25/03/2018

3. memories


Minha mãe e eu não tínhamos TV a cabo em nosso apartamento, por mim, tudo bem. Eu não me importava muito. Nós tínhamos TV a cabo quando eu era criança, mas não valia muito a pena por causa do meu pai. Era ele quem pagava a conta e sempre se queixava quando eu assistia a desenhos animados. Era como se o odiasse o fato de eu ter alguns instantes de alegria. Então, um dia, ele entrou em casa, levou a televisão embora e cancelou o serviço.

Foi o dia em que ele se mudou do apartamento.
Foi também um dos melhores dias da minha vida.
Depois de um tempo, encontrei uma televisão em uma caçamba de lixo. Era uma TV pequena, de dezenove polegadas com leitor de DVD, o que permitia que eu pegasse vários documentários na locadora. Eu era a pessoa que sabia muito sobre qualquer assunto: beisebol, pássaros tropicais, Área 51, tudo por causa dos documentários. Ao mesmo tempo, eu não sabia absolutamente nada.
De vez em quando, minha mãe me fazia companhia, mas, na maioria das vezes, eu assistia
aos documentários sozinho.
Minha mãe me amava, mas não gostava muito de mim.
Bem, isso não era verdade.
Quando estava sóbria, minha mãe me amava como se eu fosse seu melhor amigo.
Quando estava drogada, ela era um monstro, e essa era a única versão que morava em
nossa casa ultimamente.
Eu sentia saudades de minha mãe sóbria. Às vezes, quando fechava os olhos, eu me lembrava de sua risada, de seus lábios se curvando quando ela estava feliz.
Pare, Joseph.
Eu odiava essas lembranças. Eram como punhaladas na alma, e eu quase não tinha boas
recordações em que me agarrar.
Não fazia muita diferença, pois eu sempre estava chapado o suficiente para esquecer a vida de merda que eu levava. Quando eu me trancava em meu quarto com um monte de
documentários e um bagulho bom, quase conseguia esquecer que minha mãe estava há
algumas semanas em uma esquina qualquer, tentando vender o corpo por duas carreiras de
cocaína.
Essa foi uma ligação que nunca quis receber do meu amigo Jacob.
Cara, acabei de ver sua mãe na esquina da Jefferson com a Wells Street. Acho que ela é uma... —Jacob parou. — Acho que você deveria vir até aqui.
Terça de manhã, eu estava sentado na cama, olhando para o teto enquanto um documentário sobre artefatos chineses passava na TV como se fosse uma música de fundo.
Ela gritou meu nome.
— Joseph! Joseph! Joseph, venha aqui!
Continuei imóvel, esperando que ela parasse de me chamar, mas isso não aconteceu.
Levantei-me do colchão e saí do quarto. Encontrei minha mãe sentada à mesa de jantar.
Nosso apartamento era pequeno; não tínhamos muita coisa para colocar dentro dele. Um sofá quebrado, uma mesa de centro manchada e uma mesa de jantar com três cadeiras, uma diferente da outra.
— O que foi? — perguntei.
— Preciso que você limpe as janelas pelo lado de fora, Joseph — disse ela, servindo-se de
uma tigela de leite trincada com cinco sucrilhos dentro.
Minha mãe dizia que estava fazendo uma nova dieta. Ela devia pesar pouco mais de
cinquenta quilos e tinha um metro e setenta e cinco de altura. Eu a achava quase esquelética.
Ela parecia exausta. Será que dormiu na noite passada?
Seu cabelo estava um caos naquela manhã, porém não mais do que sua vida. Minha mãe sempre foi desleixada com a própria aparência, e eu não conseguia me lembrar de um
momento em que não fosse assim. Ela sempre pintava as unhas no domingo de manhã e
descascava o esmalte no domingo à noite, deixando pequenas manchas coloridas até o
próximo domingo de manhã, quando repetia a tarefa. Suas roupas estavam sempre sujas,
mas, antes de passá-las, às quatro da manhã, minha mãe espirrava nelas um desses sprays
amaciantes. Ela achava que aquilo era um substituto decente para a lavanderia local.
