12/09/2016

breathe: capítulo 13


Apesar dos protestos de Stephen, decidi que Joseph continuaria cuidando da grama do meu jardim. Todos os sábados, ele vinha, aparava o gramado e ia para o centro da cidade trabalhar na loja do Sr. Henson. Às vezes ele trabalhava de manhã, outras, tarde da noite. Não tínhamos conversado novamente desde a minha bebedeira, e achei que era melhor assim. Elizabeth sempre brincava com Zeus no jardim, e eu ficava sentada na varanda, lendo um livro. Mesmo quando o coração está em pedaços, ainda resta uma esperança quando se lê um romance. Ao virar as páginas, eu pensava que, um dia, tudo ficaria bem novamente. Eu tinha esperança de que esse dia chegaria logo. 
Toda semana, eu tentava pagar Joseph, mas ele se recusava a receber. Sempre o convidava para comer alguma coisa, mas ele não aceitava. 
Um sábado, ele chegou justo quando Elizabeth estava no meio de uma crise emocional. Manteve distância e tentou não se meter no assunto. Ela chorava. 
— Não! Mamãe, temos que voltar! Papai não sabe mais onde estamos. 
— Tenho certeza de que ele sabe, querida. Acho que só temos que esperar mais um pouco. Dê mais um tempo para ele. 
— Não! Ele nunca demora tanto! Onde estão as plumas brancas? Temos que voltar — dizia ela, desesperada. Tentei abraçá-la, mas ela se desvencilhou de mim e entrou correndo em casa. 
Respirei fundo e, quando olhei para Joseph, vi seu semblante fechado. Dei de ombros. 
— Crianças — sorri, mas ele continuou com a mesma expressão séria. 
Joseph virou de costas para mim e começou a andar na direção da sua casa. 
— Aonde você vai? 
— Para casa. 
— O quê? Por quê? 
— Não vou ficar aqui escutando sua filha choramingar a manhã inteira. 
O Joseph cruel estava de volta com força total. 
— Céus! Quando eu começo a acreditar que você é uma boa pessoa, você vai lá e faz de tudo pra me lembrar que é mesmo um babaca. 
Ele não respondeu, desaparecendo em sua casa escura. 
— Mamãe — fui acordada por uma Elizabeth superagitada, pulando na minha cama. — Mamãe, é o papai! Ele veio! — gritava ela, puxando-me para que eu me sentasse. 
— O quê? — murmurei, esfregando os olhos. — Elizabeth, nós dormimos até mais tarde aos domingos, lembra? 
— Mas mamãe, papai apareceu — exclamou. 
Sentei-me e ouvi o barulho do cortador de grama. Vesti uma calça de moletom e uma camiseta e segui minha garotinha, que estava muito empolgada. Quando saímos de casa, fui tomada pela surpresa ao ver a varanda coberta de plumas brancas. 
— Viu, mamãe? Ele achou a gente 
Levei as mãos à boca, chorando ao ver as plumas flutuando ao vento. 
— Não chora, mamãe. O papai está aqui. Você falou que ele sempre iria nos encontrar, e ele nos encontrou — explicou Elizabeth. 
Eu sorri. 
— É claro, querida. Mamãe só está feliz, só isso.
Elizabeth começou a pegar as plumas. 
— Foto? — perguntou. Corri para pegar a velha Polaroid de Zachary para tirar uma fotografia de Elizabeth com a pluma para a coleção “Papai & Eu”. Quando voltei, Elizabeth estava sentada na varanda com um sorriso reluzente no rosto, rodeada de plumas. 
— Tá, agora diga xis! 
— Xiiiiss — gritou ela. 
A máquina revelou a foto, e Elizabeth correu para guardá-la em sua caixa. 
Olhei para Joseph, que estava cortando a grama como se nem percebesse o que estava acontecendo. Fui até ele e desliguei o cortador. 
— Obrigada. 
— Não sei do que está falando. 
— Joseph… muito obrigada. 
Ele revirou os olhos e disse: 
— Dá pra me deixar trabalhar? 
Joseph deu as costas para mim, mas segurei a mão dele. Era quente e áspera. 
— Obrigada. 
Quando nossos olhares se encontraram, senti o toque de sua mão se tornar ainda mais caloroso. Ele abriu um sorriso amplo. Um sorriso que eu sempre soube que ele era capaz de dar. 
— Não foi nada. Achei a porcaria das plumas na loja do Sr. Henson. Não deu trabalho nenhum. — ele parou. — Ela é uma boa menina. Muito chata, mas boazinha. 
— Toma café com a gente? — convidei. 
Ele balançou a cabeça. 
— Venha para o almoço então. 
Ele recusou. 
