bloco de desenho sobre a mesa e caminha. Colocando as mãos sobre meus quadris, ele me gira, até estar parado bem entre as minhas coxas. Quando ele se inclina para baixo, seus olhos são brilhantes e ferozes, como se pudessem ler cada pensamento sujo que está passando na minha cabeça.
– Você tem um quê com barcos?
– Como? Não! – tento rir, mas ele está muito próximo e o impulso morre na minha garganta. Em vez disso, tento respirar.
– Então por que você está me olhando assim? – ele passa um dedo pelo meu braço nu e eu estremeço.
– Assim como?
– Como se me quisesse dentro de você tanto quanto eu quero.
Meu Deus.
Suas palavras são suficientes para afastar todos os pensamentos da minha mente, como se só houvesse espaço suficiente para ele. Quando Joseph se aproxima para pressionar a boca na minha, fecho os olhos e me derreto no corpo dele, agarrando a parte de trás de sua camisa como se ele fosse o único que pudesse me salvar. Beijo-o ativamente, nossos lábios se movem devagar, nossas línguas deslizam uma na outra como se não houvesse outra escolha.
Mas há uma escolha e eu a fiz. Eu o escolhi.
Ele passa os lábios no meu pescoço e coloco as pernas ao redor de sua cintura, enfiando os dedos pelos seus cabelos. Suas mãos me pegam por baixo, seus dedos cravam na minha bunda e me puxam para mais perto dele. Nossos corpos se movimentam juntos em um ritmo que parece mais natural do que a respiração. Arqueio as costas e agarro porções de sua camisa, desesperada para senti-lo perto.
Quando desço da janela, ele parece tão surpreso quanto eu. Ainda mais quando caio de joelhos e passo o dedo pela frente de sua calça jeans. Ele para de respirar. Quando o observo de onde estou, no chão, vejo seus olhos refletirem a luz solar quando ele olha para mim. Suas faces estão coradas, seus lábios entreabertos. Tento esconder o sorriso motivado por seu choque óbvio. Sem pressa, solto o cinto, abro o botão, puxo lentamente o zíper. Nem por um instante perco o contato visual. Joseph está imóvel como uma estátua.
– Tem certeza? – sua voz é baixa e pastosa.
Sorrio e concordo com a cabeça, pois existe algo muito perfeito em sua preocupação. Joseph pode ser forte e determinado quando quer ser, mas aqui neste lugar, elevando-se acima de mim, ele não tem medo de ser vulnerável.  De se certificar de que está tudo bem. Ele me faz sentir segura e eu amo esse fato a respeito dele.
Deus, amo tudo a respeito dele. Meu peito está cheio dessa certeza. Não estou pronta para dizer isso ainda, mas está presente em cada olhar meu, em cada toque em sua pele. Está na maneira como curvo os dedos em volta dele e tento não sorrir quando sua respiração se torna ofegante, curta e grave. Quando finalmente o tomo na boca, a certeza está na forma como olho para ele. Sei que ele consegue sentir.
Ele corre suavemente os dedos pelo meu cabelo, me olhando com olhos febris, e eu sinto a retribuição.
– Demi. – sua voz é pouco mais que uma respiração.
Passo a língua, curvando-a na pontinha do membro, observo-o ficar de queixo caído, vejo sua cabeça pender para frente. Observo-o através dos meus cílios.
Ele também me olha. Embora seus olhos estejam semicerrados, ainda consigo ver o calor que há neles.
Também sinto o gosto. Ele endurece na minha boca, os quadris balançam para frente de modo involuntário. Quando a respiração começa a diminuir, eu o sugo mais fundo, sentindo a pele nos meus lábios. Em seguida, ele para de se mexer e sua respiração falha. Ele tenta sair, tenta se afastar. Mas não quero que ele vá.
Em vez disso, agarro suas coxas e sugo ainda mais fundo, deixando-o tomar conta de todos os meus sentidos. E quando ele goza, se derramando dentro da minha boca, sussurra meu nome outra vez.
Parece muito com amor.