Eu discordava de sua técnica e, sempre que possível, pegava as roupas dela escondido para
lavá-las. A maioria das pessoas provavelmente deixava para lá quando passava por alguma
moeda no chão, mas, para mim, elas eram sinônimo de calças limpas durante a semana.
— Deve chover o dia todo. Vou limpá-las amanhã — respondi.
Só que não. Ela se esqueceria disso logo. E limpar as janelas do nosso apartamento no terceiro andar sem varanda parecia algo ridículo. Especialmente durante uma tempestade. Abri a porta da geladeira para olhar as prateleiras vazias. Fazia dias que não havia nada ali.
Continuei segurando a porta. Eu a abria e fechava, como se a comida fosse aparecer num passe de mágica para encher meu estômago, que roncava. Logo a porta da frente se abriu e, num passe de mágica, meu irmão Nicholas surgiu, carregando sacolas de supermercado e sacudindo a água da chuva de sua jaqueta.
— Está com fome? — perguntou ele, cutucando meu braço.
Talvez minha mãe só estivesse comendo sucrilhos porque era tudo o que tínhamos. Nicholas era a única pessoa em quem eu confiava além de Demi. Nós parecíamos gêmeos, mas ele era mais forte, mais bonito e mais estável. Meu irmão tinha o cabelo bem curtinho, usava roupas de grife e não tinha olheiras. Os únicos hematomas que apareciam em sua pele eram provocados pelos jogos de futebol na faculdade, coisa que não acontecia com frequência.
Nicholas foi agraciado com uma vida melhor simplesmente porque tinha um pai melhor. Ele era cirurgião. O meu estava mais para um farmacêutico das ruas, que oferecia drogas para os adolescentes do bairro e para a minha mãe.
DNA: às vezes você ganha, às vezes você perde.
— Nossa — disse ele, olhando para a geladeira. — Vocês vão precisar de mais coisas.
— Como você sabia que precisávamos de comida? — perguntei enquanto o ajudava a tirar as compras das sacolas.
— Eu liguei para ele — respondeu minha mãe, comendo um dos seus sucrilhos e bebendo o leite. — Você não consegue nem comprar comida para nós.
Minhas mãos se fecharam e bati com os punhos na lateral do corpo. Minhas narinas se expandiram, mas tentei conter a raiva. Eu odiava o fato de Nicholas ter que intervir e nos
ajudar tantas vezes. Ele merecia estar longe, muito longe da nossa realidade.
— Vou comprar mais algumas coisas e trago tudo quando sair da aula à noite.
— Você mora a uma hora daqui. Não tem que voltar para cá.
Ele me ignorou.
— Algum pedido especial? — perguntou.
— Comida seria bom — resmunguei, e meu estômago voltou a roncar.
Nicholas abriu a mochila e pegou dois sacos de papel marrom.
— Comida.
— Você cozinhou para nós?
— Bem, não exatamente. — ele pegou os sacos e os colocou na bancada. Eram ingredientes aleatórios, que ainda não haviam sido preparados. — Eu lembro que, quando você passou um tempo comigo, nós assistimos a muitos programas de culinária em que os participantes recebiam alguns suprimentos e tinham que preparar uma refeição. Demi me disse que você queria se tornar chef.
— Demi fala demais.
— Ela é louca por você.
Não discuti.
— Bem — ele sorriu, jogando uma batata na minha direção. — Tenho algum tempo livre antes de ir trabalhar. Faça sua mágica, chef!
E eu fiz. Comemos um panini grelhado com três tipos de queijo, presunto e molho de alho. Além disso, fiz batatas fritas caseiras com ketchup picante sabor bacon.
— Como está? — perguntei, os olhos fixos em Nicholas. — Gostou?
Coloquei metade do meu sanduíche diante de minha mãe. Ela balançou a cabeça.
— Dieta — murmurou, comendo seu último sucrilho.
— Caramba, Joseph. — Nicholas suspirou, ignorando a resposta dela. Eu gostaria de poder fazer o mesmo. — Isso é incrível!
Sorri, com uma centelha de orgulho.
— Sério?
— Quando mordi o sanduíche, quase morri de tão bom que está. Isso seria a única coisa que me faria acreditar no Paraíso.
