15/11/2018

27. ricky


Algumas semanas se passaram desde que voltei para True Falls para ficar com Nicholas. Nesse período, ele passou por duas sessões de quimioterapia e parecia estar bem, embora um pouco rabugento. Ele ficava meio irritado com Dallas ajudando-o com os remédios e perguntando se estava tudo bem a cada segundo todos os dias. Ela pegava muito no pé dele e, para ser sincero, eu me sentia aliviado com isso. Eu sabia que o jeito insistente dela o incomodava, mas saber que ele estava sendo tão bem-cuidado me trazia um pouco de paz.
Era para o casamento ter acontecido no último fim de semana, mas eles adiaram para o
mês que vem. Eu me perguntei quantas vezes iriam trocar a data e reorganizar tudo. Eu sabia que Nicholas estava adiando o casamento por causa da doença.
Na quinta-feira, ele me deu dinheiro para ir comprar comida para nossa mãe. Quando fui
à casa dela, levei também material de limpeza. O lugar estava um lixo. Minha mãe parecia
desmaiada no sofá, e eu não me dei ao trabalho de acordá-la. Quando dormia, ela não usava drogas.
Ela parecia um anjinho, e isso era muito louco. Era como se os demônios em sua mente
estivessem descansando e o seu verdadeiro eu finalmente viesse à tona. Abasteci a geladeira
e os armários com mantimentos com prazo de validade prolongado. Eu não sabia se minha
mãe estava se alimentando bem, mas, dessa forma, ela teria coisas para comer por algum tempo.
Também fiz uma lasanha. Uma das minhas recordações favoritas dela foi quando decidiu
que queria parar de usar drogas e me pediu para fazer um jantar de comemoração antes que
fosse para a reabilitação. Nós rimos, comemos e tivemos um vislumbre de como seriam nossas vidas quando estivéssemos os dois limpos.
Quando ela saiu de casa, correu para o meu pai, e a reabilitação se tornou uma vaga
lembrança. Limpei o apartamento todo, fiquei até de joelhos para esfregar o carpete. Levei todas as roupas dela para a lavanderia e, enquanto eram lavadas, voltei para o apartamento e continuei a faxina.
Minha mãe só acordou mais tarde, quando eu já havia voltado da lavanderia e estava
sentado no chão dobrando as roupas limpas. Ela se sentou e bocejou.
— Achei que tinha sonhado que você esteve aqui outro dia.
Dei-lhe um meio sorriso, e ela fez o mesmo, passando as mãos pelos braços magros.
— Você limpou a casa?
— Sim. Trouxe comida e lavei as roupas também.
Seus olhos se encheram de lágrimas, e ela continuou sorrindo.
— Você parece bem, filho. — lágrimas rolaram por seu rosto. Ela não as enxugou,
permitindo que chegassem ao queixo. — Você parece tão bem. — a culpa a atingiu, e ela
voltou a se coçar. — Eu sabia que você iria conseguir, Joseph. Sabia que você podia ficar limpo.
Às vezes, eu queria...
— Não é tarde demais, mãe. Podemos colocá-la na reabilitação. Você pode se recuperar
também.
Eu não sabia que aquilo ainda existia em mim, aquela centelha de esperança que sempre
tive com relação a ela. Queria que minha mãe se afastasse desse mundo. Ainda havia uma
pequena parte de mim que queria comprar uma casa para nós, longe daquele lugar em que
vivemos tantos momentos aterrorizantes.
Por um segundo, tive a impressão de que ela considerava essa possibilidade. Mas então ela
piscou e começou a se coçar novamente.
— Estou velha, Joseph. Estou velha. Venha aqui. — fui até ela e me sentei no sofá ao seu
lado. Minha mãe segurou as minhas mãos e sorriu. — Estou tão orgulhosa de você.
— Obrigado, mãe. Está com fome?
— Estou.
Fiquei até um pouco surpreso.
Coloquei a lasanha no forno e, quando terminou de assar, nós nos sentamos à mesa de
jantar e comemos direto da travessa. Tudo o que eu queria era poder guardar esse momento
em meu coração e nunca mais esquecê-lo.
Enquanto ela comia, lágrimas continuavam caindo.