***

Na semana seguinte, eu me encontro com Simon em um restaurante elegante. Chego cedo um sinal infalível do meu nervosismo e peço uma pequena gim-tônica. Beberico enquanto espero por ele, sentada à mesa. Mesmo em uma noite de quinta-feira, os restaurantes parecem estar lotados. O salão está cheio de casais elegantes e de empresários, conversas suaves e copos tinindo. Me sinto perdida entre a classe abastada, como uma criança vestida em seu melhor traje de domingo. O vestido preto justo que estou
usando parece desconfortável, restringindo meus movimentos, e fico puxando o decote para conseguir respirar.
Simon chega poucos minutos depois das 19h. Está com um visual “direto do escritório”. Camisa levemente amassada e as mangas arregaçadas. Pela maneira como seu cabelo fino cai bagunçado, não acho que ele tenha se olhado no espelho antes de sair. Ainda assim, logo que me vê sentada à mesa, sua expressão suaviza e um sorriso verdadeiro se forma em seus lábios.
– Você está linda. – ele pressiona um beijo na minha bochecha. – Como você está?
– Estou bem. E você? – educada e comedida. É assim que os relacionamentos afetivos morrem. Uma palavra cuidadosa de cada vez.
– Vou levando. – ele faz uma pausa e minha culpa abre asas, vibrando na minha barriga. – Me acostumando com as coisas.
Felizmente, o garçom escolhe esse momento para nos interromper e trazer os cardápios. Simon pede uísque mais forte do que seus aperitivos normais e pega a carta de vinhos, perguntando-me se prefiro branco ou tinto. Depois de fazermos os pedidos, ele tira os óculos de leitura, e noto as olheiras quase como hematomas.
– Você parece cansado.
Ele esfrega o rosto.
– Não tenho dormido bem. Não é a mesma coisa sem você lá. Fico preocupado com você.
A ave da culpa que tinha feito ninho no meu estômago levanta voo.
– Estou bem, de verdade. O quarto é bom e meus colegas de apartamento parecem amigáveis o suficiente.
Não digo a ele que não estou passando muito tempo lá. Não sou cruel e há uma grande diferença entre honestidade e esfregar as coisas na cara das pessoas. Ainda assim, devo a verdade, uma grande razão para eu estar aqui esta noite. As coisas estão ficando sérias entre Joseph e eu, e não quero que Simon fique sabendo por nenhuma outra pessoa.
Quando o garçom traz o vinho, paramos de falar. Vejo Simon beber um gole do tinto, fazendo uma pausa para provar antes de aceitá-lo com um gesto de cabeça para o garçom. É dolorosamente familiar, como se fôssemos parte de uma peça que se repete noite após noite. O roteiro nos veria terminando de jantar e indo para casa, onde eu iria tirar a maquiagem e rastejar para a cama. Já Simon colocaria os óculos de leitura e pegaria o último livro do Lee Child. Em vez disso, estamos improvisando onde o roteiro exige ser seguido à risca. Não consigo evitar, mas acho que estou mais feliz com a nova situação do que ele.
– Como está a clínica? – sua pergunta me pega de surpresa. Além do mais, não sei como respondê-la. Será que digo que essas últimas semanas têm sido difíceis, que tenho chorado mais, assustada com o destino de uma garotinha que não me pertence?
– Bem. Especialmente agora que o evento beneficente acabou. – mostro um pequeno sorriso. – Pelo menos até eu precisar organizar o evento do ano que vem.
– Você fez um bom trabalho. Sempre faz.
O silêncio cai novamente, e fico me perguntando como as coisas se tornaram tão estranhas entre nós. Parte do problema sou eu. Estou escondendo alguma coisa e minha falta de franqueza está colorindo nossa conversa. Meu peito aperta quando chega o primeiro prato e percebo que preciso dizer algo rapidamente.
Mas olho para ele, o homem com quem me casei, o que me salvou quando pensei que ninguém poderia me salvar e parece cruel demais. Como se eu estivesse partindo seu coração outra vez.
Ele pousa a faca no prato, e olha diretamente para mim.
– Quando você vai voltar para casa?
– O quê? – minhas sobrancelhas se unem.
– Você passou a mensagem. Entendi. Eu te negligenciei, deveria ter te dado mais atenção. Não há necessidade de protelar, agora você já pode voltar para casa.
O vinho no meu estômago se transforma em ferro. Essa não é a primeira vez que ele me pede para voltar para ele. Mas cada vez que digo que acabou, parece que a ficha não cai. Ele ainda está falando comigo como se eu fosse uma criança. A filha pródiga, esperando para voltar.
– Simon... – não sou boa nisso. Quantas vezes dá para partir o coração de alguém? O meu parece estar rachado em dois.
– Você sabe que posso cuidar de você. Funcionamos melhor juntos quando estou no controle das decisões. Pare de lutar contra mim.
Ele está falando sobre a Demo que deixei para trás. Não a quero de volta. Não sei se algum dia eu a quis. Gosto de ser eu. A pessoa que pode tomar minhas próprias decisões. Não quero mais ser a esposinha.
Às vezes, temos de ser cruéis para sermos gentis.
– Estou saindo com alguém. – despejo no meu jeito atrapalhado de costume. – Queria te contar pessoalmente.
Assisto a suas emoções lhe encobrirem as feições. Confusão se transforma em choque.
– Saindo no sentido de “namorando”?
Confirmo com a cabeça.
– Ainda é cedo. Só pensei que você deveria saber.
Simon me olha em silêncio. Observo o chouriço e as vieiras esfriarem no meu prato. Qualquer apetite que eu tinha há muito foi roubado pelas minhas palavras.
– Eu o conheço? – ele pergunta.
Minhas mãos começam a tremer.
– Você já ouviu falar dele. É um artista. Joseph Jonas.
Seus olhos se estreitam, ele deixa a cabeça pender para frente.
– Aquele com quem você trabalha agora? – quando ele abre a boca para dizer mais, meu telefone toca, e me atrapalho na bolsa para encontrá-lo, envergonhada por estar submetendo todo o restaurante ao som de sinos tocando.
Estou prestes a desligá-lo quando vejo o identificador de chamada. Minha mão paralisa no ar, o choque leva embora qualquer ímpeto.
É Daisy MacArthur.
– Preciso atender isso. – olho para cima, mas Simon está fitando o prato. Talvez alguns minutos para que ele se recomponha sejam bons. – Volto já. – minha cadeira se arrasta pelo piso de madeira polida quando me levanto e então caminho até a porta da frente. Aperto o botão de atender e coloco o celular no ouvido assim que saio para o ar frio da noite.
– Daisy, está tudo bem? – no silêncio que se segue, fico imaginando se ela me
ligou por engano, ou se apenas está se preparando para me passar outro sermão.
– Daisy, você está aí?
Para começar, o som é tão baixo que mal consigo ouvir. Aperto mais o aparelho na orelha, tentando abafar a cacofonia do tráfego e as conversas que reverberam pela rua. Então fica mais alto, e percebo que ela está chorando. Os soluços e as pequenas inspirações entrecortadas gelam meus ossos.
– Daisy?
– Não consigo acordar ela.
Paro de respirar. Não é Daisy, mas a voz de Charlotte que estou ouvindo do outro lado da linha.
– Fico sacudindo, mas ela não abre os olhos.
– Charlotte? O que aconteceu? Há quanto tempo ela está dormindo?
– Não sei... eu estava na casa da Shona... a mãe dela fez janta pra... nós. Quando voltei... encontrei minha mãe... no chão... desse jeito. – entre o choro e os soluços, ela demora um pouco para conseguir pôr as palavras para fora. Meu estômago se aperta com medo.
– Ela está machucada? Tem algum hematoma? – claro, meu primeiro pensamento é Darren. Se ele bateu nela de novo e Charlotte viu...
– Ela vomitou e tem sangue no nariz. Você pode me ajudar a acordar ela? Por favor, me ajude.
Sinto que vou sufocar, mas preciso manter o controle.
– Estou indo aí. Nesse meio-tempo, preciso chamar uma ambulância, tá? – por favor, Deus, permita que ela esteja bem.
– Não desliga. Estou com medo. – ela começa a choramingar mais alto e isso parte meu coração. Como alguma criança pode passar por algo assim? Ver a mãe caída no chão? Isso vai contra toda a minha criação, tudo em que me ensinaram a acreditar. Não é a primeira vez para Charlotte, não mesmo, mas é o tipo de coisa que abala emocionalmente. – Por favor, não me deixe.
– Não vou te deixar. Nunca. – de repente, paro de dar importância para o restaurante elegante e para qualquer senso de decoro que ele possa exigir. Corro de volta para dentro e agarro o braço de Simon, exigindo que ele disque para a emergência. O salão fica em silêncio, todo mundo ouvindo nossa conversa e minha explicação ininteligível. Até mesmo os garçons param onde estão. Momentos mais tarde, tenho dois celulares na mão, e estou retransmitindo instruções para Charlotte enquanto ela ouve e chora.
Simon joga um maço de notas na mesa e me leva para fora. Acena para um táxi com uma das mãos e me segura com a outra. Quando o táxi preto estaciona, ele me abre a porta e, com cuidado, me ajuda a entrar. Sua expressão é uma mistura de horror e preocupação. Ele não diz nada no caminho, apenas estende a mão para enxugar as lágrimas que estão escorrendo pelo meu rosto enquanto continuo a falar com Charlotte, dizendo-lhe que não vai demorar muito. E embora eu não fale, com cada resposta que ela dá às minhas perguntas, sei que Daisy está em apuros. O táxi não pode chegar lá rápido o suficiente.

teve mais um momento Jemi <3
ainda bem que a Demi e o Simon tiveram essa conversa amigável.
o que será que irá acontecer com a Daisy?
será que ela ficará bem? o que posso dizer é que terá muitas surpresas ainda.
espero que tenham gostado amores.
me digam o que acharam nos comentários, volto logo.
respostas do capítulo anterior aqui.