Meu sorriso ficou ainda maior.
— Sério? Eu meio que me superei.
— Incrível.
Dei de ombros, com aquele olhar de satisfação no rosto.
— Sou meio incrível mesmo.
Eu nunca teria como agradecer a Nicholas. Aquela foi uma das coisas mais divertidas que fiz em muito tempo. Talvez um dia eu pudesse ir para a faculdade... talvez Demi estivesse
certa.
— Tenho que ir. Tem certeza de que não quer dar uma volta? — perguntou Nicholas.
Com certeza eu queria sair do apartamento. Mas não sabia se meu pai estava por perto, e eu não queria que ele se encontrasse com minha mãe. Sempre que os dois ficavam a sós, a
pele dela ganhava alguns tons de roxo.
Era preciso ser um demônio para bater em uma mulher.
— Não. Estou bem. Vou trabalhar no posto de gasolina mais tarde.
— Mas o posto não fica a uma hora a pé daqui?
— Não. Quarenta e cinco minutos. Mas tudo bem.
— Você quer que eu deixe dinheiro para a passagem de ônibus?
— Eu vou andando.
Nicholas pegou a carteira e colocou o dinheiro na mesa.
— Ouça... — ele se inclinou na minha direção e sussurrou: — Se quiser ficar na casa do meu pai, que é mais perto do seu trabalho...
— Seu pai me odeia — interrompi.
— Não odeia, não.
Olhei para ele como quem diz “tá de sacanagem, né?”.
— Tudo bem. Ele não morre de amores por você, mas vamos ser justos: você roubou trezentos dólares da carteira dele.
— Eu tinha que pagar o aluguel.
— Sim, mas, Joseph, seu primeiro pensamento não deveria ter sido roubá-lo.
— Então qual deveria ter sido? — perguntei, chateado, principalmente porque eu sabia que ele estava certo.
— Não sei. Talvez pedir ajuda?
— Não preciso da ajuda de ninguém. Nunca precisei e nunca vou precisar.
Meu orgulho sempre foi cruel. Eu entendia o motivo de algumas pessoas dizerem que era um pecado mortal.
Nicholas franziu o cenho; ele sabia que eu precisava fugir dali. Ficar naquele apartamento por muito tempo deixava qualquer um maluco.
— Tudo bem então. — ele se virou para nossa mãe e a beijou na testa. — Amo você.
Ela meio que sorriu.
— Tchau, Nicholas.
Ele veio para trás de mim, pousou as mãos em meus ombros e falou suavemente: — Ela está ainda mais magra do que na última vez que a vi.
— Está mesmo.
— Isso me assusta.
— Sim, a mim também. — a preocupação de Nicholas era evidente. — Mas fique tranquilo. Vou fazer com que ela coma alguma coisa.
A preocupação dele não desapareceu.
— Você parece mais magro também.
— É por causa do meu metabolismo acelerado — brinquei. Ele não riu. Dei um tapinha em suas costas. — Sério, Nicholas, estou bem. E vou tentar fazê-la comer. Prometo tentar, ok?
Ele soltou um suspiro.
— Bom, vejo você mais tarde. Se não tiver voltado do trabalho quando eu passar por aqui hoje à noite, nos vemos na semana que vem.
Nicholas acenou e, antes que ele fosse embora, eu o chamei.
— O que foi? — disse ele.
Ergui o ombro esquerdo. Ele fez o mesmo com o direito. Era assim que dizíamos “eu te amo” um para o outro. Meu irmão era muito importante para mim. Era a pessoa que um dia eu sonhava em me tornar. Ainda assim, nós éramos homens. E homens não diziam “eu te amo”. Na verdade, eu não dizia essas palavras a ninguém.
Pigarreei.
— Obrigado. Por... — ergui o ombro esquerdo novamente. — Tudo.
Ele sorriu e ergueu o ombro direito.
— Sempre.
Ele foi embora.
Meu olhar recaiu sobre minha mãe, que conversava com sua tigela de leite.
— Nicholas é o filho perfeito — murmurou ela antes de se voltar para mim. — Ele é muito melhor do que você.
Onde estava a versão sóbria da minha mãe?
— Sim — concordei, levantando-me e levando a comida para o meu quarto. — Eu sei, mãe.
— É verdade. Ele é bonito, inteligente e cuida de mim. Você não faz merda nenhuma.