— Você está chorando — falei.
— Estou? — ela secou o rosto e me deu outro sorriso. Mas era um sorriso tão triste... — Como está Nicholas?
— Você sabe sobre o...
Ela assentiu.
— Nicholas está bem. Pediu para eu ir à sessão de terapia com ele na semana que vem. Ele
vai superar, sabe? É durão.
— É, sim — murmurou ela, comendo mais do que eu já a tinha visto comer na vida. — Ele
é forte. Ele é forte. — seu choro se tornou mais intenso, e eu enxuguei suas lágrimas. — Mas
a culpa é minha, sabe. Fiz isso com ele... fui uma mãe de merda. Não estive ao lado de vocês,
meus meninos.
— Mãe, pare com isso...
Eu não sabia o que dizer, como fazê-la parar de chorar.
— É verdade. Você sabe. Estraguei tudo. A culpa é minha.
— Você não causou o câncer nele.
— Mas não tornei a vida dele mais fácil. Você foi para a reabilitação, Joseph. Reabilitação.
Quando você tinha dezesseis anos, nós dois nos sentamos aqui e fizemos carreiras de cocaína. Eu te alimentei com o meu vício... — ela balançou a cabeça de um lado para o outro. — Sinto muito. Sinto muito.
Minha mãe estava arrasada. Destruída. A verdade era que ela estava vagando por aí,
perdida em sua mente. Durante muito tempo eu a detestei. Guardei muito rancor pelas
escolhas que ela fez, mas não era sua culpa. Ela estava em sua própria rodinha de hamster,
incapaz de parar de repetir os mesmos erros.
— Todos nós vamos ficar bem, mãe. Não se preocupe.
Segurei a mão dela com força.
Então, a porta da frente se abriu, e Ricky irrompeu na sala.
No instante em que o vi, fiquei admirado ao me dar conta do quanto ainda o odiava.
— Denise, que merda é essa? — resmungou ele.
Ele estava muito diferente de quando o vi pela última vez, há cinco anos. Parecia...
arruinado? Velho. Cansado. Os ternos elegantes que ele usava foram substituídos por calças
de moletom e camisetas. Seus sapatos extravagantes deram lugar aos tênis. Seus braços, antes musculosos, não eram mais tão fortes e definidos.
Eu me perguntei se ele estava usando as coisas que vendia.
— Você me deve cinquenta dólares — gritou meu pai, mas se deteve quando me viu. Ele
inclinou a cabeça para a esquerda, os olhos confusos. — Será que é um fantasma?
Senti um aperto no peito, como sempre acontecia quando ele aparecia lá em casa. Foi
necessário apenas um instante para que o olhar confuso se transformasse em um sorriso
sinistro. Ricky parecia satisfeito com o meu regresso, como se soubesse que, um dia, eu
voltaria.
— Sabe — ele veio na minha direção com o peito estufado. — Ouvi rumores de que você tinha voltado, mas achei que era mentira. Agora que está aqui, pode se juntar a mim no
negócio da família.
— Nunca vou fazer isso. Nunca mais vou seguir por esse caminho.
Meu pai semicerrou os olhos, e notei que respirava fundo. Então ele riu.
— Adoro isso. Adoro quando você acha que é forte o suficiente para ficar limpo.
Ricky ficou cara a cara comigo, e, em vez de recuar, fiquei de pé. Eu não tinha medo dele.
Eu não podia ter medo. Ele me empurrou, tentando me forçar a sentar.
— Eu conheço você, Joseph — continuou. — Vejo em seus olhos a vadia drogada da sua
mãe. Você não vai conseguir se manter longe das drogas.
Vi as lágrimas brotarem nos olhos de minha mãe. Aquilo deveria ser uma punhalada em
sua alma, pois a única coisa que ela fez a vida toda foi amá-lo. Ela desperdiçou seus anos de vida amando um homem que gostava de controlá-la e humilhá-la.
— Não fale assim da minha mãe — eu disse, defendendo-a, porque ela não tinha a menor
ideia de como fazer aquilo.
Ele riu.
— Eu amo a sua mãe. Denise, eu não te amo? Ela é a única mulher da minha vida. Você é
tudo para mim, querida.
Minha mãe meio que sorriu, como se acreditasse nele.
Isso era algo que eu nunca entenderia.
Ele me deixava enojado.