20/01/2018

begin again: capítulo 36


Does not matter anymore

Nenhum de nós fala enquanto Joseph dirige pelas ruas esburacadas do conjunto habitacional. O carro salta cada vez que ele passa por um buraco grande demais para evitar. No entanto, o silêncio não parece opressivo. Estou ocupada demais em pensamentos e acho que ele também está. Mal notamos os arredores enquanto seguimos rumo à zona nordeste da cidade. O borrão dos restaurantes de frango para viagem, de kebab, são apenas um pontinho no meu radar.
Quando estamos a algumas ruas de distância do meu apartamento, finalmente encontro minha voz.
– Como você sabe onde eu moro?
Joseph faz uma pequena manobra perfeita e estaciona o Fiesta no mais apertado dos espaços. Ou ele é excelente em fazer baliza ou não dá a mínima se bater o carro.
– O Nicholas me disse.
Nicholas está me devendo muitas explicações. Amaior parte delas é boa. Joseph desce, apertando-se entre o para-choque e o carro da frente. Quando chegamos ao meu prédio, percebo que estou hesitando.
Nunca convidei ninguém para subir antes, a menos que se conte Nicholas e Selena, quando me ajudaram a levar minhas coisas. É estranho, percebo, porque nunca tive meu próprio apartamento, até agora, nunca tive a liberdade de convidar alguém para entrar sem perguntar antes. Pela primeira vez, estou no comando. O pensamento não me assusta como eu pensava. Em vez disso, me anima.
Mostro a cozinha a Joseph quando passamos por ela. Subimos as escadas para o meu quarto, nos apertando entre a poltrona e a cama, e logo ele está em pé no meio do tapete. Vejo seu rosto quando ele verifica o entorno, observando as sobrancelhas franzidas, e a forma como o canto de seu lábio puxa para baixo.
Sinto um aperto no estômago.
– Então é isso. Mi casa. Pequena e elegante, mas toda minha. – pareço minha mãe falando, misturando os idiomas. É só quando ele olha para minha cama não muito bem arrumada que percebo onde estamos.
Joseph Jonas está no meu quarto.
Ai. Meu. Deus.
A última vez que estivemos em um quarto juntos, eu tinha 19 anos, inebriada com a paixão, meio zonza por ele ter me notado. Agora... não sei. Me sinto uma jogadora inexperiente em uma mesa de altas apostas. Calma na superfície, mas embaixo há coisa demais acontecendo. Não sei bem por onde começar.
– Xícara de chá?
Ele balança a cabeça e se senta na poltrona. Um segundo depois, Joseph se mexe, põe a mão debaixo da almofada e tira uma escova de cabelo. Tento não rir quando ele ergue as sobrancelhas.
– Ainda não desfiz as malas direito. Aliás, você não pode falar nada, já viu como é dentro do seu carro?
Ele tem a boa vontade de rir.
– Eu não estava comentando sobre suas opções de armazenamento, só me surpreendeu quando senti os dentes espetando minha bunda.
É claro que meus olhos vão automaticamente para lá. Eles não conseguem evitar. Quando olho, noto que Joseph está sorrindo, e há algo sobre isso que me dá calor.
– Peço desculpas pelo desconforto. – não é verdade. Palavra nenhuma.
Espero que ele esteja tão desconfortável quanto eu.
– Já tive momentos piores.
Meu telefone vibra. Pego-o e vejo o nome da minha mãe aparecer na tela. Fazendo uma careta, pressiono um botão e envio a chamada para o correio de voz. Para grande diversão de Joseph.
– Minha mãe – digo, como se explicasse tudo. – Acabei de contar a ela sobre a separação.
Ele lambe os lábios devagar e inclina a cabeça.
– Vocês duas não se dão bem?
– Eu a decepcionei. – não há necessidade de dizer por quê. Os olhos dele suavizam com a compreensão.
– Nicholas me contou o que você passou na sua casa. Sinto muito.
Olho para cima.
– Com você foi mais fácil?
– Você conheceu minha mãe, não conheceu? – ele sorri de um jeito perturbadoramente sexy. Rosto cheio de vincos, bochechas saltadas – Quando ela descobriu sobre as drogas, pensei que fosse me matar. Só que, mais tarde, ela foi muito legal, me ouviu falar sobre Digby e sobre você.
– Você falou de mim?
– O tempo todo. Ela deve ter ficado de saco cheio.
– Pensei que você fosse se esquecer de mim.
– Como eu poderia te esquecer? Passei a maior parte do tempo ou pintando você ou pensando em você.
– Mas você nunca me ligou.
– Nem você – ele diz simplesmente, sem malícia, mas recebo as palavras como um chute no estômago. Não há resposta, porque ele está certo. Eu estava muito presa ao meu próprio sofrimento para pensar em como lidar com qualquer outra coisa. Por que seria diferente para ele?
Ele olha para os meus lábios. Me sinto constrangida o bastante para desviar o olhar.
– O que você fez depois disso?
– Me mudei para a Califórnia e fiquei lá por alguns anos. Meu tio vive lá e conseguiu me matricular em um programa de Arte. A missão pessoal dele era me deixar limpo.
– Ele conseguiu? – esta é a resposta que preciso saber. Se Nicholas ainda está usando alguma coisa, mesmo que seja o mínimo do mínimo, negócio desfeito.
Após a devastação que testemunhei, não poderia lidar com mais essa. Ele fica imóvel, o rosto mascarado com seriedade.
– Você está me perguntando se ainda uso drogas?
Um pequeno tremor serpenteia pela minha espinha.
– Estou.
Ele se levanta e caminha até onde estou empoleirada na beira da cama, e se ajoelha para ficar com o rosto na altura do meu. Esqueço-me de respirar por um momento, quando ele envolve minha mão na sua, elevando-a até envolver sua mandíbula.
– Não usei nada durante oito anos, Demi. Tive umas recaídas no começo, mas consegui. Cerveja e cigarro ocasional agora são meus piores hábitos.
Há uma intensidade nele que me atrai. Me inclino para frente até que estejamos a apenas centímetros de distância. Inspiro e sinto sua colônia e um leve traço de sabonete. Por que ele sempre cheira tão bem? Tenho pouco tempo para pensar nisso antes que ele esteja suprimindo a distância final entre nós e, no momento seguinte, sinto seus lábios quentes colados aos meus. Macios e insistentes. Ele me tira o fôlego.
Joseph continua sem pressa, movendo-se lentamente, inclinando minha cabeça com as mãos. Entro no beijo, rendida ao calor dele e à necessidade que aperta meu peito. Percebo-me com vontade de rir e chorar ao mesmo tempo, mas me contento com enlaçar os braços em seu pescoço, puxando-o mais perto ainda, suspirando alto assim que sua língua desliza entre meus lábios. Luzes piscam atrás dos meus olhos fechados enquanto ele pressiona o corpo ao meu. Forte o suficiente para me fazer cair sobre a cama. Balanço no colchão até que ele me estabilize com as mãos. Pairando sobre mim, ele me envolve com os braços, olhando diretamente nos meus olhos.
– Vem aqui. – coloco as mãos em seus ombros e tento puxá-lo para mais perto. Os músculos debaixo de sua camiseta flexionam, mas ele não se mexe um centímetro.
– Tudo bem? Quero dizer, beijar você?
Concordo com a cabeça rapidamente. Poderíamos ter conversado sobre esperar e estarmos prontos, mas agora que estou deitada debaixo dele, sinto que isso é certo.
– Mais do que tudo bem.
Ele me beija de novo. Desta vez passo as pernas ao redor dele, levantando os quadris até que possa senti-lo bem ali. Seu gemido vibra pelos meus lábios e em minha boca, então faço de novo: eu me mexo de encontro a ele até que nós dois estejamos envoltos em uma névoa de necessidade.
Não sei quanto tempo isso dura. Em um instante ele puxa meu suéter até o pescoço e acaricia minha barriga com os dedos, depois com os lábios, de leve, o suficiente para me deixar louca. Se eu tivesse 19 anos, estaria me mexendo para tirar a calça jeans e ele estaria arrancando minha calcinha sem pensar duas vezes. Em vez disso, ficamos com carícias, toques suaves e amasso mais duros.
Sua coxa musculosa empurra entre as minhas e me aperto em torno dele, ainda o beijando forte e rápido. Preciso de mais. Eu poderia me afundar em sua pele e ainda assim não seria perto o suficiente.
Quando nos separamos, estamos sem fôlego, enchendo o quarto de suspiros altos. Joseph rola de cima de mim e fica de costas, jogando o braço sobre a cabeça. Meus lábios estão doloridos, latejantes. Percorro-os com o dedo. Me surpreende como estão inchados e sensíveis.
Ele sorri ao me olhar nos olhos. É hesitante, quase envergonhado e quero rir em voz alta. É como se nove anos desaparecessem e fôssemos Joseph e Demi dando uns amasso depois das aulas. Só que desta vez não há nada químico envolvido.
Por essa razão, o gosto é muito mais doce.
– Acho que é o que eles chamam de bolinar. – Joseph abre mais o sorriso e me puxa na curva de seu braço. Eu me aconchego, sentindo-me quentinha e protegida. – Os irmãos sempre nos advertiram quanto a isso.
– Eles falavam sobre danação eterna? – pergunto, traçando sua mandíbula com o dedo.
– Falavam, mas se esqueceram de dizer que tudo valeria a pena.
Fecho os olhos e pressiono o rosto em seu peito, apreciando o calor que irradia através da camiseta. Parte de mim quer perguntar o que isso significa, o que é isso que existe entre nós, mas seguro a língua, com medo da resposta. De qualquer forma, estou muito cansada para falar. As emoções do dia estão pesando demais na minha alma. Por isso deixo que ele me abrace e percorra minha coluna com os dedos, pressione o rosto no meu cabelo, enquanto sussurra palavras que não consigo ouvir.
Só por essa noite, não me importo com nada.