— Você está certa. Eu não faço merda nenhuma por você — murmurei, indo embora. Não queria lidar com sua mente perturbada naquela manhã.
No meio do caminho para o quarto, me assustei quando a tigela passou raspando pela
minha orelha esquerda e se espatifou na parede. Leite e vidro quebrado espirraram em mim.
Voltei-me na direção de minha mãe, que tinha um sorriso malicioso nos lábios.
— Preciso que você limpe as janelas hoje, Joseph. Agora mesmo. Tenho um encontro esta noite. Ele vem me buscar, e este lugar está nojento — gritou ela. — Dê um jeito nesse caos.
Meu sangue começou a ferver, porque era ela quem estava um caos. Como alguém pode ficar tão perdido na vida? Havia alguma chance de ela voltar ao normal? Sinto tanto sua falta, mãe...
— Não vou limpar isso.
— Você vai, sim.
— Com quem você vai sair, mãe?
Ela se sentou ereta, como se fosse da realeza.
— Não é da sua conta.
— Sério? Porque eu tenho certeza de que a última pessoa com quem você saiu foi algum babaca que conheceu numa esquina qualquer. E antes dele você saiu com o meu pai e voltou com duas costelas quebradas.
— Não se atreva a falar do seu pai desse jeito. Ele é bom para nós. Quem você acha que paga a maior parte do nosso aluguel? Definitivamente não é você.
— Eu pago metade, o que já é muito, e ele não passa de um merda.
Minha mãe bateu as mãos na mesa, irritada. Seu corpo estava trêmulo, e ela ficava cada vez mais inquieta.
— Ele é mais homem do que você jamais poderá ser!
— É? — Fui até ela e vasculhei seus bolsos, sabendo exatamente o que encontraria. — Ele é mais homem? E por quê?
Finalmente achei o saquinho de cocaína em seu bolso de trás. Eu o balancei diante do rosto
dela e vi o pânico em sua expressão.
— Pare com isso! — gritou minha mãe, tentando tomá-lo de mim.
— Não, eu entendo. Ele te dá isso, e isso o torna um homem melhor do que eu jamais poderei ser. Ele bate em você, porque é um homem melhor. Ele cospe na sua cara e te chama de merda, porque é um homem melhor do que eu. Não é?
Ela começou a ficar muito nervosa. Não pelas minhas palavras, pois eu tinha certeza de que ela raramente me ouvia, mas tremia de medo porque seu amigo, o pó branco, estava em perigo.
— Me dê isso, Joseph! Pare!
Seus olhos estavam vazios, e eu tinha a impressão de que lutava com um fantasma. Com um suspiro, atirei o saquinho na mesa de jantar. Vi quando ela limpou o nariz antes de abri-lo, pegou a navalha e formou duas carreiras finas.
— Você não tem jeito. Chegou ao fundo do poço e nunca vai ficar bem — desabafei enquanto ela cheirava o pó.
— Olha quem está falando, o cara que provavelmente vai para o quarto fechar a porta e cheirar o presente que ganhou do papai. Ele é o grande Lobo Mau, mas o Chapeuzinho
Vermelho gosta quando ele aparece, porque consegue uma dose extra. Você acha que é melhor do que eu ou ele?
— Acho — falei. Eu usava drogas, mas não muito. Eu tinha o controle. Não era um viciado.
Eu era melhor do que meus pais.
Tinha que ser.
— Não é, não. Sua alma tem o pior de nós dois. Nicholas é bom, vai ter uma vida boa. Mas você? — ela fez mais duas carreiras de cocaína. — Eu ficaria surpresa se você não estivesse morto aos vinte e cinco anos.
Meu coração.
Parou de bater.
Quando as palavras saíram da boca de minha mãe, fiquei chocado. Ela sequer hesitou ao dizer aquilo, e senti uma parte de mim morrer. Eu queria contrariar todas as expectativas dela. Queria ser forte, estável, digno de viver.
Mas, ainda assim, eu era como um hamster na roda.
Dava voltas e voltas, sem chegar a lugar algum.
Entrei no quarto, bati a porta e me perdi no universo habitado por meus próprios demônios. Fiquei imaginando como seria minha vida se eu nunca tivesse dito oi para meu pai tantos anos atrás. O que teria acontecido se nunca tivéssemos nos cruzado.

