— Demi, você teve coragem de ir embora com a Elizabeth sem nem me ligar! — reclamou mamãe, muito irritada. Elizabeth e eu já tínhamos voltado há dois dias, e ela só estava ligando agora. Existiam apenas duas explicações para a atitude dela: ou estava muito magoada por termos ido embora e deixado só um bilhete, ou estava passeando pela cidade com algum desconhecido e havia acabado de chegar em casa.
Achei que a segunda opção fazia mais sentido.
— Sinto muito, mas você sabia que eu estava pensando em ir embora. Precisamos de um novo começo — tentei explicar.
— Um novo começo na sua velha casa? Isso não faz sentido.
Eu sabia que ela não ia entender, então mudei de assunto.
— Como foi o jantar com Roger?
— Richard — corrigiu ela. — Não finja que não sabe o nome dele. Foi incrível. Acho que encontrei o cara certo.
Revirei os olhos. Todos os homens que ela conhecia eram “o cara certo”, até que deixavam de ser.
— Você está revirando os olhos? — perguntou ela.
— Não.
— Está sim, não está? Às vezes você consegue ser tão grosseira...
— Mamãe, preciso ir para o trabalho — menti. — Posso ligar pra você depois?
Talvez amanhã.
Talvez na próxima semana.
Só preciso de um tempo.
— Tudo bem. Mas não se esqueça de quem ficou ao seu lado quando você não tinha ninguém, filhinha. É claro que os pais do Zachary devem estar ajudando, mas vai chegar o momento em que você vai perceber quem é sua verdadeira família e quem não é.
Nunca me senti tão aliviada por desligar o telefone.
De vez em quando, eu olhava para o jardim coberto de mato, tentando me lembrar de como era antes. Steven havia transformado aquele espaço em um lugar lindo; ele era um ótimo paisagista e cuidava dos mínimos detalhes. Eu quase conseguia sentir o aroma das flores que ele plantou — que, obviamente, estavam mortas agora.
— Feche os olhos — sussurrou Zachary, apoiando a mão nas minhas costas. Fiz o que ele pediu.
— Qual é o nome dessa flor? — perguntou.
O aroma chegou ao meu nariz, e eu sorri.
— Jacinto.
Abri um sorriso ainda maior quando senti seus lábios nos meus.
— Jacinto — repetiu ele. Eu abri os olhos, e ele colocou a flor atrás da minha orelha. — Pensei em plantar mais algumas perto do lago.
— É minha flor favorita.
— Você é a minha garota favorita.
Pisquei e, em um instante, estava de volta, sentindo falta do cheiro do passado.
Olhei para a casa do meu vizinho, seu jardim estava muito pior que o meu. A casa era toda de tijolos marrom-avermelhados, com colunas brancas de marfim dos dois lados. A grama estava dez vezes maior que a minha, e vi pedaços do que um dia foi um anão de jardim na varanda dos fundos da casa. Tinha um taco de beisebol de brinquedo, feito de plástico amarelo, escondido na grama alta junto com um pequeno dinossauro.
Uma mesa vermelha, toda descascada, estava ao lado de um galpão. Havia também algumas pilhas de madeira apoiadas ali, e me perguntei se alguém, de fato, já havia morado naquele lugar. Parecia mais abandonado do que nunca, e me preocupei com a sanidade do meu vizinho.
Atrás das casas do meu quarteirão ficava o bosque de Meadows Creek. Eu sabia que, bem mais adiante, quase escondido no meio daquela floresta sombria, havia um riacho que se estendia por vários quilômetros. A maioria das pessoas nem sabia que ele existia. Zachary e eu o descobrimos ainda nos meus tempos de faculdade. Na margem havia uma pequena pedra e, nela, estavam gravadas as iniciais ZE e DM. Fizemos isso no dia em que ele me pediu em casamento. Sem me dar conta, acabei entrando no bosque e me sentei em meio às árvores, encarando meu reflexo na água.
Uma respiração de cada vez.
Pequenos peixes nadavam ali tranquilamente, até que ouvi o som da água se agitando e percebi uma ondulação em sua superfície. Virei a cabeça em busca de alguma explicação e fiquei vermelha ao ver Joseph de pé ao lado do rio, sem camisa e vestindo apenas um short de corrida. Ele se abaixou e começou a lavar o rosto, passando os dedos pelos os cabelos. Olhei para ele de cima a baixo, para seu peitoral definido, e o vi jogar a água no corpo. Fiquei observando os músculos em seu corpo, incapaz de desviar o olhar.
