24/07/2016

certain love: capítulo 27


Desta vez, vamos de Chevelle. Joseph bateu os olhos nas minhas sandálias e entendeu que eu não conseguiria andar até Algiers calçando esses saltos, e ele não estava a fim de me carregar e carregar o violão. Pegamos a rodovia em vez do ferry , cruzamos o Mississippi e chegamos ao anoitecer. Andar o resto do caminho até o Old Point, como fizemos da primeira vez, teria sido melhor, porque agora, à medida que nos aproximamos, sei que vamos chegar muito rápido.
Estou começando a sentir náuseas.
Estacionamos na Olivier Street e saímos do carro. Meus pés ficam colados na estrada.
Joseph vem para o meu lado e me puxa para os seus braços, me apertando delicadamente.
— Não vou te obrigar a fazer isso - ele diz, mudando de ideia. Tenho certeza de que pareço prestes a botar para fora o almoço tardio que comemos há pouco tempo.
Me afastando do seu peito, ele pega meu rosto em suas mãos e me olha nos olhos.
— É sério, amor, sem brincadeira agora. Não quero que faça isso, nem mesmo por mim, se você não quer de jeito nenhum.
Balanço a cabeça, nervosa, e inspiro profundamente; meu rosto ainda está em suas mãos.
— Não, eu consigo - digo, ainda balançando a cabeça, tentando concentrar minha coragem. — Eu quero fazer.
Ele acaricia minhas bochechas com seus polegares.
— Tem certeza?
— Tenho.
Joseph sorri para mim com aqueles olhos esverdeados que começo a achar que estão me enfeitiçando de alguma maneira e pega a minha mão. Ele pega o violão do banco de trás e entramos juntos no Old Point.
— Jonas! - Jennifer exclama de trás do balcão. Ela levanta a mão e acena para que nos aproximemos.
Ainda de mãos dadas comigo, Joseph ziguezagueia em meio à multidão na direção dela. A TV atrás da cabeça de Jennifer está passando comerciais, sua luz cria um brilho branco ao redor da mulher.
— Ei, Jennifer - Joseph diz, se debruçando por cima do balcão para abraçá-la. — Tom tá aí hoje?
Ela põe as mãos na cintura e sorri para mim.
— Com certeza - diz. — Ele tá por aí em algum lugar. Olá, Demi, é bom te ver de novo.
Sorrio para ela em resposta.
— Você também.
Joseph se senta num banco do bar e indica o banco ao lado. Eu me sento, nervosa. Só consigo pensar em quanta gente há neste lugar. Meus olhos percorrem o salão desconfortavelmente, vendo muitas cabeças balançando e pessoas de pé, agora que a banda voltou a tocar. À medida que a música adquire força, Joseph e Jennifer praticamente gritam um com o outro por cima do balcão.
— Tem espaço pra gente hoje? - Joseph pergunta.
Joseph se debruça mais para perto dela.
— Pra gente? - diz, me olhando de relance. — Uau, vocês dois vão cantar? - ela parece empolgada.
Meu coração acaba de abandonar seu posto e cair para os joelhos.
Engulo em seco um nó de nervosismo olhando para os dois, mas outro se forma imediatamente em seu lugar.
Jennifer inclina a cabeça para o lado, e seu sorriso, já enorme, fica mais carinhoso.
— Ah, querida, você vai fazer bonito, não precisa ficar nervosa, todos vão adorar
você. 
Ela mexe atrás do balcão e pega um copo pequeno. Um homem está sentado no balcão ao meu lado, obviamente um cliente assíduo, já que não precisa nem pedir e Jennifer já está servindo sua bebida.
Mas ela continua dando mais atenção a nós dois.
— Tô tentando falar isso pra ela - Joseph diz. — Mas é a primeira vez dela, então preciso dar um desconto.
— A primeira e última vez - corrijo.
Jennifer sorri secretamente para Joseph e depois me diz: — Bom, não sou a favor da violência, mas se alguém aqui te der trabalho me chama que eu jogo da porta pra fora, do jeito que fazem nos filmes - ela pisca para mim e se vira novamente para Joseph.
— Olha lá o Tom - ela diz, acenando na direção do palco.
Tom está andando pela multidão, usando o mesmo tipo de roupa da última vez que o vi: camisa branca, calça preta, sapatos pretos de verniz e um sorriso grande e enrugado.
— Olha só, Jonas! - Tom diz, agarrando a mão de Joseph e puxando-o para um abraço. - depois olha para mim. — Menina! Você tá igualzinha a uma capa de revista! - e também me abraça. Ele cheira a uísque barato e cigarro, mas me sinto reconfortada mesmo assim, por alguma razão.
Joseph está sorrindo de orelha a orelha.
— Demi vai cantar comigo hoje - diz, todo orgulhoso.