***

Logan, sete anos

Conheci meu pai na varanda de um estranho. Minha mãe me levou a uma casa naquela noite e me disse que esperasse do lado de fora. Falou que seria apenas uma passada rápida e que logo iríamos para casa, mas parecia que ela e os amigos estavam se divertindo mais do que imaginaram.

O lugar estava em ruínas, e meu moletom vermelho não era a melhor opção para o frio do inverno, mas eu não me queixava. Minha mãe odiava quando eu reclamava, ela dizia que eu parecia um fraco.
Havia um banco de metal quebrado na varanda, e me sentei nele, dobrando as pernas e encostando os joelhos no queixo. O tempo passava. A tinta cinza do corrimão da escada estava descascando, e suas ripas de madeira, rachadas, acumulavam neve que já havia derretido e congelado novamente.
Vamos, mãe.
Estava muito frio naquele dia. Eu podia ver o vapor da minha respiração, então, para passar o tempo, ficava soprando ar quente nas mãos.
Pessoas entraram e saíram da casa o dia todo e sequer me notaram sentado no banco. Enfiei a mão no bolso de trás, peguei um pequeno bloco de papel e a caneta que eu sempre levava comigo e comecei a fazer alguns rabiscos. Sempre que minha mãe não estava por perto, eu desenhava.
Fiz muitos desenhos, até que comecei a bocejar. Por fim, adormeci, puxei o moletom vermelho por cima das pernas e me deitei no banco. Quando estava dormindo, não sentia tanto frio, o que era bom.
— Ei! — chamou uma voz áspera, me acordando. No instante em que abri os olhos, me lembrei do frio. Meu corpo começou a tremer, mas não me sentei. — Ei, garoto! O que você está fazendo aqui, porra? Levante.
Sentei e esfreguei os olhos, bocejando.
— Minha mãe está lá dentro. Só estou esperando ela.
Meus olhos focaram no cara que estava falando comigo e se arregalaram. Ele era mal-encarado e tinha uma grande cicatriz no lado esquerdo do rosto. Seu cabelo era desgrenhado, grisalho, e os olhos se pareciam um pouco com os meus. Castanhos e entediados.
— É? Há quanto tempo você está aí? — sussurrou ele, com um cigarro entre os lábios.
Olhei para o céu, já era noite. Estava claro quando eu e minha mãe chegamos. Não respondi. Ele resmungou e se sentou ao meu lado. Cheguei mais perto da extremidade do banco, afastando-me o máximo possível dele.
— Desembucha, garoto. Ninguém vai machucar você. Sua mãe é viciada? — perguntou ele. Eu não sabia o que isso significava, então dei de ombros. Ele riu. — Se ela está nessa casa, é viciada. Qual é o nome dela?
— Julie — sussurrei.
— Julie de quê?
— Julie Jonas.
Seus lábios se entreabriram, e ele inclinou a cabeça, olhando em minha direção.
— Julie Jonas e é sua mãe?
Assenti.
— E ela deixou você aqui fora?
Assenti novamente.
— Aquela cadela... — murmurou o homem, levantando-se do banco com as mãos fechadas. Ele fez menção de entrar na casa, mas se deteve ao abrir a porta de tela. Pegou o cigarro que estava em seus lábios e o estendeu para mim. — Você fuma maconha?
Não era um cigarro comum. Eu deveria ter percebido pelo cheiro.
— Não.
— Você disse Julie Jonas, certo? — assenti pela terceira vez. Ele colocou o cigarro em minhas mãos. — Então você fuma maconha. Isso vai mantê-lo aquecido. Já volto com a vadia da sua mãe.
— Ela não é uma... — a porta bateu antes que ele pudesse me ouvir completar a frase — ... vadia.
Segurei o baseado entre os dedos e estremeci de frio.
Isso vai mantê-lo aquecido.
Eu estava congelando ali.
Dei uma tragada e quase engasguei de tanto tossir.
Tossi por bastante tempo e pisei no baseado. Não entendia por que alguém fazia aquilo, por que alguém sentia vontade de fumar. Naquele momento, jurei nunca mais fumar de novo.
Quando o homem saiu da casa, arrastava minha mãe com ele. Ela estava suada e mal parecia consciente.
— Pare de me puxar, Ricky! — gritou ela.
— Cala a boca, Julie. Você deixou seu maldito filho aqui o dia todo, sua drogada.
