03/02/2018

begin again: capítulo 39


Devastated

Quando vejo o nome de Joseph aparecer na tela do meu telefone, tenho que morder os lábios para não chorar. Três palavras simples me cortam até os ossos, arrancando a pele e virando do avesso.
Como está indo?
Ele está perguntando sobre meu jantar com Simon.
Minha resposta é breve. Até mesmo brutal. Mas não tenho energia para amaciá-las. Daisy está morta.
Charlotte se mexe nos meus braços, murmurando palavras ininteligíveis antes de recuperar a consciência aos poucos. Sua cabeça repousa no meu peito, todo manchado de lágrimas e vermelho. Mesmo em seu sono ela choraminga, mínimos suspiros a cada três respirações e acaricio seu cabelo, esperando que, de alguma forma, ela saiba que estou aqui.
Estamos sentadas em um sofá bege de couro falso no pequeno apartamento de Dee. É muito limpo e arrumado aqui. Até mesmo o gato parece bem treinado e sob controle. 0Quando ela me dá uma caneca de chá quente e doce e acaricia minha testa com a mão roliça, tento recompensá-la com um sorriso. Sai todo torto, mas ela não parece se importar. Pode ser taciturna, mas é incrível. Não sei o que teria feito sem ela.
Meu telefone vibra e sei que é ele. O pensamento de alguma forma me ancora no chão.
– Oi – falo baixinho no bocal, tentando não perturbar Charlotte.
Porém Joseph não parece ter captado a mensagem. Sua voz é alta. Isso me faz estremecer.
– O que diabos aconteceu? Você está bem, você se machucou? Jesus, querida, estou ficando louco aqui.
– Calma, Charlotte está dormindo. – há algum tipo de ironia acontecendo aqui. Entre nós dois, eu sou a mais calma. – Daisy teve uma overdose e Charlotte a encontrou. Ela me ligou no restaurante e vim direto. A polícia está aqui agora e nós estamos esperando a assistência social. – consigo dizer tudo isso sem ficar emotiva, porque são apenas fatos. Se ele me perguntar como estou, sei que vou acabar chorando como um bebê.
– Simon está com você?
– Não. Eu disse a ele para ir para casa. Não tem nada que ele possa fazer aqui e ele parecia realmente desconfortável. – não digo que Simon parecia um velho, tremendo de leve, enquanto olhava para a pobreza em torno dele. Ele ficou chocado, isso eu percebi. Como se não pudesse acreditar que um mundo como este pudesse existir em Nova York.
– Você ainda está em Bronx? – ele não espera por uma resposta. – Estou indo aí.
– Está tudo bem. Não precisa vir. Estamos só esperando a assistente social chegar. – não digo que não existe possibilidade de eu deixar que levem Charlotte de volta para o sistema de lares adotivos. Vou lutar com unhas e dentes se for preciso.
– Não pedi sua permissão. Vejo você em meia hora. – ele parece aborrecido, mas me aquece por dentro. Gosto desse toque nele. O lado protetor que não aceitaria “não” como resposta. É a razão pela qual ele esperou por horas na chuva enquanto eu estava sentada em uma delegacia de polícia. Ele quer cuidar de mim. Posso viver com isso.