Tom arregala os olhos, que se tornam grandes bolas brancas cheias de empolgação, incrustadas no pano de fundo marrom-escuro de sua pele. Isso deveria me deixar mais nervosa, como quando Jennifer ficou sabendo, mas a presença de Tom está ajudando a me acalmar, na verdade. Talvez eu devesse algemá-lo ao meu pulso enquanto canto.
— Claro - Tom diz com um sorriso. —  Aposto que tua voz é tão bonita quanto o resto.
Eu fico bem vermelha.
— Então sobe lá! - ele aponta para o palco. — Assim que eles acabarem essa música!
Joseph pega a minha mão e me puxa para o seu lado. Sinto que Tom é como outro pai para Joseph, e Joseph está feliz por ele gostar tanto de mim.
Tom vai até o palco e ergue três dedos para nós.
— Mais três minutos!
— Ai meu Deus, tô tão nervosa!
É, Tom devia ter ficado por perto.
A mão de Joseph aperta a minha. Ele se aproxima do meu ouvido.
— Lembre-se do seguinte: toda essa gente tá só curtindo aqui, ninguém tá aqui pra te julgar, você não tá no American Idol.
Respiro fundo para relaxar.
Ouvimos a banda terminando sua última canção e então a música para, seguida pelo costumeiro som dos instrumentos sendo transportados, afinados ou batendo nas coisas ao serem carregados. Uma onda de vozes tagarelantes fica mais forte sem a música para abafá-la, tomando conta do espaço como um zumbido amplificado e irregular. Uma grossa nuvem de fumaça de cigarro faz o ar parecer abafado, junto com todos os corpos espremidos no recinto.
Quando Joseph vai me puxar para o palco, minhas mãos começam a tremer e eu olho para baixo, notando que minhas unhas estão cravadas na pele dos nós dos dedos dele.
Ele sorri com ternura e eu o acompanho.
— Tô legal? - sussurro para ele.
Se eu conseguir fazer isso sem ter um ataque de ansiedade, vou ficar surpresa.
— Amor, você tá perfeita.
Ele beija a minha testa e encosta o violão na bateria para posicionar o microfone.
— A gente vai usar o mesmo microfone - Joseph diz. — Mas vê se não me dá uma cabeçada.
Estreito os olhos para ele.
— Não tem graça.
— Não tô fazendo graça - ele diz, rindo baixinho. —  Tô falando sério.
Várias pessoas da plateia já estão olhando para nós, mas a maioria está ocupada com outras coisas. Não posso fazer nada senão ficar ali de pé, e só isso já está me deixando mais nervosa. Joseph pelo menos pode se preocupar com o violão. Eu fico só ruminando os pensamentos na minha cabeça.
— Você tá pronta? - ele pergunta ao meu lado.
— Não, mas vamos acabar com isso de uma vez.
Olhamos um para o outro e ele mexe a boca sem som: — Um. Dois. Três...
Cantamos juntos:
— Ooooh... oooh... oooh...oooh! - pausa de um segundo. — Ooooh... oooh... oooh...oooh!
Violão.
Dezenas de cabeças viram ao mesmo tempo, e o burburinho cessa como uma torneira que se fecha.
Enquanto Joseph toca o primeiro compasso e está se preparando para cantar a primeira estrofe, estou tão apavorada por dentro que sinto que não consigo mover nada além dos olhos. Mas quanto mais ele toca, mais meu corpo não consegue deixar de se mover no ritmo da música.
Praticamente todos os presentes já estão balançando a cabeça, acompanhando o
som.
Joseph começa a cantar a primeira estrofe.
E depois, brevemente juntos de novo:
— Ooooh...
Então vem o refrão e nós dois cantamos a letra, e sei que vou ter que soltar um
agudo em...
Consegui!
Joseph sorri muito para mim ao entrar direto na estrofe seguinte, já dedilhando o violão sem errar um acorde, como se soubesse tocar a canção desde criança. A plateia está realmente entrando na onda. Pessoas balançam a cabeça umas para as outras, como quem diz: Eles são muito bons, e sinto meu rosto se iluminar quando começo a cantar minha parte com Joseph de novo, e cada vez com mais confiança. Estou movendo meu corpo com mais naturalidade no ritmo da música agora, e acho que perdi quase completamente o medo, mas meu solo... ai meu Deus, agora vem o meu solo...
Joseph me olha nos olhos, como se estivesse usando o olhar para se concentrar e ficar calmo enquanto toca o violão.
Ele para junto com a música e bate no corpo do violão antes do meu primeiro verso, dedilha a guitarra e para de novo, batendo no violão depois do segundo e assim por diante, até que canto minha última nota e Joseph começa a tocar a todo o volume de novo enquanto me diz num sussurro:
— Impecável - e começa a cantar de novo. Ele está sorrindo tanto. Eu também. Juntos nossos rostos e soltamos a voz no microfone durante a parte mais
rápida.
— Woooh... ooooh... ooooh!
