10/10/2016

breathe: capítulo 27


— Não fique parada aí, olhando pra mim. Você não está feliz em me ver? — perguntou mamãe, em pé na varanda com uma mala na mão. 
— O que você está fazendo aqui? — indaguei, confusa. Olhei para uma BMW estacionada na frente da minha casa, tentando adivinhar com o que minha mãe tinha se envolvido dessa vez. Ou melhor, com quem
— O que foi? Sua mãe não pode vir te visitar? Você não retorna minhas ligações, e fiquei com saudades da minha filha e da minha neta. É algum crime, por acaso? Você nem veio me dar um abraço — resmungou ela. 
Abracei-a. 
— Só estou surpresa em te ver aqui. Desculpe por não ter ligado, andei meio ocupada. 
Ela franziu o cenho. 
— Sua testa está sangrando? 
Passei a mão pela testa e dei de ombros. 
— Ketchup. 
— Por que tem ketchup na sua testa? 
— Eu vou comer seu cérebro — ameaçou Joseph, passando pelo corredor atrás de Elizabeth vestida de múmia, com espaguete nas mãos e ketchup escorrendo pelo rosto. Mamãe inclinou a cabeça, e seu olhar acompanhou Joseph. 
— Acho que você esteve ocupada mesmo. 
— Não é nada disso... — respondi, mas Elizabeth me interrompeu. 
— Vovó — gritou ela, correndo para a porta e pulando nos braços da minha mãe. 
— Meu docinho — respondeu minha mãe, abraçando Elizabeth e se sujando toda de ketchup. — Que bagunça boa, hein? 
— A gente estava brincando de vampiros e zumbis! Mamãe, Pluto e eu. 
— Pluto? — minha mãe virou-se para mim e demonstrou certa preocupação. — Você deixou um homem chamado Pluto entrar na sua casa? 
— Você está realmente julgando que tipo de homem eu deixo entrar na minha casa? Você não lembra dos tipos que entraram na sua? 
Ela deu um sorriso perverso. 
Touché
— Joseph — chamei. 
Ele veio até nós, tentando limpar os dedos nos cabelos cheios de ketchup. 
— Sim? — ele sorriu na minha direção antes de olhar para minha mãe. 
— Essa é minha mãe, Dianna. Mãe, esse é meu vizinho, Joseph. 
Seu olhar encontrou o meu, e ele hesitou por um segundo, como se estivesse decepcionado com minha escolha de palavras. Mas logo sorriu e apertou a mão da minha mãe. 
— É um prazer conhecê-la, Dianna. Já ouvi falar muito de você. 
— Engraçado — comentou mamãe. — Porque não ouvi nada sobre você. 
Silêncio. 
Silêncio constrangedor. 
— Então, devo me juntar a esse silêncio constrangedor ou esperar no carro? 
Um homem começou a subir as escadas da minha varanda com uma mala na mão. Ele usava óculos e uma camisa de manga comprida de cor mostarda por dentro dos jeans escuros. Mamãe deve estar na fase dos namorados nerds. Ou será que ele é um bruxo
Silêncio. 
Silêncio muito constrangedor. 
O homem pigarreou e estendeu a mão para Joseph, provavelmente porque, diferente de mim, Joseph não estava encarando-o, confuso. 
— Sou Mike. 
— É um prazer conhecê-lo, Mike — respondeu Joseph. 
— O que aconteceu com Richard? — sussurrei para minha mãe. 
— Não deu certo — retrucou ela. 
É mesmo? 
— Então, eu e Mike queríamos passar a noite aqui. Quer dizer, podemos ir para um hotel, mas... achei que seria legal se jantássemos e passássemos algum tempo juntos. 
— Mamãe, hoje é a minha festa de aniversário. Elizabeth vai passar a noite na casa da Starla e do David... Você deveria ter ligado. 
— Você não iria atender — ela enrubesceu, distraída com os dedos, quase como se estivesse envergonhada. — Você não iria atender, Demi. 
E lá estava eu me sentindo a pior filha do mundo. Simples assim. 
— Mas ainda podemos jantar... Posso fazer seu prato preferido, se quiser. E você pode ficar com Elizabeth. Vou ligar para Starla e cancelar tudo. 
As bochechas de minha mãe coraram, e seu sorriso reapareceu. 
— Isso seria maravilhoso! Maravilhoso! Plut... Quer dizer, Joseph, você deveria se juntar a nós — ela o olhou de cima a baixo com certo ar de reprovação. — Mas talvez você devesse tomar um banho primeiro. 


***

— Você ainda faz o melhor frango à parmegiana que já comi, Demi — elogiou mamãe quando estávamos sentados à mesa da sala de jantar. 
— Ela não está mentindo, isso está excelente — concordou Mike. Sorri para ele e agradeci. Mike parecia legal, o que já era um enorme progresso desde o último estranho que vi com mamãe. De vez em quando, ele pegava na mão dela, o que me fez sentir pena dele. Ele a olhava de forma apaixonada, e eu sabia que era só questão de tempo até ela machucá-lo. 
