29/07/2016

certain love: capítulo 30


Nossa primeira parada é o lugar onde Joseph deixou seu Camaro 1969, e eu vejo meu primeiro texano estereotipado quando paramos na oficina onde Joseph aparentemente costumava trabalhar. 
— Você sabe que eu te demiti, né? - diz um homem alto de chapéu e botas pretas de caubói, saindo para nos receber. Ele estava dentro da oficina, falando com outro homem que tem mais cara de mecânico. 
Ele aperta a mão de Joseph e o puxa para um abraço de macho, batendo em suas costas. 
— Sei, sim - Joseph diz, batendo nas dele. — Mas tive que fazer o que eu tinha que fazer. Joseph se vira para mim. 
— Billy, esta é minha namorada, Demi. Demi, este é meu ex-chefe, Billy Frank. 
Meu coração pulou quando ele me chamou de sua namorada. Ouvir isso com certeza teve um efeito maior sobre mim do que eu imaginava que poderia ter. 
Billy estende uma mão suja de óleo e calejada e eu a aperto sem hesitação. 
— Prazer em conhecer você - sorrio. 
Ele sorri também, seus dentes são tortos e amarelados, provavelmente por muitos anos de vício em café e cigarro. 
— Mas que belezinha - Billy diz, sorrindo para Joseph. — Eu também largava meu emprego por uma garota assim - ele dá um soco amigável no braço de Joseph. 
Voltando a me olhar, ele pergunta: 
— Ele tá te tratando direito? Esse moleque tem uma língua, que se ele morder morre envenenado. 
Rio baixinho e digo:
 — É, a língua dele é fogo. Mas ele me trata maravilhosamente. 
Os olhos de Joseph sorriem para mim ao meu lado. 
— Bom, se ele te der trabalho, já sabe onde me encontrar. Ninguém aqui consegue botar esse cara nos eixos como eu - ele sorri para Joseph. 
— Obrigada, vou me lembrar disso. 
Deixamos Billy Frank, atravessamos a oficina e saímos por uma porta lateral que leva a uma área cercada onde ficam os carros. Sei imediatamente qual é o de Joseph, embora jamais o tenha visto, a não ser camuflado no tronco da árvore da tatuagem dele.
É o mais bonito de todos. Cinza-escuro com duas faixas pretas no meio do capô. É bem parecido com o Chevelle do pai dele. Andamos por um labirinto de carros e ele abre a porta do motorista, depois de verificar a lataria dos dois lados, da frente até a traseira. 
— Se ela não estivesse precisando de alguns consertos quando decidi não ir de avião pra Wyoming - Joseph diz, correndo os dedos pela porta. — Eu teria ido dirigindo, em vez de pegar aquele ônibus. 
— Bom, não quero falar mal da tua garota aqui -  digo, sorrindo e dando tapinhas no capô. — Mas fico feliz por ela não ter podido te levar. 
Joseph me olha com o rosto iluminado, da mesma forma que o vejo cada vez mais todo dia. — Também fico feliz - ele diz. 
Por um breve momento, penso onde nós dois estaríamos agora se isso tivesse acontecido, se nunca tivéssemos nos conhecido. Mas um momento breve já é tempo demais, porque pensamentos assim me embrulham o estômago. Não consigo imaginar não tê-lo conhecido. Nem quero.
— Então a gente vai nesse, não no Chevelle? 
Joseph morde a bochecha por dentro, pensativo. Ele fica na frente da porta aberta, com a palma da mão no teto do carro, dá um tapinha leve e olha para mim. 
— O que você acha? O que você prefere, gata? 
É minha vez de morder a bochecha por dentro contemplativamente. Eu não achava que seria eu a decidir. Chego mais perto do carro e olho para dentro, verifico os bancos esportivos de couro e... bem, é a única coisa que verifico. 
— Sinceramente? - pergunto, cruzando os braços. 
Ele balança a cabeça. 
Olho para o Camaro novamente, ponderando a questão. 
— Eu meio que gosto do Chevelle - digo. — Adoro este carro, é muito irado, mas acho que tô mais acostumada com o outro - para reforçar meu argumento, aponto para os bancos. — E como vou deitar a cabeça no teu colo, ou dormir na frente, com bancos assim? 
Joseph sorri delicadamente e acaricia o teto do carro, como que para lhe garantir que não é nada pessoal. 
Ele dá mais um tapinha e fecha a porta. 
