Two sides
Nós somos intrusos. Sóbrios, molhados e sujos, vamos passando entre as pessoas até chegarmos ao balcão. Nos deparamos com três fileiras de pessoas em volta do bar e demora alguns minutos para conseguirmos alcançá-lo, e ainda mais para finalmente sermos servidos. Alguns momentos depois, envolvo com os dedos uma Coca-Cola muito disputada e a levo aos meus lábios, bebendo longos goles do líquido fresco e açucarado.
– Deus, eu precisava disso.
Acabamos encostados a uma parede na extremidade do salão, espremidos entre uma lareira e uma coluna de concreto. Espaço apenas suficiente para nós dois.
– Você deveria tirar o casaco molhado. – Joseph estende a mão para tocar o colarinho. – Dê a si mesma a chance de se secar.
– Mas estou com frio. – estremeço. Deve ter uma centena de pessoas aqui, aquecendo o ambiente com sua temperatura corpórea, mas ainda estou congelando. Envolvo minha cintura com os braços.
– É por isso que você precisa tirar o seu casaco. Dê ao seu corpo uma chance de se aquecer. Olha, dê isso para mim. – ele estende a mão para pegá-lo, e sacudo os ombros para tirar. Joseph o pendura no canto da lareira. – Agora está melhor.
– Para você, talvez. – tremo novamente. – Juro que estou com frio até nos ossos.
– Quer que eu esquente você?
Ah, sim.
– Estou bem assim.
– Que pena – ele diz bem baixinho, mas ouço do mesmo jeito. Sua voz faz coisas comigo.
Um grito alto percorre todo o ar. Nós dois nos viramos para descobrir de onde veio. Um homem entra pela porta vestindo apenas um jeans cortado nos joelhos, com um véu branco na cabeça. Preso a ele estão uma variedade de preservativos, tanto embalados quanto abertos. Tenho esperanças em Deus que nenhum deles seja usado.
– Despedida de solteiro – digo a Joseph. Não sei por que me incomodo em afirmar o óbvio, não é como se o homem seminu tivesse aparecido no pub com os sogros.
– Estou vendo. – Joseph toma um gole de cerveja. – O pobre rapaz deve estar com mais frio do que você.
– A única diferença é que ele tem uma noite na delegacia pela frente. Eu cumpri a minha.
Joseph sorri.
– Aliás, qual é a do Cameron? O que diabos ele estava planejando fazer com um peso de papel entalhado do Tate Modern?
– Perguntei, mas ele não tinha resposta. Não uma que fizesse sentido. Ele murmurou alguma coisa sobre valer algumas libras. Não foi muito crível.
– Você passa muito tempo com essas crianças, não passa? Visita nos fins de semana, fica com elas em delegacias. Tenho certeza de que nada disso está nas especificações do seu emprego.
– Meu emprego não tem especificações. Faço o que é necessário.
– Por quê? – ele inclina a cabeça para um lado, olhando para mim. Suas sobrancelhas se unem, como se ele estivesse pensando muito sobre algo. A ponta da sua língua aparece para umedecer os lábios. Percebo que estou olhando fixo. Seu lábio inferior é mais cheio do que o superior, alguns milímetros mais grosso. Lembro-me do gosto, de quando eu costumava sugá-lo entre os meus. Às vezes parece ter sido apenas um instante atrás. Naqueles dias éramos embalados pela vida como se ela fosse uma tela em branco só esperando para que a marcássemos.
– Por que o quê?
– Por que você trabalha lá, se envolve tanto com as crianças?
– Não sei. Caí nisso de paraquedas. Eu queria ajudar, fazer algo de bom, especialmente porque eu estava desempregada. Mas logo eles me ofereceram um emprego e criamos o clube depois da escola e me senti como... – minha voz falha. Como eu me senti? Sei que o lugar mudou alguma coisa dentro de mim. – Como se eu tivesse encontrado meu caminho para casa. – dou risada. – Sei que soa idiota e clichê, mas é assim que me senti. Sei que posso ajudar essas crianças. Elas passaram por mãos podres, muito piores do que a maioria de nós. Eu era uma boa menina de Brentwood, cujos pais achavam que o mundo girava ao redor de seus umbigos e eu ferrei com tudo. Que chance que esses meninos têm?
Joseph parece surpreso.
– Isso é incrível pra caramba. Sério. Essas crianças têm muita sorte de ter você.
– Eu tenho sorte de tê-los. – estou quase chocada com o quanto isso é verdade.
Essas crianças deram um significado à minha vida, por mais banal que possa parecer. Elas podem ser muito irritantes e chatas, mas basta um pequeno avanço e parece que meu mundo está girando. Um sorriso suave de Charlotte, um sorriso insolente de Cameron. É o suficiente para fazer meu coração doer. O pensamento de que eu poderia ter de desistir de tudo, virar as costas para eles, me faz querer gritar. Se Simon insistir, não sei se vou perdoá-lo um dia. Ou perdoar a mim mesma.
– Todo mundo tem sorte – murmura Joseph.
– E você? – pergunto, inclinando a cabeça. – Você tem sorte?