— Então, Mike, o que você faz da vida? — perguntou Joseph. 
— Sou dentista. Em breve vou assumir os negócios da família, porque meu pai vai se aposentar em um ano. 
Faz sentido. Mamãe sempre escolhia homens com carteiras mais recheadas do que a maioria. 
— Muito legal — comentou Joseph. Todos continuaram conversando, mas eu parei de ouvir, meus olhos fixos em Mike acariciando a mão da minha mãe. Será que ela não sentia remorso por usar os homens daquele jeito? Será que ela não sentia pena deles? 
— Como vocês se conheceram? — deixei escapar a pergunta, o que fez com que todos olhassem para mim. Meu coração estava apertado, e eu estava cansada de ver mamãe usando mais um homem. — Desculpe, só estou curiosa. Pelo que eu sabia, mamãe estava saindo com um homem chamado Roger. 
— Richard — corrigiu ela. — O nome dele era Richard. E, francamente, não gosto do seu tom de voz, Demi. 
O rosto dela estava ficando vermelho, de raiva ou vergonha, e eu sabia que ela iria me censurar quando estivéssemos sozinhas. 
Mike apertou a mão da mamãe. 
— Tudo bem, Dianna — mamãe respirou fundo, como se as palavras dele fossem tudo o que ela precisava para se acalmar. Ela relaxou os ombros, e seu rosto começou a voltar ao normal. — Na verdade, sua mãe me conheceu no consultório. Richard era um dos meus pacientes. Ele estava fazendo um tratamento de canal, e ela o acompanhou em uma das consultas. 
— Imagino — murmurei. Ela procurava um novo namorado ainda comprometida com o anterior. 
— Não é o que você está pensando. 
— Acredite em mim, Mike. Conheço minha mãe. É exatamente o que estou pensando. 
Os olhos da minha mãe se encheram de lágrimas, e Mike continuou segurando sua mão. Ele voltou-se para ela, e era como se estabelecessem um diálogo sem pronunciar uma palavra sequer. Ela balançou a cabeça, e Mike me encarou. 
— De qualquer modo, isso não importa. O que importa é que estamos felizes. Está tudo bem agora. 
— Na verdade, tudo está tão bem que nós... nós vamos nos casar — disse mamãe. 
— O quê? — gritei, sentindo meu rosto empalidecer. 
— Eu disse... 
— Não, eu ouvi — voltei-me para Elizabeth com um sorriso reluzente. — Querida, por que você não vai escolher seu pijama? — ela resmungou um pouco antes de sair da cadeira e ir para o quarto. — Como assim vocês vão se casar? — perguntei aos supostos noivos, completamente atônita. 
Existiam duas coisas que mamãe nunca fazia: 
1 - Se apaixonar. 
2 - Falar de casamento
— Estamos apaixonados, Demi — explicou ela. 
O quê
— É por isso que viemos até aqui — acrescentou Mike. — Queríamos contar pessoalmente. — ele riu, nervoso — E agora está sendo muito constrangedor. 
— Acho que a palavra do dia é “constrangedor” — assentiu Joseph. 
Virei para minha mãe e sussurrei: 
— Quanto você está devendo? 
— Demi — protestou ela. — Pare! 
— Você está prestes a perder a casa? Se seu problema é dinheiro, você deveria ter me pedido. — senti um nó na garganta. — Você está doente, mãe? Tem alguma coisa errada? 
— Demi — começou Joseph, tocando minha mão, mas eu o afastei. 
— Só estou dizendo... não entendo o motivo de você fazer isso, se não está endividada ou morrendo. 
— Talvez porque eu esteja apaixonada — gritou ela com a voz exaltada, levantando-se da mesa. — E talvez, apenas talvez, eu esperasse que minha filha ficasse feliz por mim, mas acho que isso é pedir muito. Não se preocupe, vá pra sua festa e, quando voltar de manhã, já teremos partido para sempre.
Ela foi para o quarto de hóspedes e bateu a porta atrás dela. Mike deu um sorriso sem graça e se desculpou, dizendo que iria ver como ela estava. 
— Argh! — levantei da mesa. — Dá pra acreditar numa coisa dessas? Ela é tão… dramática! Joseph riu. 
— Qual é a graça? 
— Nada. É só que... 
— Só o quê? 
Ele riu novamente. 
— É que você se parece muito com sua mãe. 
— Eu não me pareço com ela — gritei, talvez de forma dramática. Talvez de forma dramática demais. 
— O modo como suas narinas se expandem quando você está com raiva, ou como você morde o lábio inferior quando está com vergonha.
Olhei para ele com desgosto. 
— Não vou ouvir isso. Vou me arrumar — saí da sala de jantar esbravejando. — E eu não sou dramática como ela
Apesar de, talvez, ter batido a porta com muita força. 