Contanto que ele também me deixe cuidar dele. Direitos iguais. Charlotte e eu ainda estamos sentadas na mesma posição quando Joseph chega, cerca de trinta minutos mais tarde. Dee ligou a TV e algum programa policial oco de tarde da noite está passando na tela. Charlotte ainda está apagada, e seu cabelo escuro está emaranhado sobre o rosto. Se não fosse pelo fato de haver toda uma falange de polícia do lado de fora, eu iria levá-la daqui antes que a
assistente social chegasse. Quero enfiá-la na cama e ficar abraçada com ela até de manhã.
Ouço a voz dele antes de vê-lo. É distinta grave e um pouquinho áspera. Tê-lo por perto é como se alguém tivesse colocado um cobertor quentinho sobre meus ombros. Ele está aqui, parado na porta. Cabelo desarrumado e molhado como se tivesse acabado de sair do chuveiro.
– Como ela está? – quando Joseph chega mais perto, sinto o cheiro limpo de sabonete e o perfume suave do shampoo. Ele estende a mão para o cabelo bagunçado de Charlotte, sua expressão cheia de compaixão. – Coitada dessa criança.
– Ela apagou faz algum tempo. Foi demais. O choque, a mãe... 
Ele se senta ao nosso lado, levantando as pernas de Charlotte sobre o colo. O gesto me faz querer chorar. Em vez disso, olho para ele e ele olha de volta e parece que consegue ver através da minha alma.
– Quero levar vocês duas para casa e pregar a porta com tábuas. Não deixar ninguém entrar. – quando ele acaricia meu rosto, tenho que fechar os olhos por medo de perder o controle.
 – Acho que a gente poderia gostar disso. Pelo menos por um tempo.
Ele estende a mão e aperta a minha. Uma única lágrima escapa do canto do meu olho e escorre pelo meu rosto. Limpo a lágrima quase com raiva. Quero ser forte. Por Charlotte. Por mim. Mas Joseph não quer aceitar nada disso.
– Está tudo bem. – ele acaricia minha bochecha. – Você pode chorar, ela não vai notar. Mesmo se acordar, não importa. Você deve chorar, é algo pelo qual vale a pena chorar.
A necessidade de derramar lágrimas embarga minha voz.
– Se eu começar, acho que não vou conseguir parar. – não posso ser quem se deixa abater. Quando Digby morreu, eu mal existi durante meses. Dessa vez, porém, Charlotte precisa de mim. Desesperadamente. Não há possibilidade de eu chafurdar em autopiedade inútil.
– Você sabe, minha mãe tem um monte de dizeres idiotas e agora não consigo pensar em nenhum. Mas sei que chorar não é fraqueza. Existe força em mostrar suas emoções. Tomar o controle e colocá-las para fora. Então não se contenha por minha causa.
Meu lábio inferior começa a tremer. Tento pará-lo com os dentes, mas tudo o que consigo é fazer meus olhos se encherem ainda mais de água. Enxugo-os com a mão, mas Joseph me segura, não me deixa evitar. Quando as lágrimas começam a cair, ele se aproxima mais. O corpo de Charlotte fica apoiado em nós dois, e ele envolve o braço ao meu redor. Minha cabeça repousa sobre o ombro dele. Joseph acaricia meu cabelo quando começo a soluçar. Choro por Daisy, pela dor inútil de sua morte. E choro por Charlotte, uma criança sem mãe para abraçá-la à noite.
Joseph fica comigo até minhas lágrimas secarem.
Mesmo assim, meus ombros estremecem com soluços secos.