***

Ele vai embora logo após a meia-noite e eu o beijo por todo o caminho até a porta, agarrando sua camisa quando ele volta para o abraço final. Nossos lábios se curvam em risos quando nos beijamos. Não quero que ele vá, mas ele não pode ficar. Não, a menos que nós dois estejamos prontos para a próxima fase, e não acho que estamos. Ainda não. Sabíamos que era hora de parar as carícias quando ele começou a passar mais tempo tentando se arrumar do que me tocando, e seu rosto assumiu uma camada de desconforto.
Porém, não significa que foi fácil.
– Eu te ligo. – ele me beija de novo e corro os dedos pelos cabelos, puxando as mechas. 
– Logo cedo, antes de você levantar.
– Está bem, menina mandona. – outro toque dos lábios dele. – Vou levantar junto com o sol.
Há algo muito confortável sobre a nossa interação. É delicada e alegre, um forte contraste com a paixão aquecida de antes. Ele se inclina para um último beijo antes de sair, e fico à porta, observando-o descer as escadas. Quando ele vira no corredor, corro para a cozinha e o vejo andar em direção ao carro. Ele é apenas uma sombra na luz da rua, mas conheço aquele andar em qualquer circunstância. O mesmo passo quase arrogante de que me lembro quando éramos jovens.
Mal durmo à noite. Quando não estou pensando em Joseph, estou preocupada com Charlotte e rezando para ela estar segura. Deixei uma mensagem para Grace, dizendo que quero me encontrar com ela amanhã, sem saber o que mais posso fazer. Não posso ligar para a polícia e dizer que vi uma jaqueta suspeita dando sopa pela casa. Eles ririam de mim e desligariam o telefone para depois me prenderem por desperdiçar seu tempo. A única coisa a fazer é esperar até amanhã e rezar para que nada aconteça nesse meio-tempo.