A água escorreu do cabelo até o peitoral. E, de repente, fiquei imóvel. Será que ele sabia o quanto era bonito e, ao mesmo tempo, assustador?
Meu Deus, por quanto tempo posso continuar olhando esse homem, antes de ser politicamente incorreta?
Não sei, Demi. Vamos descobrir. Um, dois, três...
Ele não tinha me visto, e comecei a me afastar do riacho com o coração disparado, na esperança de que ele não percebesse minha presença.
Mas Zeus estava amarrado a uma árvore e, assim que me viu, começou a latir.
Droga!
Joseph olhou na minha direção com a mesma frieza de antes. Ele parou, e a água começou a escorreu do seu tórax até o cós do short. Continuei encarando-o e percebi que minha atenção estava voltada para o volume dentro de sua roupa. Ergui o olhar rapidamente de volta para seu rosto, que continuava sem se mover um centímetro sequer. Zeus continuou latindo e abanando o rabo, tentando se soltar da coleira.
— Você está me seguindo? — perguntou ele. As palavras foram ríspidas e diretas, sem dar margem à conversa.
— O quê? Não.
Ele ergueu a sobrancelha.
Continuei observando seu corpo. Ele notou meu olhar.
Que merda, Demi. Pare com isso.
— Desculpe — murmurei, meu rosto pegando fogo, tamanho constrangimento. O que ele estava fazendo ali?
Joseph olhou para mim sem sequer piscar. Ele poderia ter falado qualquer coisa, mas tive a impressão de que se divertia muito mais me deixando envergonhada e ansiosa. Era difícil olhar para ele. Parecia um homem devastado, mas cada uma das cicatrizes de sua existência me atraía.
Continuei observando-o enquanto ele tirava a coleira de Zeus da árvore e voltava pelo mesmo caminho que eu tinha vindo. Eu o segui, rumo à minha casa.
Ele parou.
Virou-se devagar.
— Pare de me seguir — sibilou.
— Não estou seguindo você.
— Está sim.
— Não.
— Está.
— Não, não, não!
Ele ergueu a sobrancelha de novo.
— Você parece uma criança de 5 anos.
Ele se virou e continuou andando. Também continuei. De vez em quando, ele olhava para mim e grunhia, mas não falou nada. Chegamos ao final da trilha, e ele e Zeus seguiram para o jardim maltratado ao lado da minha casa.
— Acho que somos vizinhos — observei, com uma risada sem graça.
O modo como Joseph olhou para mim me provocou um frio na barriga. Um desconforto persistia em meu peito, mas, por trás daquilo, eu ainda podia perceber aquela pontada familiar que eu sentia todas as vezes em que o encontrava.
Nós dois seguimos para nossas respectivas casas sem nos despedirmos.
***
Jantei sozinha à mesa da sala de jantar. Quando olhei pela janela, vi Joseph, também sentado
a uma mesa, comendo. A casa dele parecia muito escura e vazia. Solitária. Ele olhou pela janela
e me viu. Acenei e sorri para ele. Ele se levantou, foi até a janela e fechou a cortina.
Não demorei muito para perceber que as janelas dos nossos quartos ficavam uma de frente
para a outra, e ele fechou a cortina novamente, bem depressa. Liguei para checar se estava tudo bem com Elizabeth e, pelo barulho, deu para perceber que ela estava muito agitada. Provavelmente por ter comido muitos doces e por estar se divertindo muito na casa dos avós. Mais ou menos às oito da noite, sentei-me no sofá da sala, olhando para o nada e tentando não chorar, quando recebi uma mensagem de texto de Selena.
Selena: Você está bem?
Eu: Sim, estou.
Selena: Quer companhia?
Selena: Hoje, não. Cansada.
Selena: Tem certeza?
Eu: Quase dormindo…
Selena: Absoluta?
Eu: Amanhã.
Selena: Amo você.
Eu: Amo você.
O barulho de alguém batendo na porta assim que enviei a última mensagem não me surpreendeu. Eu tinha certeza de que Selena viria, porque ela sabia que, quando eu falava que estava bem, na verdade queria dizer o contrário. O que me surpreendeu foi ver outras pessoas além dela na minha porta. Amigos. Selena segurava a maior garrafa de tequila do mundo.
— Quer companhia? — ela riu.
Meu olhar foi do meu pijama para a garrafa de tequila.