***

Ainda estamos abraçados quando chega a assistente social em serviço. Esta eu não reconheço e, de sua relativa juventude e máxima inquietação, tenho a sensação de que é recém-formada. Neste caso, é algo ruim, porque ela vai tentar se manter firme demais às regras.
– Preciso levá-la ao abrigo e poderemos avaliar o caso pela manhã – diz ela, quando pergunto se posso levar Charlotte para casa comigo. – Não posso permitir que você a leve para uma casa desconhecida. É contra nossas diretrizes.
– Você diria o mesmo se Demi fosse a tia dela? – Joseph pergunta. – Essa menina acaba de ver a mãe morrer na frente de seus olhos e você quer levá-la para longe da única pessoa que ela conhece? Que merda de diretrizes são essas, hein? – ele pode ser assustador quando fica irritado. A assistente social se afasta, intimidada. Estendo a mão para acalmá-lo.
– Não tenho antecedentes e sou conhecida do serviço social. Conheço até mesmo a equipe do abrigo. Você não pode me deixar levá-la para casa por esta noite?
Ela sacode a cabeça e ouço Joseph murmurar “só estou cumprindo ordens”. Em mais um minuto, acho que ele pode realmente explodir. Estou muito mais calma do que ele, até mesmo gélida, porque estou absolutamente certa de que não vou deixá-los separar Charlotte de mim. Mesmo se eu tivesse que algemar nós duas juntas, a única pessoa que ela vai ver quando acordar será eu.
– Eu vou com ela para o abrigo. – não digo como uma pergunta. – Se vai te ajudar a dormir à noite, vou ficar lá e de manhã nós podemos falar sobre a guarda. Mas não vou deixá-la sozinha esta noite.
A assistente social reclama um pouco, mas depois confirma com a cabeça como se estivesse aliviada por não ter que brigar mais. Joseph está irritado ao meu lado, olhando para ela com uma expressão solene. Quero ficar aqui, em nossa pequena bolha de três, porque não importa o quanto o sono de Charlotte seja torturado e doloroso, não é nada em comparação ao inferno que ela vai enfrentar quando acordar.
Quando se lembrar de que a mãe está morta.
Meu estômago se agita quando penso nas barreiras que ela terá de enfrentar, a dor que vai ter de superar nos próximos meses. Ela é muito pequena para enfrentar tudo isso sozinha. Não deveria ter que passar por isso.
Ninguém deveria.
No final chegamos ao abrigo pouco depois das três da manhã. A funcionária da noite mexe na porta da frente, abrindo-a para revelar seu macacão do Ursinho Pooh justo no corpo. Bocejando, ela nos leva para um quarto vazio. Joseph anda atrás de nós, levando Charlotte nos braços. Meu coração dói um pouco quando vejo a expressão de ternura no rosto dele. Joseph a coloca sobre a cama de solteiro arrumada e me puxa para um abraço.
– Me liga de manhã, tá? Me conte como ela está. – no caminho para cá, fizemos planos sussurrados no banco de trás. Concordamos que eu iria assumir a liderança. Tentar nos apresentar como uma espécie de casal viável quando apenas acabamos de nos reco-nectar seria uma loucura.
Para não mencionar o fato de eu ainda estar casada.
– Eu ligo. – minha voz oscila. Não importa o quanto eu seja determinada, o futuro parece assustador. Ele segura meu rosto nas mãos quentes. Estou quase sem respirar quando passa os lábios nos meus. Me agarro às costas de sua camisa por um instante longo demais, porque tenho muito medo de esta ser a última vez que estamos juntos.
– Se você precisar de mim eu vou estar aqui. Se lembre disso. – outro beijinho e ele se afasta.
Quando Joseph atravessa a porta, a única coisa que me impede de sair correndo atrás dele é Charlotte. Seu corpo minúsculo está encolhido em cima da cama, sua camiseta do One Direction, torcida em volta da cintura. Seu sono é irregular, seu corpo estremece de vez em quando, por causa de algum monstro invisível assombrando seus sonhos. Vou até a poltrona dilapidada no canto do quarto e a puxo até a cama, como se eu estivesse fazendo visita no hospital. Apesar de ser tarde da noite, não há possibilidade alguma de eu adormecer. Existem coisas demais em que pensar.
Esta manhã, eu era uma mulher a caminho do divórcio, tentando conciliar uma relação florescente com outra moribunda. Vivendo em um único quarto numa parte insalubre da cidade. Mas agora... agora tudo muda. É como se o mundo estivesse girando no eixo, pendendo para a esquerda até que a última coisa que me restasse fosse me agarrar com unhas frágeis, com as pernas agitadas embaixo de mim enquanto tento encontrar um equilíbrio.
Quanto a Joseph, nem sei onde ele se encaixa nisso tudo. É complicado o suficiente como está, com nossa história comum e nosso começo instável. Entretanto, não é nada em comparação a esta nova adição. Nem sei o que ele pensa sobre filhos, e muito menos se gostaria de estar envolvido na vida de Charlotte. Não é o tipo de conversa que considerei ter com ele em meios a beijos e quase sexo.
Como Nicholas diria, “Merda, isso acabou de ficar sério”.
Mas há outro problema. Mesmo se eu pudesse decifrar como Joseph e Charlotte se encaixam na minha vida, existe o pequeno detalhe de um lugar para morar. Não existe possibilidade de eu receber a custódia se estiver morando numa casa compartilhada. Nem sequer tenho um quarto para colocá-la. Com meu salário limitado não posso nem me dar ao luxo de viver em uma quitinete, muito menos um apartamento de dois quartos.