— Então a gente vai de Chevelle - diz. — Mais tarde venho buscar esta caranga e deixar em casa. 
Joseph me leva para comer fora e para alguns lugares variados que ele gosta de frequentar em Galveston Island. E então, depois do horário de pico, recebe um telefonema da sua mãe. 
— Tô nervosa - digo do lado do passageiro, quando nos aproximamos da casa dela. 
Ele franze as sobrancelhas, me olhando de alto a baixo, e diz: — Não precisa, minha mãe vai adorar você - ele volta a olhar para a estrada. — Ela não é uma daquelas peruas de nariz empinado que acham que mulher nenhuma serve pro filho delas.
— Que alívio. 
— E até se fosse - ele diz, sorrindo para mim. — Iria adorar você do mesmo jeito. 
Dobro as mãos no colo e sorrio. Não importa, ele pode dizer quanto quiser que ela é um doce, não vai ajudar nada a acalmar essa sensação nervosa no meu estômago. 
— Você vai contar pra ela? - pergunto. 
Ele olha para mim. 
— O que, que a gente vai embora? 
— É. 
Ele balança a cabeça. 
— Vou contar, senão ela vai se preocupar tanto comigo que vai precisar fazer terapia. 
— O que você acha que ela vai dizer? 
Joseph dá uma risadinha. 
— Eu tô com 26 anos, gata. Moro sozinho desde os 19. Ela vai ficar bem. 
— Bom, só tô falando... sabe... do motivo de você ir embora e do que a gente pretende fazer exatamente - desvio o olhar para o para-brisa. — Não é como fazer as malas e se mudar pra outra cidade, até minha mãe aguentaria essa notícia. Mas se eu contasse pra ela que pretendo viajar pra todo lugar e que vou fazer isso com um cara que conheci num ônibus, provavelmente ela ia ficar meio bolada. 
— Provavelmente? - Joseph pergunta. — Tipo, se você contar? 
Olho para ele. 
— Não, eu vou contar, com certeza. Como você, também acho que ela precisa saber... mas, Joseph, você entendeu o que eu quis dizer. 
— Entendi, sim, gata - ele diz, dando seta para a esquerda e virando num semáforo. — E você tá certa, não é exatamente normal - então ele abre um sorriso para mim, e isso instantaneamente me faz sorrir também. — Mas esse não é um dos motivos pra gente querer fazer isso? Porque não é normal? 
— É, sim. 
— Claro que o maior motivo é quem vai me acompanhar - ele acrescenta. 
Eu fico vermelha. 
Mais duas quadras de casas aconchegantes e suburbanas e calçadas brancas com crianças pedalando suas bicicletas e chegamos à entrada da casa da mãe de Joseph. 
É uma casa térrea, com um belo jardim florido ao redor de toda a fachada, e dois arbustos verdejantes dos dois lados da calçada que vão até a porta. O Chevelle ronrona ao entrar, parando atrás de um carro de família branco de quatro portas, estacionado dentro da garagem escancarada. Eu me olho rapidamente no retrovisor para me certificar de que não estou com meleca no nariz ou alface nos dentes, do sanduíche de frango que comi, e Joseph dá a volta e abre a porta para mim. 
— Ah, saquei - brinco com ele. — Você só abre a porta do carro pra mim quando a mamãe pode estar olhando. 
Ele estende a mão e faz uma reverência dramática. 
— Vou abrir a porta pra você de agora em diante, se você gosta dessas coisas, milady... mas... - ponho minha mão na dele, sorrindo para o espetáculo. — Não pensei que você fosse desse tipo. 
— Ah, é? - digo, com um sotaque britânico horrível, erguendo mais o queixo. — E que tipo pensou que eu fosse, sr. Jonas? 
Ele fecha a porta e passa o braço pelo meu, mantendo as costas eretas e o queixo erguido. 
— Pensei que você fosse do tipo que tá se lixando, contanto que a porta abra quando você quer sair. 
Eu rio. 
— Bom, você acertou - digo, e me encosto no ombro dele enquanto vamos para a porta dentro da garagem. 
A porta se abre para a cozinha e o cheiro de carne de panela. Eu penso: ela já teve tempo pra fazer carne de panela? Mas então vejo a panela elétrica com timer sobre o balcão. Joseph dá a volta no balcão comigo e entra na sala de estar, quando uma bela mulher de cabelos negros surge de um corredor.
— Que bom que você chegou - ela diz, abraçando-o forte, praticamente esmagando-o com seu corpinho. Joseph deve ser uns 8 centímetros mais alto que ela. Mas vejo a quem ele puxou os olhos esverdeados e as covinhas. 
