A caminho de Wyoming
18:30 P.M
Denver finalmente passa voando e estamos nos aproximando do destino final de Joseph, em Wyoming. Não posso mentir e dizer que isso não me incomoda. Joseph estava certo quando disse que é perigoso, para mim, viajar sozinha. Só estou tentando entender por que isso não me afetava muito antes que eu o conhecesse. Talvez eu simplesmente me sinta mais segura com ele me fazendo companhia porque ele parece capaz de quebrar algumas caras sem nem suar. Caramba, talvez eu não devesse nem ter começado a falar com ele; com certeza não deveria ter deixado que se sentasse ao meu lado, porque agora estou meio que acostumada com ele. Quando chegarmos em Wyoming e nos separarmos, voltarei a olhar o mundo correr pela janela, sem saber para onde vou em seguida.
As covinhas de Joseph aparecem.
— Por que quer saber?
Reviro os olhos.
— Não fica se achando, não é só uma pergunta. Se não quiser falar...
— Não - ele responde. — Sou solteiro e feliz.
Ele fica olhando para mim, sorrindo, aguardando, e levo um segundo para entender o que está esperando.
Aponto para mim mesma nervosamente, arrependida de ter entrado num assunto tão pessoal.
— Eu? Não, não tenho mais - me sentindo mais confiante, acrescento: — Também sou solteira e feliz e quero continuar assim. Tipo... pra sempre - eu devia ter parado em “solteira e feliz”, em vez de matraquear até minha autoconfiança acabar e parecer obviamente forçando a barra.
Claro que Joseph nota na hora. Tenho a sensação de que ele é o tipo de cara que nunca deixa passar batido o momento em que alguém tropeça na própria língua. Ele vive para momentos assim.
— Vou manter isso em mente - ele comenta, sorrindo.
Por sorte, ele não investiga mais. Joseph apoia a cabeça no encosto de novo, e por um momento tamborila distraidamente com o polegar e o mindinho em seu jeans. Discretamente, olho seus braços musculosos e bronzeados e fico olhando sua tatuagem no antebraço. A de atrás do braço direito tem um coração com uma flecha.
— Curiosa? - ele pergunta, e eu estremeço. Pensava que ele não tinha me visto olhando as tatuagens.
— Pode ser.
Sim, estou muito curiosa, na verdade.
— São demais suas tatuagens.
— Obrigado. Eu fiz essa há mais ou menos um ano - ele conta, amostrando a de trás do braço direito. — E esta - diz, amostrando a do antebraço. — Significa “Duas cordas (dois pais) que se transformam em quatro extremidades (quatro irmãos). Eu fiz para representar o meu amor pela família, mas eu não tenho mais meus pais juntos e o meu pai, não sei se terei ele mais por perto - ele olha para a frente.
Aí está, aquele pequeno rastro de dor que ele manteve escondido antes, quando falou do pai. Está sofrendo muito mais do que revela, e isso meio que parte meu coração. Não consigo imaginar minha mãe ou meu pai no leito de morte, e eu sentada num ônibus Greyhound indo vê-los pela última vez. Meus olhos examinam seu rosto de perfil e quero muito dizer alguma coisa para reconfortá-lo, mas acho que não posso. Sinto que não tenho esse direito, por alguma razão; ao menos não de tocar no assunto.
— Tenho mais uma - ele continua, voltando a olhar para mim com a nuca encostada na poltrona. — Uma pequena aqui — ele vira o braço direito para me mostrar um símbolo que fica perto do cotovelo, fico surpresa por não tê-la notado antes. — É um símbolo africano que significa ''me ajude, se ajude''.
Ela sorri.
— Eu iria perguntar se você tem alguma tatuagem, mas algo me diz que não - ele sorri, compreensivo.
— Tem razão - admito, corando um pouco. — Não que eu nunca tenha pensado em fazer - levanto o pulso e ponho o polegar e o dedo médio em volta dele. — Pensei em escrever algo aqui, tipo “liberdade” ou algo assim em latim. Obviamente, não pensei muito - sorrindo, solto um pequeno suspiro.
Quando vou apoiar o pulso novamente no braço da poltrona, os dedos de Joseph se fecham ao redor dele. Isso me atordoa por um segundo, até provoca um estranho arrepio no meu corpo, mas que desaparece rapidamente quando ele começa a falar tão casualmente.