Meus punhos se fecharam, e eu estufei o peito. Como ele ousava falar daquele jeito com a minha mãe? Ele não a conhecia. Ela era minha melhor amiga, a única amizade que eu tinha além do meu irmão Nicholas. E aquele cara não tinha o direito de falar com ela daquele jeito. Nicholas ficaria furioso se o ouvisse dizer aquelas coisas. Ainda bem que ele não estava ali e tinha ido viajar com o pai para pescar no gelo.
Eu não sabia que as pessoas podiam pescar quando havia gelo, mas Nicholas tinham me explicado como faziam isso na semana passada. Minha mãe disse que pesca no gelo era para esquisitões e perdedores.
— Eu disse a você, Ricky! Não estou mais usando nada. E-eu juro — gaguejou ela. — Só parei aqui para ver Becky.
— Mentira — retrucou ele, puxando-a. — Vamos lá, garoto.
— Aonde estamos indo, mãe? — perguntei, indo atrás dela, perguntando-me o que aconteceria em seguida.
— Vou levar vocês para casa — respondeu o homem. Ele colocou minha mãe no banco do carona; ela se recostou e fechou os olhos. Em seguida, o homem abriu a porta de trás para mim e fechou-a assim que entrei. — Onde vocês moram? — perguntou ao se sentar no banco do motorista. Logo o carro se afastava do meio-fio.
O carro era bacana, mais do que qualquer outro que eu já tinha visto. Minha mãe e eu pegávamos ônibus para ir a qualquer lugar, por isso me senti como um rei naquele banco de trás.
Minha mãe começou a tossir desesperadamente.
— É por isso que eu tinha que encontrar Becky. Meu senhorio está sendo um idiota e disse que eu não paguei os últimos dois meses! Mas eu paguei, Ricky! Pago aquele idiota, e ele está agindo como se eu não pagasse. Então vim para ver se Becky me arranjava um dinheiro.
— Desde quando Becky tem dinheiro? — perguntou ele.
— Desde nunca. Ela não tinha dinheiro, acho. Mas eu precisava vir, porque o proprietário disse que eu não poderia voltar se não tivesse o dinheiro. Então não sei para onde devemos ir. Você deveria me deixar falar com Becky agora mesmo — murmurou ela, abrindo a porta do carro enquanto o veículo estava em movimento.
— Mãe!
— Julie!
Ricky e eu gritamos ao mesmo tempo. Do banco de trás, estendi a mão e consegui segurar a camisa dela. Ricky, por sua vez, puxou-a pela manga e fechou a porta do carro.
— Você está maluca? — gritou. — Que droga! Vou pagar a dívida amanhã, mas esta noite você vai ficar na minha casa.
— Você faria isso, Ricky? Meu Deus, nós ficaríamos muito gratos. Não é, Joe? Eu vou te pagar, vou devolver cada centavo.
Meneei a cabeça, finalmente sentindo o calor dentro do carro.
Calor.
— Vou dar comida ao garoto também. Duvido que você o alimente.
Ele enfiou a mão no bolso e pegou um maço de cigarros e um isqueiro em forma de dançarina de hula-hula. Quando ele acendeu o isqueiro, a dançarina moveu os quadris. Fiquei hipnotizado com aquilo, não conseguia desviar os olhos dela. Mesmo depois de dar a primeira tragada no cigarro, o homem o acendia e apagava sem parar.
Quando chegamos ao apartamento de Ricky, fiquei deslumbrado com a quantidade de coisas que ele tinha. Dois sofás e uma poltrona enorme, pinturas, uma televisão imensa, TV a cabo e a geladeira cheia, com comida suficiente para alimentar o mundo. Depois que eu comi, ele me acomodou em um dos sofás, e eu comecei a ficar sonolento, mas ainda ouvia os sussurros da minha mãe no corredor.
— Ele tem os seus olhos.
— Sim, eu sei. — oo tom de voz dele parecia perverso, mas eu não sabia por quê. Escutei seus passos se aproximarem de mim e abri os olhos. Ele se agachou ao meu lado, as mãos entrelaçadas, e estreitou o olhar. — Você é meu filho, não é?
Não respondi.
O que eu deveria dizer?
Um sorriso malicioso surgiu no canto de sua boca. Ele acendeu um cigarro e soprou a fumaça na minha cara.
— Não se preocupe, Joseph. Vou cuidar de você e de sua mãe. Prometo.