– Eu tenho muita sorte. Ferrei com as coisas tantas vezes e ainda assim estou aqui.
Sei como é. Por um momento, quero estender a mão e traçar a linha de suas maçãs do rosto altas, sentir a suavidade de sua pele contra a minha. Quero consolá-lo, não porque ele precisa, mas porque eu preciso.
– O que aconteceu depois que o mandaram embora? – pergunto. Faz algum tempo que tenho vontade de saber. Conheço a minha história muito bem, mas a dele ainda é um mistério. Suas dicas sobre arruinar as coisas só me fazem querer saber mais.
– Da universidade?
– Sim.
Ele toma um longo gole de sua bebida.
– Na verdade, não me lembro das primeiras semanas. Eu estava muito chapado. De acordo com a minha mãe, passei a maior parte desse tempo bêbado, tentando bloquear tudo. Tentando esquecer sobre Digby, sobre o fato de eu não me formar. – ele olha para mim através de cílios muito negros. – Tentando esquecer você.
Fico sem palavras quanto a isso. Estávamos em países diferentes naquele momento, mas ainda havia essa conexão, esse desespero.
– Você me disse que acabou no hospital – acrescentei. Pensei muito sobre isso.
Como perdemos Digby, e depois como Joseph também estava com problemas, e eu nem sabia.
– Eu estava em uma situação péssima. Minha mãe e meu tio conseguiram cortar meu fornecimento, então eu me voltei para o bom e velho uísque. A próxima coisa que eu soube foi que estava acordando no hospital, fazendo lavagem estomacal. – ele se inclina na parede, traçando padrões nas laterais do copo. – Foi aí que acordei. Acabei acompanhando meu tio quando ele voltou para Londres e terminei a faculdade lá. E depois fiquei por um tempo.
– E agora você é rico e famoso – digo.
– Não tão rico quanto você.
– O dinheiro não é meu. É do Simon. Não me casei com ele por isso. – é importante para mim que Joseph entenda que não me casei por dinheiro. Não sei por que desejo que ele pense bem de mim, mas desejo. Se ele olhar para mim como se eu fosse uma garimpeira, acho que eu iria chorar.
– Eu sei. – ele parece envergonhado. Pergunto-me se ele está se lembrando da nossa discussão naquela noite depois do pub. Só sei que eu estou. – Mas nós dois nos demos bem, considerando como poderíamos ter acabado.
A mais estranha das vontades toma conta de mim e leva minha concentração embora. Tudo em que posso pensar é unir meus lábios aos dele. Sentir seu calor, sua maciez. Deixá-los se mover contra os meus. Estou perdendo a cabeça. Só pode ser. Por que diabos eu iria querer fazer isso?
Mesmo que ele não possa saber o que estou pensando, sinto meu rosto pegar fogo.
– Obrigada – eu digo.
– Pelo quê?
– Por estar aqui. – Por falar comigo, por me fazer lembrar de como era beijá-lo.
– É claro que estou aqui. Nós somos amigos, não somos? – é minha imaginação ou ele acabou de enfatizar a parte “amigos”? Meu rosto fica mais quente ainda quando percebo que ele poderia pensar que tenho uma queda por ele.
Mas não tenho. Realmente não tenho.
***
A escuridão é um julgamento. A punição. É como se eu não merecesse a luz. Acendo-a mesmo assim, deixando cair minhas chaves sobre o aparador, mal parando para me olhar no espelho grande de madeira, entalhado, suspenso logo acima. Mas, com um único olhar, vejo que minhas bochechas estão em chamas, meus olhos estão avermelhados. Entro na cozinha, faço uma xícara de chá apenas para evitar subir as escadas e ir para cama.
Estou adiando o inevitável. Eu deveria ir agora mesmo e pedir desculpas, fazer as pazes. Mas, em vez disso, encosto na ilha da cozinha e mexo meu chá sem prestar atenção, enquanto tento encontrar um sentido para as coisas na minha mente.
Quando tomo um gole, queima meu lábio inferior, e lembro-me de como imaginei beijar Joseph. Estou morrendo de vergonha. Não é como se eu pudesse repelir o impulso e chamá-lo de amigável. Não beijo meus amigos nos lábios.
Droga, nem sequer beijo meus pais desse jeito nas raras ocasiões em que vou visitá-los. Há apenas uma pessoa que beijo na boca e calhou de eu estar casada com ela.
Enxáguo a caneca na pia e a coloco com cuidado no escorredor, girando a alça para que não pegue em nada. Em seguida, saio da cozinha, apago as luzes e ligo o alarme da casa no modo noturno.
Está escuro em nosso quarto. Nenhum abajur ou luz na suíte. Mensagem muito
clara, Simon.
– Oi – sussurro baixinho na escuridão. Não há resposta, nem mesmo o som de sua respiração regular, pesada. Não acho que ele esteja dormindo, mas é difícil dizer. Na penumbra do quarto, mal posso ver seu contorno debaixo das cobertas. Silenciosamente, tiro minhas roupas e as coloco na poltrona ao lado do guarda- roupa e então pego um pijama de algodão. Escovo os dentes com força suficiente para arrancar a doçura açucarada da Coca-Cola do esmalte, o suficiente para algumas manchas de sangue aparecerem na porcelana branca da pia quando cuspo.