— Uma tatuagem no pulso, para uma garota, pode ser muito graciosa e feminina - ele passa a ponta do dedo no lado de dentro do meu pulso para indicar onde deveria ficar. Sinto um pequeno calafrio. — Alguma coisa em latim, bem sutil, mais ou menos aqui, iria ficar legal -então ele me solta delicadamente e eu apoio o braço.
— Eu achava que você iria dizer que não faria de jeito nenhum - ele ri e levanta a perna, apoiando o tornozelo no joelho. Ele cruza os dedos e afunda na poltrona para ficar mais confortável.
Está escurecendo rapidamente; o sol mal aparece no horizonte agora, deixando tudo banhado em tons de laranja, rosa e violeta.
— Acho que não sou uma pessoa previsível - eu sorrio para ele.
— Não, acho que não é - ele diz, retribuindo o sorriso e depois olhando para a frente, pensativo.
Dia seguinte
Rodoviária de Cheyenne, Wyoming
14:30 P.M
— Chegamos - ele diz, e eu finalmente abro os olhos e desencosto a cabeça da janela.
Sei que meu hálito deve estar horroroso, porque o gosto na minha boca é seco e nojento, por isso viro a cabeça para longe dele para bocejar.
Os freios rangem quando o ônibus para no terminal e, como sempre, os passageiros se espreguiçam e começam a recolher suas bagagens dos compartimentos superiores. Fico sentada ali, um pouco em pânico, disfarço e olho para Joseph. Sinto literalmente que vou ter um mini ataque de ansiedade. Tipo, eu sabia que essa hora iria chegar, que Joseph iria embora e eu ficaria sozinha de novo, mas não esperava me sentir como uma garotinha assustada, jogada no mundo para se virar sozinha sem ninguém que cuide dela.
Merda! Merda! Merda!
Mal posso acreditar que me deixei ficar à vontade com ele, e o resultado disso é que o medo recuperou totalmente as porras das garras.
Estou com medo de ficar sozinha.
— Você vem? - Joseph pergunta, olhando para mim do corredor e estendendo a mão. Ele me sorri delicadamente, deixando de lado os comentários irônicos e as piadinhas às minhas custas porque, afinal, este é o último momento que vamos passar juntos. Não que a gente esteja apaixonado, nada louco assim, mas alguma coisa esquisita acontece quando você passa vários dias com um estranho num ônibus, conhecendo-o e apreciando sua companhia. E quando ele não é muito diferente de você e os dois têm uma conexão, sem contar um para o outro por que estão sofrendo, isso só torna a inevitável partida ainda mais difícil.
Mas não posso deixar que Joseph saiba que eu me sinto assim. É idiotice. Eu me coloquei nesta situação e pretendo continuar até o final. Não importa para que lugar do mundo ela acabe me levando.
Sorrio para ele e seguro sua mão. E no caminho todo pelo corredor, enquanto anda à minha frente, ele mantém meus dedos cuidadosamente apertados na sua mão, atrás de si. Encontro uma ternura em seu toque, me agarrando mentalmente a ele o máximo possível, para quem sabe poder ficar mais confiante quando estiver sozinha de novo.
— Bom, Demi... - ele me olha como se estivesse perguntando meu sobrenome.
— Lovato - eu sorrio e abro mão de minha própria regra.
— Bom, Demi Lovato, foi um prazer te conhecer nesta viagem a caminho do nada - ele ajeita a alça da mochila no ombro e enfia as mãos no fundo dos bolsos do jeans. — Espero que você ache o que está procurando.
Tento sorrir e consigo, mas sei que parece uma mistura de sorriso com cenho franzido. Ajeito a alça da bolsa num ombro e a da mala no outro e deixo os braços penderem dos lados do corpo.
— Também achei legal te conhecer, Joseph Jonas - digo, mesmo não querendo dizer. Queria que ele viajasse comigo só um pouco mais. — Você se importaria de me fazer um favor? Despertei sua curiosidade, e ele inclina um pouco o queixo para o lado.
— Tá. Que tipo de favor? Sexual? - suas covinhas se aprofundam quando seus lábios diabolicamente lindos começam a se curvar.
Rio um pouco e baixo o olhar sentindo meu rosto se aquecer, mas em seguida deixo o momento passar, porque este não é um pedido alegre. Em vez disso, suavizo a minha expressão e olho para ele com verdadeira compaixão.