— Com certeza
— Achei que você fosse bater a porta na nossa cara — falou uma voz familiar atrás de mim enquanto eu servia quatro shots na cozinha. Eu me virei e vi me observando, jogando para o alto a moeda que ele sempre trazia consigo. Eu me joguei em seus braços, abraçando-o bem apertado. — Oi, Demi — murmurou ele, retribuindo meu abraço com força.
Stephen era o melhor amigo de Zachary, e eles eram tão próximos que cheguei a pensar que meu marido iria me trocar por um homem. Ele era forte, tinha olhos azuis e cabelos escuros. Trabalhava na oficina mecânica do pai, que passou a administrar depois que ele ficou doente. Ele e Stephen tornaram-se melhores amigos quando dividiram o quarto no primeiro ano da faculdade. Apesar de Stephen ter desistido da universidade para trabalhar com o pai, ele e meu marido continuaram muito próximos.
Stephen deu um sorriso amigável e me soltou. Pegou dois shots, me passou um deles e bebemos juntos. Em seguida, ergueu os outros dois e fizemos o mesmo. Sorri.
— Sabe, essas quatro doses eram para mim.
— Eu sei. Só estou tentando poupar seu fígado.
Vi quando ele colocou a mão no bolso e pegou uma moeda. A mesma moeda que ele sempre girava entre os dedos. Era um hábito estranho que ele já tinha antes de nos conhecermos.
— Você ainda tem sua moeda.
— Nunca saio de casa sem ela — respondeu, rindo, antes de guardá-la no bolso.
Estudei seu rosto. Provavelmente ele não sabia disso, mas, de vez em quando, dava para ver a tristeza em seu olhar.
— Como você está?
Ele deu de ombros.
— É muito bom ver você de novo. Cara, faz tanto tempo. E você praticamente sumiu depois... — ele parou de falar. Ninguém sabia o que dizer sobre a morte do Zachary. O que eu achava bom.
— Agora estou de volta — fiz um gesto enquanto servia mais quatro shots. — Elizabeth e eu voltamos pra ficar. Só precisávamos de um tempo. Só isso.
— Você ainda dirige aquela lata-velha? — perguntou Stephen.
— Sim, com certeza — mordi o lábio. — Outro dia atropelei um cachorro.
— Não
Ele ficou boquiaberto.
— Verdade. O cachorro está bem, mas a droga do freio não funcionou direito e quase passei por cima dele.
— Vou cuidar disso pra você.
— Tudo bem, eu normalmente vou andando pra todos os lugares da cidade. Sem problemas.
— Vai ser um problema quando o inverno chegar.
— Não se preocupe, Stephen Michael Amell, vai dar tudo certo.
— Odeio quando você me chama pelo nome completo — disse ele, fazendo uma careta.
— É exatamente por isso que eu te chamo assim.
— Então vamos fazer um brinde — sugeriu ele. Selena veio correndo e pegou um dos copos.
— Adoro fazer brindes com tequila — ela soltou uma risada. — Ou vodca, uísque, rum, álcool…
Sorri, e nós três levantamos os copos. Stephen pigarreou:
— A velhos amigos e novos começos. Sentimos falta de você e da Elizabeth, Demi. Estamos muito felizes com o retorno de vocês. Que os próximos meses sejam mais fáceis, e que você nunca se esqueça de que não está sozinha.
Com um único movimento, viramos as doses rapidamente.
— Aqui vai uma pergunta aleatória. Eu queria mudar todas as fechaduras da porta. Você conhece alguém que possa fazer esse serviço?
— Sam, com certeza — respondeu Selena.
— Sam?
— Sabe aquele cara que eu tentei demitir pra contratar você? Aquele esquisitão do café? O pai dele tem uma loja, e ele trabalha meio período lá fazendo esse tipo de coisa.
— Sério? Será que ele me ajudaria?
— Claro que sim. Vou pedir pra ele te ajudar, caso contrário eu o demito novamente — Selena piscou. — Ele é esquisito, mas trabalha bem e é rápido.
— E desde quando você gosta de caras rápidos? — debochei.
— Às vezes, tudo que uma garota precisa é de um pau, uma cerveja e um reality show, tudo isso em meia hora. Nunca subestime o poder de uma rapidinha — retrucou Selena enquanto enchia seu copo e saía dançando para beber com meus outros amigos.
— Sua melhor amiga talvez seja a única mulher que conheço que pensa como um homem — brincou Stephen.
— Você sabia que ela e o Matty estão...