O violão fica mais lento e cantamos o último refrão juntos, baixinho, e ele me beija na boca depois que ambos dizemos:
— ... soul... - e a canção acaba.
A plateia explode em aplausos e gritos. Ouço até um cara dizendo: — Mais um! - de algum lugar ao fundo.
Joseph me puxa para perto e me beija de novo, apertando os lábios com força nos meus na frente de todos.
— Caramba, amor, você foi demais! - seus olhos estão brilhando, todo o seu rosto está iluminado por eles.
— Não acredito que consegui! - estou praticamente gritando com ele, porque as vozes ao nosso redor estão muito altas.
Estou arrepiada da cabeça aos pés.
— Quer cantar de novo? - ele pergunta.
Engulo em seco.
— Não, não tô pronta! Mas fico feliz por ter cantado uma vez!
— Tô tão orgulhoso de você!
Alguns caras mais velhos se aproximam, segurando cervejas. O barbudo diz: — Você tem que dançar comigo! - ele ergue os braços e faz uma dancinha embaraçosa.
Fico vermelha e vejo os olhos de Joseph sorrindo.
— Mas não tem música! - digo para o homem.
— Não tem o cacete! - ele aponta para alguém do outro lado do salão, e alguns segundos depois a jukebox perto da máquina de venda automática e de um jogo de fliperama começa a tocar.
Estou tão empolgada por ter conseguido cantar a música no palco que isso, e também o sentimento de culpa caso eu recusasse, torna obrigatório dançar com esse cara.
Olho mais uma vez para Joseph e ele pisca para mim.
O barbudo pega a minha mão, segura-a acima da minha cabeça e eu rodopio instintivamente. Danço com ele duas músicas antes de Joseph “me salvar” entrando suavemente no meio de nós e apertando ao máximo meu corpo contra o seu, mexendo os quadris encostados nos meus. Suas mãos estão na minha cintura.
Dançamos e tagarelamos com várias pessoas e até jogamos dardos com Jennifer antes de finalmente ir embora, depois da meia-noite.
No caminho de volta, Joseph me olha e diz:
— E então, como se sente? - seus lábios formam um sorriso experiente.
— Você tinha razão - respondo. — Me sinto... sei lá, diferente, mas de um jeito bom, nunca pensei que eu fosse fazer uma coisa dessas.
— Bom, fico feliz por você ter feito - ele sorri com ternura.
Solto meu cinto de segurança e vou para perto de Joseph. Ele passa o braço em volta de mim.
— E então, que tal amanhã à noite?
— Hã?
— Quer cantar amanhã à noite?
— Não, acho que não consigo...
— Tá, tudo bem - ele diz, esfregando meu braço. — Uma vez já é mais do que eu esperava, então não vou ficar te enchendo.
— Não - digo, erguendo o corpo e me virando para olhá-lo. — Sabe de uma coisa? Eu quero, sim. Quero cantar de novo.
Seu queixo recua num movimento de surpresa.
— Sério?
— Sério, sim - abro um sorriso cheio de dentes.
Ele faz o mesmo.
— Tudo bem - diz, batendo de leve no volante. — Vamos cantar amanhã. 
Joseph me leva de volta para o hotel e transamos no chuveiro antes de irmos para a cama.
Ficamos em Nova Orleans mais duas semanas, tocando no Old Point e depois passando por vários outros bares e clubes por toda a cidade. Um mês atrás, cantar e me apresentar ao vivo em clubes estava tão no final da lista de coisas que eu conseguia me imaginar fazendo que pareceria ridículo, mas de repente, lá estava eu cantando a plenos pulmões Barton Hollow e algumas outras canções nas quais eu podia ficar na sombra de Joseph e não ser o centro das atenções. Mas todos nos adoravam. Tantas pessoas nos paravam depois de cada apresentação, apertavam nossas mãos e perguntavam se podíamos cantar esta ou aquela música, mas Joseph sempre recusava. Ainda fico nervosa demais com esse negócio para conseguir atender a pedidos. E para minha estarrecedora surpresa, mais de um desconhecido pediu meu autógrafo e uma foto ao meu lado. Deviam estar simplesmente muito bêbados. Resolvi acreditar nisso, porque qualquer outra coisa seria esquisita demais.
No final daquelas duas semanas, Joseph tinha uma nova banda favorita para acrescentar à sua lista. Ele adora The Civil Wars tanto quanto eu. E noite passada, nossa última noite em Nova Orleans, ficamos deitados juntos, cantando Poison & Wine junto com o celular ao lado da cama... e... por meio dessa letra, acho que dissemos coisas que queríamos dizer um ao outro...
Acho que dissemos...
Chorei baixinho até dormir em seus braços.
Eu morri e fui para o céu. Sim... acho que finalmente morri.

Para mim esse foi o melhor capítulo!!! O que acharam?
Comentem e até o próximo, bjs lindonas <3

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