***

Na manhã seguinte, meu telefone toca às 6h30 e converso com Joseph. Sua voz está carregada de sono, ouvi-la me dá uma alegria boba. Ele me fala sobre seu dia, reuniões sobre exposições e encomendas de obras e me pede para não chegar nem perto do condomínio sem ele.
Não é um ultimato ou uma exigência, apenas um apelo sincero. Quando vejo, estou concordando.
Já cheguei à clínica quando Grace liga. Ela está em uma visita domiciliar, mas se oferece para passar na clínica às 14h. Como é sexta-feira, não há nenhuma aula, e concordo prontamente, esperançosa por podermos finalmente resolver as coisas. Com algumas horas para eu matar e uma manhã tranquila pela frente, limpo o armário de arte, uma tarefa que normalmente evito nos melhores dos dias. Hoje, porém, é catártico. Jogar fora potes secos e pincéis que ficaram duros como pedra tiram minha mente dos problemas maiores.
Ainda estou aqui quando ouço uma batidinha na porta e viro a cabeça para ver
Grace O’Dell.
– Ah, oi. – aliso o cabelo para trás, sabendo que devo estar toda desarrumada.
– Já está na hora?
– Cheguei mais cedo. Meu último compromisso foi desmarcado. Você tem tempo agora?
Há algo em seus modos, certa tensão, que me deixa em estado de alerta. Sinto minha testa se enrugar.
– Claro, quer conversar aqui?
– Sim, tanto faz.
Nós nos sentamos nas cadeiras alaranjadas de plástico. Estão cobertas com tinta seca, mas Grace não pareceu notar. Em seu trabalho ela viu muito pior.
– Quer começar? – ela pergunta.
Por um momento, pareço voltar para seis anos atrás. Outra sala, mas o mesmo tipo de sensação. Já entrei perdendo. Não sei por que tenho a impressão de que ela está me julgando antes de eu começar a dizer uma única palavra.
– Acho que Darren Tebbit está de volta.
– O que faz você pensar isso? – suas palavras são abruptas, quase de desprezo.
– Vi a jaqueta dele no apartamento da Daisy. Quando perguntei sobre isso, ela ficou na defensiva, como se estivesse tentando esconder algo.
– Então você viu uma jaqueta. Algo mais?
Percebo como devo soar patética. Sem as informações de Cameron, sou apenas uma idiota paranoica, mas não posso dizer à Grace que ele está espionando.
– Não, mas sei que ele está de volta.
Grace ergue as sobrancelhas, mas continua olhando, como se eu fosse a megera nessa história. 
– Eu vi Daisy hoje de manhã. Ela me disse que você foi bisbilhotar no apartamento dela, fazendo todos os tipos de acusações.
– Isso não é verdade – protesto. – Era ela quem estava gritando. Grace levanta um dedo como se para me silenciar.
– Então fui para a escola de Charlotte e perguntei a ela se Darren estava por perto. Ela me disse que não o vê há meses.
– Mas Daisy ficou muito na defensiva. Quando vi a jaqueta, ela praticamente me empurrou porta afora...
– Analise pelo ponto de vista dela. Ela está se esforçando para fazer dar certo, se doando inteira para fazer o que é certo para Charlotte. Então você mete a colher e a faz se sentir julgada.
– Eu não meti a colher. Só queria ver se estava tudo bem.
– Por quê? – ela pergunta.
– O que você quer dizer?
– Por que as coisas não ficariam bem? É como se você estivesse esperando que ela falhasse e isso é inaceitável. Analisamos todos os riscos e demos a ela a chance de provar a si mesma. O disparo das suas acusações não está ajudando ninguém. Menos do que tudo, Charlotte.
Lágrimas começam a encher meus olhos. Fecho as mãos apertado com a frustração. Não é o fato de ela não acreditar em mim que pega, é o conhecimento de que Charlotte pode se machucar e não há nada que eu possa fazer para impedir.
– Você não vai fazer nada?
– Daisy me garantiu que ele não voltou. Essa jaqueta era algo que ele tinha deixado para trás, ela usava quando iria comprar alguma coisa na rua.
Estou ficando louca? Sinto que eu poderia estar. É como se eu estivesse vendo o mundo através de uma lente diferente, insistindo que o céu é azul quando todo mundo enxerga verde.
– Você acredita nela?
– Charlotte ainda estaria lá se eu não acreditasse? – a resposta de Grace é curta e grossa. – Não há nenhum sinal de que ele tenha voltado. Daisy parece saudável e sóbria, não acho que ela esteja usando nada. O apartamento estava arrumado e cheio das coisas de Daisy e Charlotte. Nada de Darren. – ela quase me fulmina com o olhar. Devo parecer desvairada aos seus olhos. A menina que pede ajuda por nada. – Acho que você ter ido lá fez mais mal do que bem.
Encolho-me no mesmo instante, como se tivesse levado um tapa na cara.
– O que você quer dizer?
– Daisy acha que você não queria o bem dela desde que ouviu nossas suspeitas sobre Darren. Ela colocou na cabeça uma ideia de que você vai tirar Charlotte dela. – Grace faz uma pausa. Tempo suficiente para eu absorver a informação. Um instante depois, ela solta a bomba: – Para o bem das duas, acho que você deve ficar longe delas.
Tento engolir o nó que está se formando na minha garganta.
– Ficar longe? – faço eco às suas palavras. – Por quanto tempo?
Grace dá de ombros.
– Até Daisy se sentir confortável com você por perto. No momento, ela não é sua maior fã.
– Mas ainda vou ver Charlotte aqui, não vou?
Grace se mexe no assento com desconforto.
– Não acho que seja apropriado.
– Não vou poder vê-la nunca? – a última palavra sai como um soluço. Tenho de cobrir a boca para impedir que se transforme em algo mais.
– É para o melhor. – a expressão de Grace suaviza quando ela vê como estou horrorizada. Inclinando-se para frente, ela estende o braço para dar um tapinha na minha mão livre. O gesto não faz nada para aliviar o nó no meu peito. Está ficando mais apertado agora que penso em não ver Charlotte.
Tiro a mão que me cobre a boca.
– Não é justo – sussurro. – Eu amo essa menina.
– Você quebrou a primeira regra – Grace me diz. – Você se envolveu demais. Não consegue manter a distância necessária.
Suas palavras me fazem querer gritar. Não preciso de distância, de julgamento ou de qualquer outra coisa que ela pensa que está faltando em mim. Existe uma menininha que não pode se proteger de um maldito imbecil, e não estou nem sequer autorizada a ajudar. O pensamento de ele chegar perto o suficiente para machucá-la me faz querer vomitar.
– E se eu a vir mesmo assim? – pergunto, tentando agarrar alguma coisa, quando existe apenas ar.
– Então Daisy tem todo o direito de chamar a polícia. Ela é a mãe de Charrlotte,
afinal de contas.

amores, desculpem pela a demora para postar mas só tive tempo hoje.
agora sobre o capítulo, que lindos os dois juntos eles finalmente estão se entendendo.
será que a Demi irá ficar sem ver Charlotte?
será que o Darren voltou ou não? o que acham?
espero que tenham gostado amores.
está acabando a fanfic, falta apenas 6 capítulos :(
me digam o que acharam nos comentários, volto logo.
respostas do capítulo anterior aqui.