— Transando? Claro que sim! Depois que você foi embora ela precisava de uma amiga para despejar suas reclamações e decidiu que eu tinha uma vagina. Ela ia até a oficina todo dia falar do “Matty Grossinho”, o que aliás me deixava bastante constrangido.
— Você não se interessa pelos apelidos e sex-cionamentos dela? — soltei uma risadinha.
— Frankie Descamado? É sério? — perguntou ele.
— Selena não é de contar mentira.
— Coitado do Frankie.
Eu ri. Não sei se por causa do álcool ou porque ver Stephen me lembrava de coisas boas. Ele se sentou no balcão da cozinha e deu um tapinha ao seu lado, me convidando para sentar também. Aceitei na hora.
— Então, como está a senhorita Elizabeth?
— Moleca como sempre — respondi, pensando na minha garotinha.
— Igual à mãe — ele sorriu.
Bati de leve no ombro dele.
— Ainda acho que ela herdou isso do pai.
— Verdade. Ele dava muito trabalho. Lembra aquele Halloween em que ele achou que poderia lutar com todo mundo só porque estava vestido de ninja? Ele ficou dando aqueles gritinhos de ninja para quem se aproximava da gente, mas, em vez de ser um ninja de verdade, acabou com um olho roxo e nós três fomos presos — gargalhamos, lembrando como meu marido era terrível quando bebia.
— Se bem me recordo, você também nunca foi uma boa influência. Sempre bebia demais e virava um babaca, provocando as pessoas até elas baterem em Zachary.
— Verdade. Não sou flor que se cheire depois de algumas doses, mas Zachary me entendia. Droga, sinto falta daquele cretino — ele suspirou. Paramos de rir, e meus olhos se encheram de lágrimas, assim como os dele. Ficamos em silêncio, sentindo saudades. — Bom — disse Stephen, mudando de assunto. — O jardim está uma merda. Posso cortar a grama se você quiser. E aumentar um pouco a cerca, também para você ter mais privacidade.
— Não precisa. Na verdade, eu mesma quero cuidar disso. Estou trabalhando só meio período, e vai ser bom ter o que fazer enquanto não encontro um emprego fixo.
— Você pensou em voltar a trabalhar com decoração?
A pergunta da semana. Dei de ombros.
— Não pensei muito neste último ano.
— Entendo. Tem certeza de que não quer uma mãozinha aqui? Não seria problema nenhum pra mim.
— Tenho, sim. Cheguei ao ponto em que preciso começar a fazer as coisas sozinha, sabe?
— Sei. Mas acho que você deveria dar uma passada na oficina no domingo. Queria te dar uma coisa.
— Um presente? — sorri.
— Mais ou menos.
Cutuquei o ombro dele com o meu e disse que poderíamos nos encontrar qualquer dia desses. Perguntei se Elizabeth poderia ir junto.
Ele concordou, olhou para mim e perguntou baixinho:
— Qual é a pior parte?
Essa era fácil de responder.
— Tem horas que Elizabeth faz algo muito engraçado, e eu chamo Zachary pra ver. Depois, paro e lembro. — A pior parte de perder uma pessoa amada é que você também se perde. levei o dedo à boca e comecei a roer a unha. — Chega de falar de tristeza. E você? Ainda namorando Patty?
Ele se encolheu.
— Nós não nos falamos mais.
Não fiquei surpresa. Stephen levava os relacionamentos tão a sério quanto Selena.
— Bem, somos parecidos e tristes.
Ele riu e ergueu a garrafa de tequila, servindo mais um shot.
— Um brinde a nós.
O resto da noite meio que passou batido. Lembro que ri de coisas que não eram engraçadas, chorei por coisas que não eram tristes e foi a melhor noite que tive nos últimos tempos. Quando acordei na manhã seguinte, estava deitada na minha cama sem saber como tinha chegado lá. Eu não dormia ali desde o acidente. Peguei o travesseiro de Zachary e o abracei. Senti o cheiro da fronha de algodão e fechei os olhos. Eu não podia mais negar que aquela era a minha casa, mesmo que não sentisse isso naquele momento. Essa era minha nova normalidade.
E esse encontro dos dois de novo? Agora eles sabem que são vizinhos um do outro e a Demi safadinha olhando para o corpo nu do Joseph kkkkkkkkkkkkk
Stephen parece ser um cara legal, mais com o tempo vocês irão ver quem ele realmente é!!! Sofro com essas lembranças da Demi com o Zachary :(
Então gostaram? Me contem aqui nos comentários e até o próximo!!!
bjs lindonas <3
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