Ela sorri para mim do jeito mais acolhedor do mundo e, para minha surpresa, me abraça também. Retribuo o abraço, apertando meus braços na vertical nas costas dela. 
— Você deve ser Demi - ela diz. — Sinto que já conheço você.
Isso me parece estranho. Eu nem sabia que ela existia até hoje. Olho disfarçadamente para Joseph e seus lábios se curvam num sorriso furtivo. Acho que ele teve muitas oportunidades de falar de mim enquanto estávamos na estrada, especialmente antes de ficarmos no mesmo quarto, mas o que mais me surpreende é saber que ele falou tanto de mim para ela. 
— Prazer em conhecê-la, senhora... - arregalo os olhos quando me viro para Joseph para informá-lo que vou chutar sua canela mais tarde, por ele não ter me dito o nome da mãe dele antes. Aperto os lábios, furiosa, mas ele continua apenas sorrindo.
— Pode me chamar de Denise - ela diz, abaixando os braços e segurando minhas mãos. Ela levanta minhas mãos com as dela, sempre me olhando com aquele sorriso radiante. — Vocês já jantaram? - ela pergunta, olhando para Joseph e depois para mim. 
— Sim, mãe, a gente comeu alguma coisa mais cedo. 
— Ah, mas vocês precisam comer. Fiz carne de panela e uma caçarola de vagem - ela solta só uma das minhas mãos, mantendo a outra delicadamente apertada na sua, e a sigo para outra sala, onde uma TV gigante está montada em cima de uma lareira. — Podem sentar que vou fazer um prato pra vocês.
— Mãe, ela não tá com fome, pode acreditar. 
Joseph aparece atrás de nós. 
Minha cabeça já está rodando um pouco. Ela sabe de mim, aparentemente o suficiente para sentir que já me conhece. É tão gentil e cheia de sorrisos como se já me amasse. 
Sem falar que segurou minha mão, não a de Joseph, para me levar pela casa. Será que perdi alguma coisa, ou ela é a pessoa mais doce e de personalidade mais encantadora do planeta? Bem, seja como for, sinto o mesmo por ela. 
Ela me olha e inclina a cabeça para um lado, esperando que eu diga algo. Fico um pouco constrangida, porque não quero magoá-la, e digo: — Obrigada pelo convite, mas acho que não consigo comer nada agora. 
Seu sorriso se abranda.
— Bom, então que tal uma bebida? 
— Perfeito, tem chá? 
— Claro - ela diz. — Com açúcar, sem, sabor limão, pêssego, framboesa? 
— Só com açúcar está ótimo, obrigada. 
Eu me sento na almofada do meio do sofá cor de vinho. 
— Querido, você quer o quê? 
— O mesmo de Demi. 
Joseph se senta ao meu lado, e antes de sair e voltar para a cozinha, ela nos olha por um momento, sorrindo, como se estivesse pensando alguma coisa em silêncio. E então desaparece. 
Eu me viro rapidamente para Joseph e cochicho: — O que você falou de mim pra ela? 
Joseph sorri. 
— Nada de mais - ele diz, tentando parecer casual, mas sem conseguir. — Só que conheci uma garota doce e inimaginavelmente sexy, boca-suja e que tem uma pintinha na parte de dentro da coxa esquerda. 
Dou um tapa na perna dele. Seu sorriso só aumenta. 
— Não, gata - ele diz, falando sério agora. — Só falei pra ela que te conheci no ônibus e que a gente tá junto desde então - ele passa a mão na minha coxa para me reconfortar. 
— Parece que ela gosta demais de mim pra você ter contado só isso. 
Joseph dá discretamente de ombros, e então sua mãe volta para a sala com dois copos de chá. Ela os coloca à nossa frente na mesinha de centro. O vidro dos copos é decorado com pequenos girassóis amarelos. 
— Obrigada - digo e tomo um gole, pousando o copo de volta delicadamente. Procuro um descanso de copo sobre a mesinha para apoiá-lo, mas não há nenhum. 
Ela se senta na poltrona que faz jogo com o sofá à nossa frente. 
— Joseph falou que você é da Carolina do Norte. 
Ahan... foi só isso que ele contou, o caramba! Posso sentir que ele está rindo por dentro, consigo até ouvir. Ele sabe que não posso fuzilá-lo com o olhar, nem lhe dar um tapão, nem fazer nada que normalmente eu faria. Apenas sorrio como se ele não estivesse sentado ao meu lado. 