14/01/2018

begin again: capítulo 35


I have to protect her

Uma hora mais tarde, a sala de aula está vazia das crianças. As paredes pintadas de branco não mais ecoam a conversa animada, embora o chão salpicado de tinta seja prova de que elas estavam aqui. Dividimos a tarefa da limpeza, como de costume. Joseph pendura as pinturas estreladas no varal de secagem que amarramos no teto, doze folhas de papel, balançando na brisa suave. Parecemos ter caído de novo no velho ritmo de lavar, empilhar e fazer um ou outro comentário. É como se nós dois soubéssemos o que vamos falar
mais tarde. Por enquanto, podemos apenas não dizer nada.
Embora seja difícil não fazermos nem dizermos nada quando meu coração salta cada vez que Joseph passa roçando de leve por mim. A segunda vez que ele faz isso, eu me pergunto se é de propósito. Ele é muito bom em ser furtivo.
Quando penso em comentar, ele está do outro lado da sala, e estou abrindo e fechando a boca como um peixe demente.
Os sentimentos que tenho por Joseph são confusos. Uma mistura de nostalgia e desejo, talvez, mas também há algo mais. Um anseio de estar com ele, de saber o que ele pensa sobre cada assunto. Quero conhecê-lo de novo.
Quero que ele me conheça. A verdadeira eu. A que estou tentando suprimir desde a morte de Digby. A que eu pensei ter deixado para trás. Acontece que ela estava aqui o tempo todo, esperando que eu a reencontrasse.
E acho que gosto dela.
– Terminamos?
Joseph sorri para mim. Há uma mancha de tinta preta ao longo de sua mandíbula e, sem pensar, estico a mão para limpá-la. Como uma resposta reflexa, a mão dele circunda meu pulso, mantendo meus dedos apoiados em seu rosto.
Nenhum de nós respira.
– Você está com tinta aqui – digo, finalmente. – No rosto. Tinta preta. – estou falando coisas sem sentido? Nem sei mais.
Ele relaxa os dedos em volta do meu pulso e move a mão para cobrir a minha.
– Estou? – nem uma vez ele afasta os olhos de mim.
Minha palma pressiona com mais força a pele áspera. Sua barba está começando a aparecer na pele. Arranha, mas, de alguma forma, gosto da sensação. E enquanto fico aqui, meus pensamentos se dirigem de volta para aquela noite no apartamento dele, recordando a sensação do maxilar no meu pescoço, no meu peito, na minha bochecha. Queimava de uma forma muito sensual.
Relutante, puxo a mão e a deixo apoiada no quadril.
– Acho que é hora de voltar para o meu quarto glamoroso.
– Você está gostando de lá? – embora sua voz seja uniforme, seus olhos ainda estão dilatados. Gosto da maneira como eu o afeto.
– Foi um pouco estranho no começo, me acostumar a viver em apenas um cômodo. É bom ter um lugar que eu possa chamar de meu, apesar de tudo.
– O que você faz à noite? Divide a tarefa de cozinhar com os colegas de apartamento?
Eu rio, pensando nas embalagens para viagem espalhadas pela nossa pequena cozinha.
– Não, quase não os vejo, para ser sincera. Acho que eles preferem kebabs à nouvelle cuisine. 
– Você não fica assistindo televisão com eles?
– Não temos sala de estar. – foi estranho no começo, perceber que não havia espaço comum. Acho que o proprietário queria espremer cada centavo que podia de seu imóvel. O que costumava ser a sala de estar é agora um terceiro quarto – Só os vejo quando estou preparando uma xícara de chá. Não é tão ruim.
Ele enruga o nariz.
– O que o Simon acha? Ele não quer pagar por algo melhor para você?
– Não quero que ele pague. Não foi por escolha dele que me mudei. Não quero parecer que estou explorando.
Seria muito errado. Tudo o que Simon tem, ele possuía antes de nos casarmos. Se eu tentar pegar a metade, só estaria comprovando o que todo mundo disse, e não quero que Simon pense jamais que me casei com ele por nada além das razões certas. Mesmo no nosso ponto mais baixo, a última coisa que pensei foi levar dele o que ele tinha. O dinheiro é dele, não meu. Eu gostaria que continuasse assim.
Não que Simon concorde. Quando disse a ele para onde iria me mudar, ele praticamente teve um ataque. Mas não posso considerar a gentil oferta que ele me fez de um apartamento.
– Parece injusto que ele tenha tudo e você esteja vivendo em um quarto sujo. Você sabe que a oferta do meu quarto vazio continua em pé.
Ele é tão doce que tenho vontade de abraçá-lo. Seria tão fácil me mudar para o apartamento dele. Entrar em um relacionamento. Talvez nunca sair. Mas se for para Joseph e eu algum dia acabarmos juntos, não vai ser por falta de opção. Desta vez, quero que qualquer relacionamento esteja em pé de igualdade.
– Não tem problema. É apenas um lugar para eu ficar enquanto resolvo tudo. Eles não fazem muito barulho, não têm festas loucas. Só ficam na deles. 
Diane e Peter. Ainda demorei alguns dias para me lembrar de seus nomes. Essas são as pessoas com quem estou dividindo um banheiro.
– Bem, sempre que precisar escapar, você sabe onde estou. – ele não diz mais nada, apenas se aproxima e pega o paletó de um gancho no fundo da sala. – Quer uma carona para casa?
Tento não rir. Meu apartamento fica localizado no lado exatamente oposto ao dele, e Joseph sabe disso. Estou prestes a recusar quando uma ideia me vem à mente.
– Na verdade, você tem tempo o bastante para fazer um desvio? Queria verificar uma coisa.