***

Às quatro da manhã, quando o efeito da droga começou a passar, deitei na cama e fiquei
olhando para o teto.
— Está acordada?
Encarei o telefone, esperando que os pontinhos aparecessem, mas isso não aconteceu.
Quando o aparelho tocou, respirei fundo.
— Eu acordei você — sussurrei.
— Mais ou menos — respondeu Demi. — O que aconteceu?
— Nada — menti. — Estou bem.
Você vai morrer antes dos vinte e cinco anos.
— Foi sua mãe ou seu pai?
Ela sempre sabia de tudo.
— Minha mãe.
— Ela estava chapada ou sóbria?
— Chapada.
— Você acredita no que quer que ela tenha dito ou não?
Hesitei e comecei a acender e apagar meu isqueiro.
— Ah, Joseph.
— Desculpe por acordar você. Vou desligar. Volte a dormir.
— Não estou cansada. — ela bocejou. — Fique comigo no telefone até dormir, ok?
— Ok.
— Você está bem, Joseph Adam Jonas.
— Estou bem, Demetria Devonne Lovato.
Mesmo sendo uma mentira, a voz de Demi sempre me fazia acreditar naquilo.

neste capítulo é mais para mostrar um pouco do passado do Joseph.
o pai do Joseph é um nojento e que abandonou ele e a mãe.
Demi sempre ajudando o Joseph, que amor <3
eu espero muito que vocês tenham gostado amores.
me digam o que acharam e comentem aqui embaixo.
volto logo e respostas do capítulo anterior aqui.

5 comentários:

  1. Jéssieeee!!
    Eu ameeeeeeeei!!!
    (aqui pelo computador eu posso comentar direito)
    Joe é tããããããão fofinho... <3
    É tão fofo que eu queria que ele existisse de verdade... :(
    A mãe dele é muito loca, slc
    O pai não presta, né?
    E o momento Jemi do final??
    E Nick dizendo que Demi é louca por Joe??? *------*
    Enfim, minha linda, ficou maravilhoso!!!
    E eu voltei pro meu blog, mas com outra fanfic... tô adorando... cê sabe que é sempre bem vinda pra dar uma passadinha lá, né?
    beijo, meu bem! Continua... <3333

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    1. Fico tão feliz que você tenha gostado amor, queria que ele existe-se de verdade hahahaha.
      O pai dela é um mala sem alça mesmo e o do Joseph também.
      Ainda terá muita treta e logo logo está chegando.
      Fico feliz pelo o seu blog amor, quando eu tiver um tempinho irei dar uma olhada lá sim <3
      Beijos, Jessie.

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  2. Estou com dor no coração por causa do Joe!!! Tadinho!!! Tomara que ele e a Demi se acertem logo pra ela poder dar todo o amor que ele merece!!! Pq ele esta tão relutante em estudar, ele tem que aproveitar os dotes culinários e dar a volta por cima!!! Continua...

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    1. Sim, Joseph sofre muito e ainda irá sofrer mais um pouquinho.
      Ele vai conseguir mas ainda tem muita coisa para acontecer.
      Sobre a maratona, não sei se irei postar agora, estou um pouco sem tempo por conta do trabalho mas caso eu consiga irei postar sim.
      Vou postar mais hoje amor.
      Beijos, Jessie.

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