No sábado de manhã, pensei que fosse acordar toda a vizinhança com minhas tentativas de ligar
o cortador de grama, que falhava o tempo todo. Zachary sempre fazia isso parecer fácil quando
aparava a grama do jardim, mas eu não tinha a mesma sorte.
— Vamos lá — puxei a corda novamente e, depois de titubear, o aparelho morreu. — Jesus
Cristo!
Fiz várias tentativas e fiquei vermelha de vergonha quando alguns vizinhos olharam pela janela
para ver o que estava acontecendo.
Eu estava prestes a puxar a cordinha do cortador de grama mais uma vez quando senti uma
mão em cima da minha. Tive um sobressalto.
— Pare — advertiu Joseph, irritado. — Que diabos você está fazendo?
Franzi o cenho, olhando para os lábios dele.
— Cortando a grama.
— Você não está cortando a grama.
— Sim, estou.
— Não, não está.
— Então o que eu estou fazendo?
— Acordando o mundo todo, porra
— Tenho certeza de que as pessoas na Inglaterra já estão acordadas.
— Cala a boca.
Hummm. Acho que alguém não gosta muito de papo de manhã. Ou de tarde. Ou de noite. Ou
de papo. Ele pegou o cortador e o levou para longe de mim.
— O que você está fazendo? — perguntei.
— Vou cortar sua grama. Assim você não acorda o mundo todo. Menos a Inglaterra, é claro.
Não sabia se ria ou se chorava.
— Você não vai conseguir cortar a grama. Acho que o cortador está quebrado — em questão
de segundos, ele puxou a corda com força, e o motor começou a funcionar. Ai, que vergonha. —
É sério. Você não pode fazer isso.
Ele nem se virou para me olhar. Simplesmente começou seu trabalho, fazendo algo que
jamais pedi que ele fizesse. Quase iniciei uma discussão, mas me lembrei da história de que ele
tinha matado um gato só porque estava miando muito e, bem, achei melhor preservar minha
existência patética. Preferi não correr o risco.
— Ficou ótimo — elogiei quando Joseph desligou o cortador. — Meu marido... — fiz uma
pausa e respirei fundo. — Meu falecido marido sempre cortava a grama em linhas diagonais. E
sempre dizia: “Amor, vou recolher os tufos de grama amanhã. Estou muito cansado agora.” — dei um sorriso triste e olhei para Joseph, sem vê-lo de fato. — Os tufos ficavam por aí pelo
menos uma semana. Às vezes, duas. Era estranho, ele sempre cuidava muito melhor do gramado
dos outros. Mesmo assim, eu gostava daqueles tufos — falei, meio ofegante, e lágrimas brotaram
em meus olhos. Virei-me para Joseph, secando-as. — Enfim, achei legal você também ter
cortado em diagonal — lembranças idiotas. Coloquei a mão na maçaneta da porta, mas meus
pés se detiveram quando o ouvi.
— Elas aparecem sem você perceber e acabam te derrubando — comentou ele baixinho,
como uma alma abandonada que se despede de sua família. Sua voz estava muito mais suave.
Ainda soava meio ríspida, mas dessa vez havia um pouco de inocência nela. — As pequenas
lembranças.
Voltei-me e vi que ele estava encostado no cortador de grama. Seu olhar tinha mais vida do
que das outras vezes, mas era uma vida triste. Um olhar sombrio e devastado. Apoiei-me para
não perder o equilíbrio.
— Às vezes, acho que as pequenas recordações são as piores. Consigo lidar com as
lembranças do aniversário dele e até do dia em que ele morreu, mas quando as pequenas coisas
vêm à tona, como o modo como ele cortava a grama, ou ele pegando o jornal só pra ler as
tirinhas, ou fumando charuto na véspera do ano-novo...
— Ou a forma como ela amarrava os sapatos, pulava as poças de água da chuva, tocava a
palma da minha mão com o indicador e fazia o desenho de um coração nela...
— Você também perdeu alguém?
— Minha esposa.
Ah.
— E meu filho — sussurrou ele, ainda mais baixo.
Fiquei de coração partido.
— Sinto muito. Não imaginei... — não achei as palavras enquanto ele olhava para minha
grama recém-cortada. A ideia de perder tanto o amor da minha vida quanto minha filha era
demais para mim, não consegui nem imaginar essa possibilidade.
— O jeito como ele rezava, a forma como escrevia o R ao contrário, os carrinhos de
brinquedo que ele desmontava para depois consertar...
A voz de Joseph estava trêmula, assim como seu corpo. Ele não se dirigia mais a mim. Nós
dois estávamos em mundos separados, feitos de nossas pequenas recordações, e, ainda assim,
conseguíamos sentir a dor um do outro. A solidão reconhecia a solidão. E hoje, pela primeira vez,
consegui enxergar o homem que ele era.
Vi a comoção em seus olhos quando ele colocou os fones de ouvido. Começou a varrer os
tufos de grama e não falou mais nada.
As pessoas da cidade achavam que ele era um idiota, e eu até entendia o porquê. Ele não
estava bem, sentia-se completamente destruído, mas eu não o culpava pela frieza. Na verdade,
eu meio que invejava a maneira como Joseph escapava da realidade, se desligava do mundo e
se fechava para tudo ao seu redor. Devia ser bom se sentir vazio de vez em quando. Só Deus sabe
que eu pensava em me desligar do mundo todos os dias, mas eu tinha Elizabeth para manter minha
sanidade.
Se eu a tivesse perdido, também abriria mão de todo o sentimento, de toda a dor.
Quando terminou tudo no jardim, Joseph permaneceu imóvel, mas sua respiração ainda
estava pesada. Ele me encarou com os olhos vermelhos e os pensamentos provavelmente
confusos. Enxugou a testa com a mão e pigarreou.
— Pronto.
— Quer tomar café? — perguntei. — Tem o suficiente pra nós dois.
Ele colocou o cortador de grama de volta na minha varanda.
— Não — e saiu, desaparecendo de vista. Fiquei lá, de pé, com os olhos fechados. Levei as
mãos ao coração e, por um breve momento, também me desliguei do mundo.
Gente estou vendo que os capítulo não estão tendo muitos comentários, porém as visualizações são muitas só peço que você comentem para eu saber se vocês estão gostando da história e as opiniões de vocês.