— Se o seu pai não resistir - começo, e a expressão dele murcha. — Se permita chorar, tá? Uma das piores sensações do mundo é ser incapaz de chorar, e ela acaba... deixando tudo mais sombrio.
Joseph olha para mim por um momento longo e silencioso, e então balança a cabeça, permitindo que um pequeno sorriso de gratidão apareça só no fundo dos seus olhos. Dou a mão para me despedir e ele faz o mesmo, mas segura a minha por um segundo a mais que o normal e então me puxa num abraço. Eu o abraço apertado, desejando poder confessar de uma vez que estou com medo de ficar sozinha, mas sei que não posso fazer isso. Segura a onda, Demi!
Ele se afasta, balança a cabeça uma última vez com aquele sorriso de que aprendi a gostar tão rapidamente e se afasta, saindo do terminal. Fico ali pelo que parece uma eternidade, incapaz de mover as pernas. Vejo-o entrar num táxi e continuo olhando até que o táxi se afasta e desaparece de vista.
Estou sozinha de novo. A mais de mil quilômetros de casa. Sem direção, sem propósito, sem outros objetivos além de tentar me encontrar nesta jornada que jamais imaginei que teria coragem de começar. E estou com medo. Mas preciso fazer isso.
Preciso, porque preciso deste tempo sozinha, longe de tudo o que aconteceu em casa e que acabou me trazendo aqui.
Finalmente, me controlo e me afasto das vidraças altas para procurar um lugar para sentar. Tem uma espera de quatro horas até o próximo ônibus para Idaho, portanto, preciso encontrar um jeito de aproveitar o meu tempo.
Primeiro, vou para as máquinas de venda automática.
Enfiando moedas na abertura, quando estou quase apertando E4 para comprar uma barrinha de cereais, a coisa mais próxima de saudável em todo o estoque da máquina, meu dedo dá meia-volta e aperta D4, e uma barra de chocolate engordativa, nojenta, lotada de açúcar cai da espiral para a gaveta no fundo. Recolho alegremente minha porcaria e vou para a máquina de refrigerante, passando batido por uma com água mineral e sucos, e compro uma bebida gasosa e provocadora de gases e cáries.
Joseph ficaria orgulhoso.
Saco! Para de pensar em Joseph!
Pego minhas porcarias, encontro um banco vazio e me sento para esperar o dia passar.
A espera de quatro horas se transforma em seis. Avisaram pelo alto-falante alguma coisa sobre o meu ônibus atrasar devido a problemas mecânicos. Um coro de gemidos desesperados se eleva pela rodoviária.
Lindo. Maravilhoso. Estou largada numa rodoviária no meio do nada, e é bem provável que eu passe a noite aqui, tentando dormir em posição fetal nesta cadeira de plástico duro que não é confortável nem pra sentar.
Ou posso simplesmente comprar outra passagem de ônibus pra outro lugar.
É isso! Problema resolvido!
Só queria ter pensado nisso mais cedo e poupado as seis horas que já desperdicei aqui. É como se eu tivesse enganado o meu cérebro, de alguma forma, levando-o a pensar que sou obrigada a viajar até aquela porra de Idaho só porque já paguei a passagem.
Pego a mala e a bolsa do assento ao meu lado, ponho as alças no ombro, marcho através da rodoviária, passando por uma multidão de passageiros descontentes que claramente não têm a mesma opção que eu, e vou até a bilheteria.
— Moça, a bilheteria está fechando - diz a funcionária do outro lado do guichê.
— Espera, por favor - digo, estendendo os braços por cima do balcão exasperadamente. — Só
preciso comprar uma passagem pra outro lugar. Por favor, a senhora não imagina o quanto vai me ajudar!
A velha de cabelo ressecado franze o nariz para mim e parece morder a bochecha por dentro. Ela suspira e corre os dedos pelo teclado do computador.
— Oh, obrigada! - digo. — A senhora é demais! Obrigada!
Ela revira os olhos.
Puxo a bolsa para a frente, jogo-a no balcão e procuro rapidamente minha pequena carteira com zíper.
— Pra onde está indo? - ela pergunta.
Pronto, a pergunta de um milhão de dólares de novo. Corro os olhos pelo balcão à procura de algum “sinal” como a batata assada da outra rodoviária na Carolina do Norte, mas não vejo nada óbvio. A velhinha está começando a ficar ainda mais nervosa comigo, e isso me deixa mais ansiosa para andar logo e pensar em alguma coisa.