Simon não se moveu. Levanto o cobertor no meu lado da cama, e tento entrar furtivamente debaixo. Não tenho certeza se eu deveria estar aliviada ou aborrecida por ele não estar falando comigo. Acho que não posso dormir sob esse véu de melancolia.
Assim que deito de costas e deixo minha cabeça afundar no travesseiro, Simon acende a luz.
– Você voltou, hein?
Viro-me de lado. Sentado na cama, ele procura os óculos. Demora um longo tempo para abri-los e os colocar na ponte do nariz.
– Sinto muito. – é a primeira coisa que vem à mente. A única coisa.
Simon me olha. Sem emoção.
– Por que você não retornou minhas ligações?
– Eu não estava com meu celular na delegacia. Estava desligado na minha bolsa.
– E depois?
– Era tarde demais. – engulo em seco. – Eu não queria estragar sua noite.
– Sabe qual é a pior parte? Eu ficar dizendo a eles: “Ela vai estar aqui a qualquer minuto, isso não é típico dela” e eles continuarem assentindo e sorrindo com indulgência para mim. Como se eu fosse um velho levado para um passeio. Eu conseguia ler o desdém nos olhos deles e não gostei de como eles estavam pensando em você. Como se estivesse me colocando chifres.
Mordo o lábio, tentando não deixar escapar que eu estava no pub com Joseph. Quero confessar, quero ser absolvida. Mas não mereço isso.
– Sinto muito que você tenha de ter passado por isso. Prometo que não vou deixar acontecer de novo. Vou mandar uma nota pedindo desculpas, talvez algumas flores ou algo assim? – sentada, dobro as pernas debaixo de mim, estendendo a mão para tocar a bochecha dele. Quero limpar a mágoa de seus olhos.
– Não podemos continuar assim. – ele faz uma pausa e empurra os óculos para cima. – Não posso continuar assim. A preocupação, a tensão. Parece que estou constantemente me perguntando onde você está, se você está bem. Desde que você achou aquela moça no apartamento... – sua voz fica mais baixa. – E agora isso. Ter de ligar para suas amigas até descobrir que você estava na delegacia com algum arruaceiro adolescente. Isso simplesmente não está certo.
Não sei o que dizer. Abro a boca algumas vezes, mas não sai nada. Ele está me tratando como se eu fosse sua filha.
– Você sabe o que eu estava esperando? Ouvir que você estava deitada numa vala em algum lugar, ou sendo levada para o hospital em uma ambulância. – seu rosto se contorce antes que ele faça a confissão final. – Acho que eu teria preferido isso.
Uma lágrima rola pela minha bochecha direita. Eu a enxugo com raiva, não querendo ser acusada de usar minhas lágrimas para amaciá-lo novamente.
– Me desculpe. – não sei quantas vezes mais posso dizer isso.
– Não sei se é suficiente, não mais. Eu odeio isso, me preocupar com você, não poder dormir até você chegar em casa porque tenho medo que você possa estar ferida.
– Estou bem, Simon. Garanto que posso cuidar de mim mesma. – tento afagar o braço dele, mas ele se afasta.
– Como você sabe que um deles não vai puxar uma faca para você um dia? Que algum namorado louco não vai entrar na clínica com rancor e um revólver? Não é lugar para você, Demi. Não é o lugar para a minha esposa.
– Mas eu amo a clínica.
– Mais do que você me ama?
Hesitei por um segundo longo demais.
– Não, claro que não. – não é a mesma coisa. Ele está me pedindo para comparar maçãs e peras. – Mas eles precisam de mim. As crianças precisam de mim.
– Eu preciso de você, Demi. Eu preciso de você. E tenho de saber que você está segura quando está fora da minha vista. – ele tira os óculos e esfrega os olhos com punhos cerrados. – Isso tem de acabar.
– O que tem de acabar?
– A clínica. Não quero que você trabalhe mais lá.
Um lampejo de raiva lambe minha barriga.
– Não é justo. A clínica é tudo para mim.
Colocando os óculos de volta no rosto, ele endireita as costas, balançando as pernas para o chão de madeira clara.
– Eu pensei que eu fosse isso. – Simon se levanta, deixando as cobertas caírem de volta na cama. – Esta noite vou dormir no quarto de hóspedes.
não aconteceu nada de mais no pub, só uma conversa entre os dois.
prometo que logo terá o tão esperando beijo entre os dois, está perto.
e o que eu posso dizer é que será o BEIJO hahahaha.
o casamento da Demi só vai de mal a pior mais um desentendimento com o Simon.
me digam o que acham nos comentários, ok?
espero que gostem do capítulo, volto em breve.
o casamento da Demi só vai de mal a pior mais um desentendimento com o Simon.
me digam o que acham nos comentários, ok?
espero que gostem do capítulo, volto em breve.
respostas do capítulo anterior aqui.
Ameiiiiii!!!! Continua ❤❤❤
ResponderExcluirFico feliz que esteja gostando amor.
ExcluirVou postar novo capítulo hoje.
Beijos, Jessie.