15/04/2016

sussurros na noite: capítulo 1 (Parte 1)



Bell Harbor
Flórida, 12:00 A.M

Ele estivera seguindo-a por três dias, observando. Esperando. 

Agora, já conhecia seus hábitos e seus horários. Sabia a que horas ela levantava de manhã, com quem se encontrava durante o dia e a hora em que ia dormir. 
Sabia que seus espessos cabelos pretos eram naturais e que a surpreendente cor azul-violeta dos olhos dela não era resultado das lentes de contato que usava. Sabia que ela comprava a maquiagem na farmácia e que gastava exatos vinte e cinco minutos para se arrumar para o trabalho, de manhã. Hoje, ele a seguira até o parque municipal, onde passara uma agradável, porem cansativa, tarde de fevereiro cercado por alegres adultos bebedores de cerveja e estridentes crianças, que estavam ali para desfrutar do piquenique e das festividades do Dia dos Presidentes. Ele não gostava de ter crianças à sua volta, especialmente crianças com mãos meladas e carinhas sujas que tropeçavam no seu pé enquanto corriam umas atrás das outras. Elas gritavam: ”Ei, moço!” e lhe pediam para jogar de volta as bolas de beisebol desgarradas. A gritaria chamou a atenção sobre ele tantas vezes que teve de abandonar vários bancos confortáveis e, agora, viu-se obrigado a procurar abrigo e anonimato sob uma árvore cujo tronco era áspero e incomodo demais para se recostar, e com raízes tão grossas e cheias de nós que tornavam impossível sentar no chão. Tudo aquilo começava a irritá-lo e ele percebeu que sua paciência estava chegando ao fim. Bem como a vigilância e a espera. 
A fim de controlar a irritação, repassou seus planos para ela enquanto voltava toda a atenção para sua presa. Naquele momento, Demi estava descendo pelos galhos de uma árvore enorme, de onde estivera tentando recuperar uma pipa que parecia um falcão negro, com as asas estendidas e contornadas de amarelo-vivo. 
Ao pé da árvore, um grupo de crianças de cinco a seis anos a incentivava aos gritos. Logo atrás destas, havia um outro grupo de adolescentes mais velhos, todos rapazes. As crianças pequenas estavam interessadas em ter a pipa de volta; os garotos adolescentes estavam interessados nas pernas torneadas e bronzeadas de Demi Lovato, à medida que ela emergia lentamente dos galhos mais altos da árvore. Os garotos acotovelavam-se e devoravam-na com os olhos, e ele entendia o motivo daquele tumulto juvenil: se ela fosse uma colega de vinte anos, tais pernas seriam notáveis, mas numa policial de trinta anos eram um fenômeno. 
Normalmente ele se sentia atraído por mulheres altas e voluptuosas, mas aquela tinha apenas um metro e cinquenta e seis, com seios pequenos e um corpo esguio que, embora encantadoramente gracioso e em ótima forma, estava longe de ser voluptuoso. 
Ela não era nenhuma candidata a garota do mês, porem com aquele short caqui e a imaculada blusa de malha branca, com os cabelos pretos amarrados num rabo-de-cavalo, possuía um ar fresco e saudável e uma simplicidade meticulosa que o atraíam - por enquanto. 
Um grito vindo da quadra de beisebol fez com que dois dos garotos mais velhos se virassem, olhando em sua direção, e ele ergueu o copo plástico com refresco de laranja até a boca a fim de ocultar o rosto, mas o gesto foi mais automático do que necessário. Ela não havia reparado nele nos últimos três dias, quando ele a observava nas soleiras das portas e nos becos, portanto não acharia nada de sinistro num homem solitário em um parque repleto de cidadãos cumpridores da lei que aproveitavam a comida grátis e as exposições, mesmo se o notasse. 
Na verdade, ele pensou com um sorrisinho interior, ela era incrível e estupidamente descuidada sempre que não estava de serviço. Ela não olhou por sobre o ombro quando ouviu os passos dele seguindo-a numa noite; nem mesmo trancava o carro quando o estacionava. Como muitos policiais de cidades pequenas, ela possuía um falso senso de segurança em sua própria comunidade, uma invulnerabilidade proporcionada pelo distintivo que usava e pela arma que carregava, e pelos pequenos segredos que sabia sobre os seus cidadãos. 
Para ele, no entanto, ela não tinha segredos. Em menos de setenta e duas horas, ele conhecia todas as suas estatísticas essenciais - sua idade, altura, número da carteira de motorista, saldos da conta bancária, renda anual, endereço residencial -, o tipo de informação que estava prontamente disponível na Internet para qualquer um que soubesse onde procurar. Em seu bolso havia uma fotografia dela, porem todas estas informações reunidas eram ínfimas, em comparação com o que ele sabia agora. Bebeu um gole do refresco de laranja morno, reprimindo mais uma onda de impaciência. Às vezes ela era tão metódica, tão certinha e previsível que ele até achava graça; outras vezes, era inesperadamente impulsiva, o que a tornava imprevisível, e a imprevisibilidade fazia com que as coisas ficassem arriscadas e perigosas para ele. E, por isso, continuara esperando e observando. 