— Você não a ama. Você gosta de ter o controle sobre ela, porque isso esconde o fato de
que você não é nada além de um maldito rato.
Recuei ao sentir o impacto do soco em meu olho.
— Esse rato de merda ainda pode acabar contigo, garoto. Mas não vou mais perder meu
tempo com você. Denise, me dê meu dinheiro.
A voz dela estava trêmula de medo.
— Ricky, eu não tenho o dinheiro agora, mas vou conseguir. Só tenho que...
Ele se aproximou para bater em minha mãe, mas eu entrei na frente dela.
— Você saiu dessa reabilitação ridícula e voltou achando que pode mudar as coisas, Joseph? — perguntou ele, irritado. — Confie em mim, você não me quer como seu inimigo.
Enfiei a mão no bolso, peguei a carteira e contei cinquenta dólares.
— Aqui. Pegue e vá embora.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Eu disse cinquenta? Quis dizer setenta.
Idiota. Peguei uma nota de vinte e a empurrei para Ricky, que a aceitou de bom grado,
colocando-a no bolso. Ele se inclinou sobre a lasanha.
— Você fez isso, meu filho? — perguntou. Ele sabia que me chamar de filho me deixava furioso. Pegou uma garfada e a cuspiu de volta na travessa, estragando tudo. — Tem gosto de bunda.
— Ricky — disse minha mãe, vindo em minha defesa, mas ele lhe dirigiu um olhar que a
calou.
Fazia tempo que ele havia roubado a voz dela, e minha mãe não tinha ideia de como se
fazer ouvir novamente.
—Você age como se eu não cuidasse de você, Denise. Eu me sinto ofendido. Não se esqueça
de que eu fiquei ao seu lado quando esse garoto foi embora e te deixou aqui. E você fica aí se perguntando por que é tão difícil para mim te amar. Você me trai a cada segundo!
Ela abaixou a cabeça.
— E agora isso? Joseph está te trazendo comida? Isso não significa que ele se preocupa com
você, Denise.
Ricky abriu os armários e a geladeira, pegou toda a comida que comprei, abriu todas as
embalagens e jogou-as no chão. Eu queria impedi-lo, mas minha mãe me disse para ficar
onde estava. Ele abriu uma caixa de cereais e outra de leite e, olhando bem nos meus olhos,
despejou o conteúdo lentamente em cima da pilha de comida.
Em seguida, pisoteou aquela bagunça e seguiu para a porta.
— Vou resolver algumas coisas — disse ele com um sorriso. — Denise?
— Sim? — sussurrou ela, trêmula.
— Limpe essa merda antes de eu voltar para casa.
Quando a porta se fechou, minha pulsação começou a voltar ao normal.
— Você está bem, mãe?
Seu corpo estava tenso, e ela não olhou para mim.
— A culpa é sua.
— O quê?
— Ricky tem razão. Você me abandonou, e ele ficou ao meu lado. Foi por sua causa que ele
fez essa bagunça! Você não ficou ao meu lado. Ele cuidou de mim.
— Mãe...
— Vá embora! — gritou ela, com lágrimas no rosto. Minha mãe avançou contra mim e me
bateu, como fazia quando eu era mais novo. Ela me culpava porque o diabo não a amava. —
Saia daqui! Saia daqui! É tudo culpa sua. Você é o culpado por ele não me amar. Você é o
culpado por essa bagunça toda. Você é culpado por Nicholas estar morrendo. Você se afastou de nós. Você nos deixou. Você nos abandonou. Saia daqui agora, Joseph. Vá embora. Vá embora. Vá embora!
Ela batia em meu peito, e suas palavras me confundiam, me machucavam, me
queimavam, ecoavam em minha mente. Ela estava histérica, era finalmente a mãe que eu
conheci e odiei.
É culpa sua. Você é o culpado por essa bagunça toda. Você é culpado por Nicholas estar morrendo. Você nos deixou. Você nos abandonou. Você nos deixou... Nicholas está morrendo...
Meu peito queimava, e eu tentava me manter firme, não desmoronar. Como cheguei a
esse ponto? Como fui parar no mesmo lugar em que estava há cinco anos? Como voltei aos
velhos hábitos dos quais passei tanto tempo fugindo?
Ela não parou de me bater. Ela não parou me culpar.
Então peguei minhas coisas e fui embora.