— Jantar? 
Ele mordeu o lábio inferior e olhou para baixo, pensando se deveria ou não aceitar meu convite. Quando ergueu a cabeça, quase caí para trás com a simples resposta: 
— Tá. 
Os vizinhos sempre cochichavam, se perguntando por que eu deixava Joseph cortar a grama do meu jardim, mas eu começava a não me importar tanto com o que os outros pensavam de mim. 
Sentei-me na varanda, cercada de plumas brancas, enquanto ele trabalhava e Elizabeth brincava com Zeus. 
De vez em quando, Joseph se lembrava de como sorrir. 


***

Sentamos à mesa na hora do jantar. Elizabeth tagarelava sobre Zeus ter comido um inseto morto que ela achou na varanda. Ela fazia muita bagunça e muito barulho ao comer seu espaguete. Fiquei em uma ponta da mesa, e Joseph, na outra. De vez em quando, eu notava seu olhar, mas na maior parte do tempo ele dedicava sua atenção a Elizabeth com um sorriso de canto de boca. 
— E Zeus engoliu o bicho! Como uma comida gostosa! E agora ele deve estar grudado nos dentes dele! 
— Você comeu o bicho também? — perguntou Joseph. 
— Não! É nojento 
— Ouvi dizer que eles têm muita proteína. 
— Não ligo, Pluto! É nojento! — ela fez uma careta, e nós rimos. — U-u-u-á-á-á! U-u-u-á-á- á! — continuou ela, mudando para sua imitação de gorila. Depois de ter assistido a Tarzan semanas atrás, ela havia passado a explorar mais suas raízes primatas. Eu nem sabia como explicar isso a Joseph, mas logo em seguida vi que não precisava. 
— U-u? — respondeu ele, rindo. — Á? Áááá! Áááá! 
Será que ele sabia que tinha feito meu coração pular de alegria de manhã? 
— Tá bom, Jane. Acho que está na hora de vestir seu pijama. Já passou da sua hora de dormir. 
— Mas... — protestou ela. 
— Sem “mas” — eu ri, fazendo um gesto em direção ao quarto. 
— Tá, mas posso ver Hotel Transilvânia no meu quarto? 
— Só se você prometer que vai dormir. 
— Prometo 
Ela saiu correndo. Eu e Joseph nos levantamos. 
— Obrigado pelo jantar — disse ele. 
— De nada. Você não precisa ir agora. Tenho vinho... 
Ele hesitou. 
— E cerveja também — completei. 
Isso o convenceu. Eu não quis admitir que a única razão pela qual tinha comprado cerveja era a esperança de que ele um dia ficasse para jantar. Depois que coloquei Elizabeth na cama, levamos nossas bebidas para a varanda. Zeus dormia ao nosso lado. De vez em quando, o vento levava uma pluma embora. Ele não falou muito, mas eu já estava me acostumando com isso. Ficar em silêncio era a versão dele de ser legal. 
— Fico pensando numa maneira de recompensar você pela grama. 
— Não preciso do seu dinheiro. 
— Eu sei... mas talvez eu pudesse ajudar você com a casa? Na decoração? — ofereci. Eu podia contar a ele que tinha me formado em design de interiores, e por isso poderia ajudá-lo. A casa dele era muito escura, e eu adorava a ideia de transformá-la só um pouquinho. 
— Não. 
— Pelo menos pense no assunto. 
— Não. 
— Você é sempre tão cabeça-dura? 
— Não — respondeu ele. Sorriu. — Sim. 
— Posso fazer uma pergunta? — acabei pensando alto. Ele assentiu. — Por que você dá comida ao mendigo? 
Ele fechou os olhos. 
— Um dia, eu estava correndo descalço quando parei na ponte e desmoronei completamente. Todas as lembranças vieram à tona, e eu comecei a sentir certa dificuldade em respirar. Tive um ataque de pânico. Aquele homem se aproximou de mim, ficou passando a mão nas minhas costas e permaneceu comigo até que eu conseguisse recuperar o fôlego. Ele perguntou se eu estava bem, e eu respondi que sim. Depois, ele disse para eu não me preocupar, porque os dias sombrios durariam apenas até o sol chegar. Então, quando eu disse que iria embora, ele me ofereceu seus sapatos. É claro que não aceitei... e ele não tinha nada. Morava debaixo da ponte com um cobertor velho e sapatos desgastados. Mesmo assim, ele os ofereceu a mim.
— Uau
— Sim. A maioria das pessoas vê apenas um drogado debaixo da ponte, sabe? Um problema para a sociedade. Mas eu vi alguém que estava disposto a ajudar um estranho. 
— Nossa... Isso é tão bonito. 