***

O carro dele ainda fede como uma lagoa morna. Não parece ter sido limpo desde a última vez em que estive aqui, e me vejo chutando uma garrafa de Coca-Cola vazia, querendo saber se é a mesma que ficou no assoalho do carro por todo esse tempo. Ele entra pelo lado do motorista e estende as longas pernas para pisar na embreagem. Tento não ver os músculos de sua coxa repuxarem o jeans.
– Então, onde estamos indo?
– Você conhece o Whitegate Estate?
Ele se vira e me olha nos olhos.
– Só por reputação. – sua voz é baixa. – Por que você quer ir lá?
Respiro fundo e deixo a cabeça cair para trás no encosto de cabeça.
– Charlotte MacArthur mora lá com a mãe.
– Certo...
– Quero verificar se ela está bem. – olho-o de novo, e ele está esperando pacientemente que eu explique melhor. Por um momento, fico parada e tento descobrir as palavras certas – A mãe dela tem um namorado vai-e-volta e acho que ele pode já ter machucado Charlotte antes. Quero ir lá e ver se ele anda rondando.
– Ele foi embora?
Outra respiração profunda.
– Depois que mandou a Daisy para o hospital com ferimentos múltiplos. Agora me disseram que ele pode estar de volta.
– Por que não chamar alguém? A polícia ou o serviço social?
É uma boa pergunta, mas não uma que eu esteja particularmente satisfeita em responder.
– Porque fiz uma coisa idiota – admito. – Pedi a Cameron Gibbs para ficar de olho nela e me contar se Darren aparecesse.
– Darren é o namorado? – Joseph esclarece. Ele desiste de tentar ligar o carro e se vira para mim. – O que bate nelas?
– É. Sei que é idiota, mas não posso chamar o serviço social apenas para dizer que Darren anda rondando o condomínio. É apenas uma coisa que me disseram; eles ririam de mim. Se eu pudesse ver com meus próprios olhos, pelo menos eu teria algo para dizer.
– E se ele não estiver lá?
– Então posso ir para casa sabendo que Charlotte está a salvo.
Ele estende a mão e passa o dedo ao longo da minha bochecha. A intimidade do gesto é quase dolorosa. Sinto queimar a linha que ele traça no meu rosto.
– Certo, vamos. Mas se você sair do carro, vou com você.
Demora um tempo para chegarmos lá. A hora do rush impede nosso progresso a cada poucos quarteirões, e ficamos parados por longas filas, enquanto motos e entregadores passam por nós num tiro, costurando em meio aos veículos. Nenhum de nós diz muito: eu porque estou muito ocupada em me preocupar com Charlotte, e Joseph em se concentrar na rua.
Chega um momento em que ele se inclina para frente e liga o rádio, e o DJ da hora apresenta o programa com pedidos dos ouvintes. Começa a tocar The Fray, e nossos olhos se encontram. Essa canção estava nas paradas do ano em que Digby morreu. Conforme a bela melodia preenche o interior do carro, me pergunto se Joseph a ouviu tanto quanto eu.
– Odeio essa música. – ele desliga o rádio. “How to Save a Life” desaparece. – Tocava em tudo quanto era lugar naquele verão... eu não conseguia escapar.
E cada vez que eu ouvia, parecia que estava sendo julgada.
– Não era você que merecia julgamento. Você não fez nada de errado.
O silêncio é tão pesado que chega a doer. Posso sentir sua dor se dissolver na minha.
– A gente era praticamente criança, Joseph. Não foi culpa sua.
– Eu dei a ele a bala. De quem foi a culpa?
Paramos de novo em frente a alguns semáforos temporários. Alguém buzina.
– Você também me deu uma e ainda estou viva – digo com firmeza. – Foi uma daquelas coisas. A culpa não está nas suas costas.
– Também não está nas suas. Quando você vai perceber isso?
Fecho os olhos e consigo imaginar Digby fechando a mão em torno do comprimido quando Joseph lhe entrega. Nós três engolimos pílulas brancas minúsculas. Procurando êxtase e encontrando apenas a morte.
– Eu deveria ter dado ouvidos. Quando ele disse que estava passando mal.
Os dedos de Joseph tamborilam no volante em um ritmo silencioso.
– O coitado nunca teve chance. Ele foi diagnosticado com um defeito cardíaco congênito na autópsia. Você sabia disso?
Neguei com a cabeça, sentindo a náusea crescer no estômago do jeito que sempre faz quando penso nele. Naqueles dias.
– Eu li nos jornais. Saiu no inquérito.
Isso faria sentido. Parei de ler qualquer coisa depois dos dois primeiros dias. Ver a mídia impressa me difamando era mais do que eu poderia suportar.
– Ele ainda não teria morrido se não fosse pelo E.
– Verdade. Mas nenhum de nós sabia o que iria acontecer, nem ele. – Joseph inclina a cabeça para o lado, e olha para mim com uma expressão curiosa no rosto. – Você ainda pensa muito sobre isso?
– Penso – respondo. – Por um longo tempo, não consegui pensar em mais nada. Levei uma eternidade para me perdoar por não ir junto com ele naquela noite.
A voz de Joseph é fraca.
– Ele teria morrido de qualquer maneira. Você sabe disso, não sabe? Não foi culpa nossa.
– Mas ele não teria morrido sozinho. 
– Essa é a pior parte. Saber que ele estava sofrendo sem que ninguém cuidasse dele.
– Verdade. – os carros à nossa frente começam a andar e Joseph os segue, avançando pela pista com o Fiesta. – Mas é o que é. Você entende o que quero dizer? Em algum momento, você tem de aceitar que isso aconteceu e tentar seguir em frente. É o que venho tentando fazer.
– Eu sei. – ele está certo. Eu sei que está.
– É por isso que você trabalha na clínica? Para expiar a morte dele? Mostro um pequeno sorriso.
– No começo, eu acho. Agora trabalho lá porque amo as crianças. Elas são as vítimas nisso tudo, e os potenciais viciados do amanhã. Se eu puder fazer a diferença, tudo vale a pena.
– Você faz a diferença. Posso te garantir.
Quando paramos em Whitegate Estate meu coração acelera. As ruas estão vazias, exceto pelas pilhas de lixo cobrindo as calçadas e um carro queimado e abandonado, estacionado de qualquer jeito na beira da rua. Levo Joseph em direção ao parque, grata por seu carro ser dilapidado o suficiente para não chamar atenção.
Paramos perto do parquinho, onde um grupo de crianças está pendurando num gira-gira, com os cabelos jogando na brisa. Os balanços foram requisitados pelos adolescentes que os usam como bancos. Alguns fumam cigarros semiusados enquanto tentam parecer dolorosamente descolados.
Em alguns instantes, capto a visão de Charlotte agachada debaixo do escorregador, brincando de alguma coisa com uma menina, cabelos quase brancos, lindinha, aparentando ter mais ou menos a mesma idade.
– Você está bem? – Joseph pergunta. Não sei se é de preocupação genuína pelo meu bem-estar, ou apenas algo para cortar o silêncio. De qualquer maneira, respondo:
– Sim, só estou procurando Darren. Cameron disse que estava andando por aqui no outro dia.
– Só tem crianças aqui agora.
– É. – pergunto-me se Darren faz uma pausa quando os jovens chegam. Não consigo acreditar que ele faça, afinal os adolescentes são, provavelmente, seus melhores clientes. Ainda não consigo me livrar daquele gosto desagradável na boca. Se eu fosse vidente, diria que eu podia sentir. Mas há algo muito esquisito nisso tudo.
– Quer sair? Dar uma olhada?