Em segundos, Joseph abriu a porta do quarto e encostou no batente, mais calmo do que nunca. 
— Quase idênticas. 
— Minha mãe usa os homens para esquecer seus problemas. Ela é confusa. Mike é só mais um que vai ser descartado. Ela é incapaz de se comprometer com algo, ou com alguém, porque nunca superou de verdade a morte do meu pai. Pode esperar, ela provavelmente vai caminhar até o altar fazendo aquele pobre coitado acreditar que tem alguma chance de viver feliz para sempre, quando, na realidade, “felizes para sempre” não existe. A vida não é um conto de fadas. 
É uma tragédia grega. 
Joseph passou os dedos pela nuca. 
— Mas não foi exatamente isso que fizemos? Não nos usamos para esquecer que sentíamos falta do Zachary e da Ashley? 
— Não foi nada disso — retruquei, as mãos massageando as têmporas. — Eu não sou como ela. É uma grosseria da sua parte acreditar nisso. 
— Tá certo. O que eu sei, afinal de contas? — ele franziu a testa e passou o polegar pelo queixo. — Eu sou só o vizinho. 
Ah, Joseph
— Eu... eu não quis dizer isso. 
Eu era mesmo a pior pessoa do mundo, tinha certeza disso. 
— Não, tudo bem. É verdade. Quer dizer, foi bobagem minha pensar... — ele pigarreou e colocou as mãos nos bolsos. — Olha, Demi. Nós dois ainda estamos de luto. Provavelmente começamos essa coisa que existe entre nós da maneira errada. E eu não culpo você se quiser ser só minha vizinha. Caramba... — ele deu um riso nervoso. — Se você quiser que eu seja apenas o vizinho, então tudo bem. Vai ser suficiente. Vai ser uma tremenda honra. Mas, tendo em vista que eu te amo, talvez seja melhor eu espairecer e não ir à festa de aniversário. — Não, Joseph. 
Ele acenou. 
— Tudo bem. Sério, tudo bem. Só vou dizer boa noite a Elizabeth e ir pra casa. 
— Joseph — chamei mais uma vez enquanto ele saía do quarto. Corri até o corredor. — Joseph! Pare! — pulei na frente dele como uma criança, meus pés batendo com força no chão. — Pare, pare, pare! — ele se virou para mim, e vi a dor que causei estampada em seus olhos. Peguei sua mão. — Eu sou uma desastrada. Todo dia, todo santo dia, sou um desastre total. Digo coisas idiotas como as que eu disse hoje. “Cometer erros” é o meu sobrenome. Odeio minha mãe, porque, na verdade, sei que sou exatamente como ela. E, como tudo em minha vida, tenho dificuldade em lidar com isso — segurei as mãos dele junto ao peito. — E sinto muito que você tenha visto essa versão descontrolada da Demi no jantar. Você é a única coisa que está fazendo sentido na minha vida. É a única coisa que não quero estragar. E você é muito mais do que um vizinho. 
Ele pousou os lábios em minha testa. 
— Tem certeza? 
— Tenho. 
— Você está bem? 
— Vou ficar — ele me abraçou, e eu me senti um pouco melhor. — Preciso me trocar. — suspirei. 
— Certo. 
— E você deveria me ajudar. 
Foi o que ele fez. 
— Apenas para esclarecer: no futuro, quando eu me descontrolar com a minha mãe, você supostamente tem que ficar do meu lado, não importa se isso não tiver nenhuma lógica — resmunguei, tirando a camiseta e a calça jeans. 
— Desculpe, não tinha lido esse memorando. Sim! Ah! Sua mãe, sua mãe é um monstro. — Joseph fez uma cara de nojo. 
Meus lábios se abriram em um sorriso, e eu puxei meu vestido. 
— Obrigada! Agora você pode me ajudar com o zíper? 
— Claro — as mãos dele pousaram em meu quadril antes que seus dedos subissem o zíper do meu vestido curto e justo. — E o que é aquele perfume todo que ela usa? É Chanel demais. 
— Exato 
Virei de frente para ele e dei um tapa em seu peitoral. 
— Peraí. Como você sabe o perfume que ela usa? 
Seus lábios tocaram meu pescoço e ele me beijou suavemente. 
— Porque a filha dela usa o mesmo. 
Eu sorri. Talvez algumas partes de mim fossem parecidas demais com a minha mãe. 
— Eu deveria pedir desculpas pelo meu surto, não é? 
— Essa pergunta é uma pegadinha? 
— Não. 
— Então, sim. Acho que você deveria, mas só depois da sua festa de aniversário incrível. Sua mãe te ama e você a ama. Vocês vão ficar bem. 
Concordei e beijei seus lábios. 
— Tá bom.
E esse climão no jantar? Que treta
Gostaram amores? Comentem aqui
bjs e até o próximo <3
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