— Moça? - ela diz com um profundo suspiro, olhando para o relógio na parede. — Já deu minha hora há 15 minutos. Eu queria muito poder voltar pra casa e jantar.
— Claro, desculpa - puxo o cartão de crédito da carteira e entrego para ela. — Texas - digo, primeiro como um teste, mas aí percebo que gostei da sensação de dizer. — É, qualquer lugar no Texas tá ótimo.
A velhinha ergue uma sobrancelha ruiva e despenteada.
— Você não sabe pra onde vai?
Balanço a cabeça furiosamente.
— Sei, sim, só quis dizer que o próximo ônibus pro Texas serve - sorrio para ela, torcendo para que ela engula essa lorota ridícula e não ache que precisa pedir
meus documentos para afastar qualquer suspeita. — Já tô esperando aqui há seis horas. A senhora entende.
Ela me olha por um momento longo e enervante, e então toma o cartão dos meus dedos e começa a teclar de novo.
— O próximo ônibus pro Texas sai daqui a uma hora.
— Ótimo! Vou nesse! - decido, antes mesmo que ela consiga me dizer exatamente para onde no Texas.
Não importa. E ela está com tanta pressa de ir para casa que também parece não se importar. Já que eu não ligo, ela com certeza também não.
Pego minha passagem novinha em folha e a enfio na bolsa, perto da antiga, enquanto o guichê se fecha atrás de mim às 21h05, e eu me sinto invadida por um breve alívio.
Voltando para o meu banco, procuro o celular na bolsa e verifico se perdi alguma ligação ou mensagem de texto. Minha mãe ligou duas vezes e deixou recado na caixa postal as duas vezes, mas ainda não há nenhuma resposta de Selena.
— Querida, onde você está? - minha mãe pergunta do outro lado da linha quando ligo de volta. — Tentei ligar pra ver se você estava na casa da Selena, mas não consegui falar com ela. Você está bem?
— Tô, mãe, tô bem - estou andando de um lado para outro na frente do meu banco, com o celular no ouvido direito. — Resolvi viajar pra ver minha amiga Anna na Virgínia. Vou ficar um pouco aqui com ela, mas tô bem.
— Mas, Demi, e o novo emprego? - ela parece decepcionada, especialmente por ter sido sua amiga quem me deu a chance e me contratou. — Maggie disse que você trabalhou uma semana e depois não apareceu mais, nem ligou, nem nada.
— Eu sei, mãe, e sinto muito, mas aquilo não era mesmo pra mim.
— Bem, o mínimo que você poderia ter feito era ser educada e avisar, cumprir as duas semanas de aviso prévio, qualquer coisa, Demetria.
Me sinto mal por ter agido assim, e normalmente não teria tido uma atitude tão sem consideração, mas a situação infelizmente exigiu que fosse assim.
— Tem razão - admito. — E quando eu voltar, vou ligar pra Sra. Phillips e pedir desculpas pessoalmente.
— Mas isso não é do seu feitio - minha mãe insiste, e começo a ficar preocupada, porque ela está se aproximando demais dos verdadeiros motivos de eu ter ido embora, e de todas as coisas que me recuso a discutir com ela. — E você pega e vai pra Virgínia sem me ligar, nem me deixar um bilhete. Tem certeza que você está bem?
— Tô, sim. Para de se preocupar. Por favor. Te ligo de novo depois, mas agora preciso ir.
Ela não quer, posso sentir pelo modo como suspira fundo ao telefone, mas desiste.
— Tá, toma cuidado, então, te amo.
— Também te amo, mãe.
Verifico a caixa de entrada do celular mais uma vez, esperando talvez que Selena tenha me mandado alguma mensagem de texto que não vi. Olho as mensagens de vários dias atrás, mesmo sabendo muito bem que se houvesse alguma mensagem não lida, haveria uma bolinha vermelha no ícone avisando.
Acabo voltando tanto sem perceber que o nome de Wilmer aparece na tela, e meu coração gela no peito. Paro ali e começo a passar o dedo em seu nome para ler as mensagens que trocamos pouco antes que ele morresse, mas não consigo.
Jogo o celular de volta na bolsa com raiva.
E aí gostaram gente?
O Joseph foi, mas ele volta hahaha
Comentem, bjs lindonas <3
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