O que me leva a Simon. Sei que ele é a solução óbvia quanto a essa questão. Ele se ofereceu para me comprar um apartamento e recusei. Não quero o dinheiro dele, quero ser capaz de seguir em frente sem ele, mas isso não ajuda a situação de moradia atual.
Argh. Está tudo errado.
Esfrego o rosto com a palma das mãos, como se as respostas para todos os meus problemas estivessem em algum lugar. Pressiono-as nos meus olhos com tanta força, que vejo estrelas minúsculas rondando na escuridão, mas nenhuma solução milagrosa aparece. Apenas uma náusea irritante perturbando a base do meu estômago.
O amanhecer se esgueira por entre as cortinas como uma criança travessa, se estendendo sorrateiramente sobre o tapete verde-claro, até que o sol beije o rosto de Charlotte. Ela mexe a boca e geme um pouco, rolando para escapar do brilho. Mas seu corpo reagiu um instante tarde demais, porque a manhã já afugentou o conforto do sono, fazendo-a piscar. Ela se senta, confusa. Franze a testa quando me vê sentada ao lado dela.
Seu lábio treme e a respiração fica irregular assim que ela toma consciência. Memórias retornam como um punhal cruel, e se eu viver até os cem anos, nunca mais quero ver tanta dor em seu rosto. Atinge-me no peito, forte o bastante para roubar meu ar, e logo que ela começa a chorar, sinto minhas próprias lágrimas encherem os olhos.
– Minha mãe...
Balanço a cabeça.
– Eu sinto muito. – quando vou até ela,  Charlotte afasta o braço com um tranco, e fecha os dedos em punhos. Ela parece ter raiva, como se eu fosse a responsável.
– Não! Ela não morreu. Ela só está mal, como da última vez. Ela me disse que você iria me tirar dela. Disse que eu tinha de ficar longe de você. 
Não posso mentir, a rejeição dói. Mas é natural e não posso culpá-la. Em vez disso, deixo a mão sobre o lado da cama, pronta se ela precisar.
– Ela não sobreviveu – sussurro. Minha voz soa rouca de emoção. – Eles tentaram salvá-la, realmente tentaram, mas já era tarde demais. Ela já tinha partido.
Charlotte abre a boca como se fosse falar, mas as palavras não saem. Então percebo que ela não está falando. Está gritando em silêncio. Faço um grande esforço para não me juntar a ela. Quero muito segurá-la, confortá-la, sentir seu corpo macio no meu. Mas não posso, não até que ela esteja pronta. A espera me mata. Ela começa a balançar para trás e para frente, envolvendo os braços na cintura, sua respiração ainda forçada e dura.
E parada eu espero, porque essa é a única coisa que posso fazer.
Leva cinco minutos para ela se acalmar e conseguir falar, embora pareça muito mais tempo. Meu coração se parte de novo quando ela se vira para mim com os olhos arregalados e pergunta:
– Para onde eu vou?
Como é terrível não saber onde é nosso lugar. Entendo o sentimento bem demais. Tentei fugir quando me casei, mas mesmo assim a sensação me assombra.
– Pode vir comigo, se você me quiser. Pode demorar alguns dias, e você vai ter que ficar aqui e ser muito corajosa, mas prometo que vou resolver as coisas o mais rápido que eu puder.
Ela se aproxima um pouquinho mais de mim. Seu movimento é quase imperceptível, mas existe.
– Tenho de encontrar um lugar para a gente morar, e preciso falar com sua assistente social sobre umas coisas de gente grande. – inclino-me mais perto, esperando que ela possa sentir o quanto estou falando sério. – Mas vou resolver as coisas o mais rápido que eu puder, porque quero você comigo.
Seu lábio inferior treme.
– Mas minha mãe disse que eu não deveria falar com você.
Ai, Deus, como discutir isso sem sombra da memória que ela tem de Daisy?
– Eu acho... acho que ela gostaria que você ficasse comigo. Sei que ela estava com raiva de mim, mas nós teríamos feito as pazes. Como quando você briga com os amigos. Depois de um tempo, a briga passa, não passa?
Charlotte confirma com a cabeça lentamente.
– Bem, foi um pouco assim. Discutimos sobre algo bobo, mas eu ainda a amava. E amava você. Tivemos apenas uma diferença de opinião.
– Sobre o que vocês discutiram? – sua voz é calma. Quase contemplativa.
– Sobre Darren. – tento deixar as coisas tão simples quanto possível. – Não gosto muito dele, mas deixei sua mãe chateada quando falei isso para ela.
Charlotte fica em silêncio. Observo-a puxar as bolinhas do cobertor, tirando as fibras e as deixando cair suavemente sobre o lençol. Quando ela olha para mim, há algo que se assemelha à compreensão em seus olhos.
– Eu também não gosto muito dele – sussurra, como se ele estivesse perto o suficiente para ouvir. Há coisas demais com que lidar, não apenas a morte da mãe, mas a forma como Darren a tratou. Vai demorar mais do que algumas semanas para reparar seu coração partido.

esse capítulo é o mais triste :(
tadinha da Charlotte e da Demi.
mas prometo que muitas coisas boas irão pode vim.
será que a Demi irá conseguir ficar com a Charlotte?
espero que tenham gostado amores.
me digam o que acharam nos comentários, volto logo.
respostas do capítulo anterior aqui.

2 comentários:

  1. Perfeito!! Continua, linda.

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  2. Fico feliz que tenha gostado amor.
    A história já esta no fim :(
    Vou postar mais hoje.
    Beijos, Jessie.

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