Nos últimos três dias juntara todos os misteriosos pedacinhos que normalmente formam o todo de uma mulher, mas no caso de Demi Lovato a imagem ainda estava desfocada, complexa, confusa. Agarrando a pipa na mão esquerda, Demi foi abrindo caminho vagarosamente até os galhos mais baixos. Então, deu um salto para o chão e entregou a pipa ao seu proprietário, entre gritos de ”É isso aí!” e o ruído de mãozinhas aplaudindo com animação.
— Puxa, obrigado, Demi! - Kenny Landry falou, ruborizando de prazer e admiração quando pegou sua pipa. Kenny tinha dois dentinhos da frente faltando, o que fazia com que ciciasse, e ambas as coisas pareciam imensamente cativantes a Demi, que fora colega de escola da mãe dele. 
— Minha mãe ficou com medo de que você se machucasse, mas aposto que você não teve medo de nada. 
Na verdade, durante a descida pelos galhos esparramados, Demi ficara extremamente receosa de que seu short pudesse ficar preso nos ramos e, puxado para cima, exibisse demais as suas pernas.
— Todo mundo tem medo de alguma coisa — Demi disse ao menino, contendo o impulso de abraçá-lo e correr o risco de envergonhá-lo com tal demonstração pública de afeto. Em vez disso, conformou-se em amarfanhar-lhe os cabelos pretos.
— Uma vez eu caí da árvore! - uma menininha de short cor-de-rosa e camiseta branca e rosa confessou, olhando para Demi com admirada adoração. 
— Também me machuquei, no cotovelo - Emma acrescentou, timidamente. Tinha os cabelos curtos e crespos, sardas no narizinho e uma boneca de pano nos braços. Butch Ingersoll era a única criança que não parecia impressionada.
— As meninas devem brincar com bonecas - ele informou a Emma. - Os meninos é que sobem em árvores. 
— Minha professora disse que Demi é uma verdadeira heroína - ela declarou, segurando a boneca de pano com mais força, como se esta lhe desse a coragem para se manifestar. Ergueu os olhos para Demi e falou, num só fôlego:
— Minha professora disse que você arriscou a vida para salvar aquele garotinho que caiu dentro do poço. 
— Sua professora estava sendo muito gentil — disse Demi enquanto pegava o cordel da pipa que caíra na grama e começava a enrolá-lo em torno da mão. A mãe de Emma também fora outra colega de escola de Demi e, enquanto olhava de Kenny para Emma, não conseguia decidir qual das crianças era mais adorável. Havia frequentado a escola com a maioria dos pais daquelas crianças e, sorrindo para os rostinhos que a rodeavam, via as comoventes lembranças de seus antigos colegas nas faces fascinadas que a olhavam de volta.
Cercada pelos rebentos de suas amigas e colegas, Demi sentiu um agudo e doloroso desejo de ter seu próprio filho. No ano anterior, este anseio por um menininho ou menininha a quem pudesse abraçar, amar e levar para a escola, havia crescido de um mero desejo para uma necessidade, e ganhava força com uma velocidade e poder alarmantes. Ela queria sua própria pequena Emma, ou um pequeno Kenny, para acarinhar, amar e ensinar. Infelizmente, a vontade de submeter a sua vida a um marido não crescera na mesma proporção. 
Bem o oposto, na verdade. As outras crianças encaravam Demi com uma admiração evidente, mas Butch Ingersoll estava determinado a não se impressionar. Seu pai e seu avô haviam sido astros do time de futebol no colégio. Aos seis anos de idade, Butch não apenas tinha a mesma constituição atarracada que eles, como também herdara o queixo quadrado e a arrogância machista. O avô de Butch era o chefe de polícia local, e patrão de Demi. Agora, o menino empinava o queixo de tal forma que era impossível Demi não se lembrar do capitão Ingersoll. 
— Meu avô disse que qualquer policial poderia ter resgatado aquele menino como você fez, mas que os sujeitos da tevê fizeram tanto estardalhaço porque você é uma garota. 
Uma semana atrás, Demi fora atender um chamado sobre uma criança desaparecida e acabara tendo de descer por um poço a fim de resgatá-la. As estações de tevê locais haviam transmitido a história do menino perdido, e depois toda a mídia da Flórida transmitira a história do resgate. Três horas depois de descer para dentro do poço e de passar os momentos mais aterrorizantes de sua vida, Demi emergira como uma ”heroína”. 
Suja e exausta, fora recebida com os aplausos ensurdecedores dos cidadãos de Bell Harbor que se reuniram para orar pela segurança da criança, e com os gritos dos repórteres que se juntaram para rezar por uma notícia valiosa o bastante para levantar os níveis de audiência. 
Depois de uma semana o furor e a notoriedade estavam finalmente esfriando, porem não rápido o bastante para contentar Demi. Ela achava aquele papel de estrela da mídia e heroína local não apenas comicamente inadequado, mas também totalmente desconcertante. Por um lado, tinha de argumentar com os habitantes de Bell Harbor, que agora a consideravam uma heroína, um símbolo, um modelo de comportamento para as mulheres. 
Por outro, tinha de lidar com o capitão Ingersoll, o macho-chauvinista de cinquenta e cinco anos e avô de Butch, que encarava o heroísmo involuntário de Demi como um ”exibicionismo deliberado”, e a presença dela na força policial como uma afronta à sua dignidade, um desafio à sua autoridade e uma carga que seria obrigado a suportar até que descobrisse um meio de livrar-se dela. 

aí está o primeiro capítulo, espero que gostem..bjs lindonas <3

Nenhum comentário:

Postar um comentário