***

Joseph, onze anos

Não está se sentindo confortável? — disse meu pai ao entrar na sala cambaleando.
Eu estava sentado no chão assistindo ao Cartoon Network. Fiz de tudo para ignorá-lo e continuei comendo o cereal em uma tigela. Ricky fumava um cigarro e sorriu diante de minha tentativa de fingir que ele não estava ali.
Era apenas quatro da tarde, e ele já estava bêbado.
— Está surdo, rapaz?
Ele veio em minha direção e passou o dorso da mão pela minha nuca antes de me dar um tapa com força. Tremi com seu toque, mas continuei ignorando-o. Nicholas sabia o quanto meu pai podia ser mau e disse certa vez que seria melhor se eu não respondesse suas provocações. Nicholas tinha sorte por ter outro pai. Eu também gostaria de ter tido outro.
Eu não via a hora da minha mãe voltar para casa. Eu não a via há alguns dias, mas, quando ela me ligou na semana passada, disse que voltaria em breve. Eu só queria que meu pai fosse embora e sumisse para sempre.
Quando a mão dele passou pelas minhas escápulas, estremeci e acabei derrubando a tigela de cereal.
Ele riu perversamente, satisfeito com minha inquietação, e ergueu a mão, dando-me outro tapa, dessa vez no ouvido.
— Limpe essa merda. E que diabos você pensa que está fazendo, comendo cereal às quatro da tarde?
Eu estava com fome, e era tudo o que tínhamos para comer em casa. Mas eu não podia dizer isso a ele. Eu não podia dizer nada a ele.
Trêmulo, com o coração acelerado, comecei a colocar o cereal de volta na tigela. Meu pai passou a assobiar a melodia do desenho animado.
— Anda rápido com essa merda, garoto. Pega essa porra logo. Você está sujando a minha casa.
Não consegui conter as lágrimas, e eu odiava quando isso acontecia, quando eu permitia que ele me atingisse. Aos onze anos, eu deveria ser mais durão. Eu me senti fraco.
— Tome. ISSO.
Eu não aguentava mais a sua raiva embriagada, seu aparente desgosto por mim. Peguei a tigela de cereal e a atirei nele. Ela passou raspando pela cabeça do meu pai antes de se espatifar na parede.
— Eu te odeio! — murmurei aos prantos. — Quero a minha mãe de volta! Eu te odeio!
Os olhos dele se arregalaram, e eu entrei em pânico, arrependido pela minha explosão. Nicholas ficaria decepcionado comigo. Eu não deveria ter falado nada. Não deveria ter respondido. Deveria ter me trancado no meu quarto como sempre.
Mas não havia desenhos animados no meu quarto.
Eu só queria ser uma criança, ainda que por um dia.
Meu pai segurou meu braço com força.
— Você quer dar uma de espertinho pra cima de mim? Hein? — Meu pai me arrastou pela sala até a cozinha, me fazendo tropeçar. — Você quer me desafiar?
Ele abriu o armário embaixo da pia.
— Não. Sinto muito, pai! Sinto muito! — chorei, tentando me soltar.
Ele riu e me empurrou para dentro do armário.
— Aqui está o seu maldito cereal — disse, pegando a caixa e atirando o conteúdo em mim.
Quando ele fechou a porta, tentei ao máximo abri-la, mas não consegui. Ele tinha colocado algo na frente do armário para mantê-lo trancado.
— Por favor, pai! Sinto muito! Não me deixe aqui.
Sinto muito.
Mas ele não estava me escutando e, depois de um tempo, eu não ouvi mais seus passos.
Eu não sei quanto tempo passei dentro do armário, mas tirei dois cochilos e fiz xixi nas calças.
Quando minha mãe me encontrou, aparentemente drogada, ela balançou a cabeça em um gesto de reprovação; estava muito decepcionada comigo.
— Ah, Joseph. — ela suspirou e passou as mãos pelo cabelo. Em seguida, acendeu um cigarro. — O que você fez dessa vez?

voltei amores, esse pai do Joseph é um babaca.
será que a mãe dele irá aceitar ajuda? o que acham?
pessoal está chegando o capítulo que irá impactar, aguardem hahaha.
eu espero muito que vocês tenham gostado amores, volto em breve.
respostas do capítulo anterior aqui.

3 comentários:

  1. Pourra bisho. O q foi esse final???
    Eu quase senti a dor dele.
    Ficou incrivel, continua, ta??? <33

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    Respostas
    1. Pois é, bem pesado.
      Muito sofrimento que passou com o pai dele.
      Vou postar mais hoje amor.
      Beijos, Jessie.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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