— Sim - respondo. — Nasci em New Bern, mas morei quase a vida toda em Raleigh - eu tomo outro gole. 
Denise cruza as pernas e dobra as mãos com anéis no colo. Suas joias são simples, só dois aneizinhos em cada mão, brincos pequenos de ouro e um colar combinando por cima dos botões de sua blusa branca. 
— Minha irmã mais velha morou em Raleigh por 16 anos antes de voltar pro Texas, o estado de vocês é lindo. 
Apenas concordo com a cabeça e sorrio. Acho que era um assunto só para quebrar o gelo, porque fica um silêncio embaraçoso no ar agora, e noto que ela olha muitas vezes de relance para Joseph. E ele não diz nada. O silêncio está me dando uma sensação estranha, como se eu fosse a única pessoa presente que não sabe o que os outros estão pensando. 
— Então, Demi - Denise diz, tirando os olhos de Joseph. — Aonde você estava indo quando conheceu Joseph? 
Que legal, eu não esperava isso. Não quero mentir, mas a verdade não é exatamente algo que possa ser mencionado casualmente ao tomar chá com alguém que você acaba de conhecer. Joseph toma um grande gole de chá e põe o copo sobre a mesa. 
— Ela tava mais ou menos no mesmo barco que eu - ele responde por mim, e fico muda com o choque. — Eu tava fazendo hora na estrada, Demi tava a caminho do nada, e por coincidência fomos parar no mesmo lugar. 
Os olhos de Denise se iluminam de curiosidade. Ela inclina o queixo para um lado, olha primeiro para mim, depois de novo para Joseph, depois para nós dois. Há algo meigo, mas muito misterioso em seu rosto, e não o ceticismo confuso que eu esperava. 
— Bom, Demi, quero que saiba que fico muito feliz que vocês tenham se conhecido. Parece que sua companhia ajudou Joseph a enfrentar momentos muito difíceis. 
Seu sorriso luminoso perde um pouco o brilho depois desse comentário, e de soslaio percebo que Joseph a olha cautelosamente. Pelo jeito ela já falou o suficiente, ou talvez ele tema que ela vá dizer alguma coisa constrangedora na minha frente. 
Me sentindo um pouco desconfortável por ser a única que obviamente não tem todas as informações, forço um sorrisinho só para o benefício da mãe de Joseph. 
— Bem, a gente se ajudou muito, pra ser sincera - digo, sorrindo mais agora, porque estou dizendo a verdade. 
Denise bate de leve nas coxas com as palmas das mãos, abre um sorriso feliz e se levanta. 
— Preciso dar um telefonema - ela diz, gesticulando. — Esqueci completamente de avisar Nicholas sobre a moto que ele quer comprar do sr. Sanders. Melhor ligar pra ele antes que eu me esqueça de novo, me deem licença um minutinho. 
Seus olhos pousam discretamente em Joseph antes que ela saia da sala. Eu vi, com certeza nenhum dos dois acha que não sei que mais alguma coisa está acontecendo que eu obviamente não tenho como saber. Não sei se ela não gostou de mim e está disfarçando para não deixar Joseph constrangido, ou se é algo completamente diferente. 
Isso está me deixando louca, e não estou mais tão calma quanto fiquei ao conhecê-la. 
E para confirmar, alguns segundos depois que ela sai da sala, Joseph se levanta. 
— O que tá acontecendo? - pergunto baixinho. 
Joseph olha para mim e sinto que ele sabe que não vou ignorar isso eternamente. Ele tem plena consciência de que fui mais observadora do que ele gostaria que eu fosse. 
Seus olhos examinam meu rosto, mas ele não sorri, apenas me olha como alguém olha para uma pessoa antes de se despedir dela. Então ele se curva e me beija. 
— Não tá acontecendo nada, gata - ele diz, decidindo agora ser o Joseph sorridente e brincalhão que conheço tão bem, mas não engulo isso. Sei que ele está mentindo, e de jeito nenhum vou deixar passar. Vou relevar por enquanto, enquanto estamos aqui, mas depois é outra história. 
— Volto já - ele diz, e sai por onde sua mãe saiu. 

Porque será que a mãe do Joseph está tão estranha? Algum palpite? O capítulo tem continuação...
Gostaram? Preciso dizer que a história já está quase chegando ao fim :(
Comentem e até o próximo, bjs lindonas <3

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