Viro a cabeça e olho para as torres que cercam o espaço verde. Em pé como sentinelas, são idênticas em design, todas construídas com o mesmo concreto sem graça. Algo sobre elas me faz tremer.
– Podemos ir até aquele prédio? – aponto para o bloco onde Daisy vive, tentando não pensar sobre a última vez em que vim aqui. Parece que foi uma vida atrás – Quero ir lá ver a Daisy.
Até eu estou surpresa com minhas palavras. Elas saem antes de eu realmente ter uma chance de pensar, mas assim que saem, tenho certeza de que é a coisa certa. Subir e vê-la, talvez falar que Charlotte esqueceu de alguma coisa. Garantir que Darren não está de volta.
– Tem certeza? Ela não vai achar ruim se você aparecer na casa dela sem aviso prévio? – Joseph dá partida no carro mesmo assim.
– Não vou demorar. Só vou entrar e sair.
Quando subimos as escadas até o quarto andar, tenho uma sensação de déjà- vu. Meu coração dispara com uma mistura de esforço e ansiedade, e eu me vejo agarrando a mão de Joseph em busca de segurança. Quando ele para e observa um pedaço de grafite primorosamente desenhado na escada, posso recuperar um pouco o fôlego, admirar seu rosto.
– Você gosta de grafite? – pergunto.
– São os murais do nosso tempo. Realismo social em forma de arte. Acho fascinantes.
Entendo o que ele quer dizer.
– Você já fez algum?
Ele ri.
– Todo mundo já não fez?
Balanço a cabeça e solto um risinho.
– Eu não. Sou uma boa menina, lembra?
Sua voz é baixa. Grave.
– Lembro.
Saímos para a passarela familiar que leva ao apartamento de Daisy. Nada mudou nos meses desde que estive aqui. Ainda há vidro quebrado no chão. O apartamento 403 ainda tem janelas fechadas com tábuas. Há um movimento nas cortinas amareladas quando passo pelo 408, e suponho que um vizinho intrometido está espiando.
– Você se importa de esperar aqui? – pergunto a Joseph antes de virar a esquina para o corredor de Daisy. – Não quero aparecer sem avisar e ainda mais com um estranho. Não vai demorar muito, prometo.
Ele balança a cabeça, mas pega minha mão antes que eu possa sair.
– Se tiver alguma coisa errada, você grita, está bem? Vou entrar lá num tiro. – ele baixa a testa até encostá-la na minha. – Se cuida. É uma ordem. 
Concordo com a cabeça e mexo a dele junto com a minha.
– Você é um fofo. – porque, Deus, ele é. Muito fofo.
– Eu sei – ele sorri e me faz querer abraçá-lo. Enlaço os braços no pescoço dele e o puxo num abraço apertado. Um segundo depois, ele me puxa para mais perto e apoia as mãos nas minhas costas. Sinto as palmas mornas através da camiseta. É onde quero ficar. Segura nos braços dele, aquecida, aconchegada e muito, muito contente.
Mas não posso, não até ver por mim mesma que Darren Tebbit não fez uma reaparição repentina.
Assim que me separo dele, Joseph se afasta e se inclina contra uma parede. Caminho até a porta de Daisy e dou uma batidinha, mas tento não pensar na última vez que fiz isso.
Demora menos de um minuto para atender. Ela abre a porta com tudo, levando um cigarro aos lábios secos. Franzindo a testa quando percebe quem é.
– O que você está fazendo aqui?
– Eu só queria saber como você estava. Não tive chance de falar com você.
Daisy dá um passo ao lado e entro. Um alívio me envolve quando percebo que ela está aqui sozinha.
– Tenho telefone, sabia? – ela resmunga. – Eu estava preparando o jantar.
– Então não vou demorar muito. Está tudo bem? Charlotte está se adaptando bem?
– Ela está ótima. – os olhos de Daisy se estreitam. – Você não acabou de vê-la? Ela estava na aula, não estava?
Merda. Porra.
– Hum, estava, a gente não teve oportunidade de conversar.
O micro-ondas apita e nós duas o ignoramos.
– Por que você está aqui? De verdade.
Há momentos em que desejo que Daisy fosse estúpida e que eu não fosse tão burra. Ela sabe que não moro nem perto deste condomínio. Não existe motivo algum para eu estar aqui. Deve ser óbvio que vim ver como ela estava.
– Ouvi que Darren voltou.
Ela apaga o cigarro em um cinzeiro verde-pálido e depois vira o rosto para me encarar.
– Então você pensou em dar uma corridinha aqui e ser a Srta. vadia intrometida, não é? Ver como andam as pessoas pobres? Quer rir da nossa cara?
– Eu queria ter certeza de que ele não tem incomodado. Não depois de tudo pelo que você passou. – estou mentindo e ela sabe. Percebo pela forma como o lábio dela se curva para baixo. Ela cruza os braços firmemente sobre o peito.
– Bem, ele não está aqui, está?
– Estou vendo. – tento dizer isso em tom leve, mas acabo passando por tola. – Então está tudo bem?
Estou olhando para a porta, já desejando ir embora. Por que diabos resolvi vir aqui? Parecia tão simples: dar uma passada, dizer um “oi”, depois sair, sabendo que Darren não estava em lugar nenhum por perto de Daisy ou Charlotte. Agora tudo o que fiz foi colocar Daisy em perigo novamente, e sei que o tiro vai sair pela culatra de alguma forma.
– Vou chamar Charlotte para jantar, então você precisa ir embora. – Daisy pega o telefone.
É quando eu vejo. Pendurada casualmente no espaldar de uma cadeira. Uma jaqueta de couro preto, grande demais para ser de Daisy. Muito desleixada para pertencer a qualquer pessoa que não um homem. Vou em direção a ela, faço menção de tocá-la, mas recuo o braço num tranco. Minha coluna estrala com a súbita mudança de direção.
– Vai embora daqui. – a voz de Daisy é baixa. Um aviso. Ela solta meu ombro e dou um passo para trás.
– É de Darren?
– Não é da porra da sua conta. Agora saia daqui. – seu rosto está torcido de raiva. Ela dá um passo em minha direção e consigo sentir a ameaça.
– É da minha conta, sim. Ele voltou? Ele não deveria estar perto de Charlotte. Não depois do que fez da última vez. – minha respiração vem mais rápido, com uma descarga de adrenalina. – Não posso acreditar que você o deixou voltar.
– Ele não voltou, agora suma daqui e não volte. – ela me empurra e eu tropeço. Me agarro ao batente da porta para me apoiar – Não quero você perto da Charlotte, sua vadia intrometida. Fique longe de nós duas.
Ela está tão irritada que quase consigo sentir. A sala vibra com sua fúria. 
Seguro firme na maçaneta da porta e puxo com tudo. A porta se abre e bate na parede.
– É isso mesmo, dá no pé. E não volta! – Daisy grita atrás de mim. – Se eu ficar sabendo que você esteve perto dela, vou atrás de você.
Um grande estrondo me diz que ela fechou a porta, mas meu coração ainda está disparado quando chego a Joseph. Respirando rápido, corro diretamente para seus braços, precisando do conforto mais do que nunca. Minha mente está cheia de pensamentos sobre Darren e Charlotte, e o que devo fazer para tentar resolver essa confusão toda.
De alguma forma, saber que Joseph está aqui faz tudo parecer melhor. Quando andamos em direção à escada ele desliza a mão em cima da minha e aperta com força, sem nunca me soltar.
Só quando estamos no meio da escada sinto que posso respirar novamente.

e esse casal gente? que lindos, prometo que logo eles estarão juntos.
Demi certíssima de ver se a Charlotte está bem.
e a Demi mandou a Demi ficar longe da Charlotte e agora?
espero que tenham gostado amores.
me digam o que acharam nos comentários, volto logo.
respostas do capítulo anterior aqui.