— Ele é uma pessoa boa. Descobri que tinha servido ao Exército e depois, quando voltou da guerra, passou a sofrer de transtorno de estresse pós-traumático. A família dele não entendia por que ele tinha mudado tanto. Ele arrumou um trabalho e acabou sendo demitido por causa dos ataques de pânico. Perdeu tudo por servir ao país e lutar por nós. Isso é uma merda, sabe? Ele era um herói até tirar o uniforme. Depois disso, se transformou num problema para a sociedade. 
Aquilo partiu meu coração. 
Eu já tinha visto aquele homem debaixo da ponte milhares de vezes, mas nunca investiguei sua história. Pensei em tudo que Joseph contou, no possível motivo de ele ter se viciado em drogas, na forma como se tornou alguém que eu preferia nem olhar. 
Era incrível a capacidade da nossa cabeça de inventar histórias sobre pessoas desconhecidas, que precisavam muito mais de amor do que nós poderíamos supor. Era muito fácil julgar as pessoas, e eu pensei em tudo que Elizabeth estava aprendendo comigo. Eu precisava ter cuidado com a forma como tratava os outros, pois ela sempre observava minhas ações. Mordi o lábio inferior. 
— Posso fazer mais uma pergunta? 
— Não sei. Isso vai se tornar um hábito? Porque eu odeio perguntas. 
— Essa é a última da noite, eu prometo. O que você escuta? Com aqueles fones no ouvido? 
— Nada — respondeu ele. 
— Nada? 
— As pilhas acabaram há meses e eu não tive coragem de comprar novas. 
— E o que você ouvia? 
Ele mordiscou o polegar. 
— Ashley e Charlie. Há alguns anos, eles gravaram uma música. Eu fiquei com ela. 
— Por que você ainda não trocou as pilhas? 
— Acho que ouvi-los de novo vai me matar. E eu já estou praticamente morto — sussurrou. — Sinto muito. 
— Não é sua culpa. 
— Eu sei, mas ainda assim sinto muito. Nem consigo imaginar... se eu tivesse a chance de ouvir a voz de Zachary mais uma vez, não hesitaria. 
— Fale sobre ele — murmurou Joseph. Aquilo me pegou de surpresa. Ele não parecia ser do tipo que demonstrava interesse na vida dos outros, mas eu usava qualquer oportunidade que tinha para falar de Zachary. Não queria esquecê-lo.
Naquela noite, ficamos na varanda com nossas lembranças. Ele contou tudo sobre o humor bobo da Ashley, e eu o convidei a entrar no meu coração e conhecer meu Zachary. Em alguns momentos, ficamos em silêncio, e foi perfeito. Joseph sofria com as mesmas dores que eu, talvez sofresse ainda mais, porque perdeu o filho também. Nenhum pai deveria perder um filho, parecia ser algo irrecuperável. 
— Tenho que perguntar. A varinha no seu dedo indicador... que livro é esse? 
— Harry Potter — respondeu ele com autoridade. 
— Ah. Nunca li. 
— Você nunca leu Harry Potter? — perguntou, preocupado. 
— Desculpe, isso é um problema?
 Ele me encarou, perplexo, me julgando. 
— Não, é que você sempre está com um livro na mão. É inacreditável que não tenha lido Harry Potter. Era o favorito do Charlie. Acredito que existem duas coisas no mundo que todos deveriam ler, porque ensinam tudo sobre a vida: a Bíblia e Harry Potter. 
— Verdade? Só essas duas coisas? 
— Sim. São tudo de que as pessoas precisam. E, bem, eu ainda não li a Bíblia, mas está na minha lista — ele riu. — Acho que esse é o motivo de nada dar certo na minha vida. 
Toda vez que ele ria, uma parte de mim voltava à vida. 
— Eu já li a Bíblia, mas não Harry Potter, então, talvez possamos trocar umas informações. — Você já leu a Bíblia? 
— Sim. 
— Toda? 
— Sim — respondi, ajeitando os cabelos num rabo de cavalo para que ele pudesse ver a tatuagem com as três cruzes atrás da minha orelha. — Quando eu era mais jovem, minha mãe saía com muitos homens. Na época, achei que ela teria um relacionamento mais sério com um cara chamado Jason. Eu o adorava! Ele sempre me trazia doces e outras coisas. Mas era muito religioso, e mamãe falou que, se eu lesse a Bíblia, talvez ele acabasse nos amando e fosse meu novo pai. Ele até morou com a gente um tempo. Passei semanas lendo a Bíblia no meu quarto, e um dia fui gritando até a sala dizendo: “Jason! Jason! Eu consegui. Li a Bíblia toda.” Eu estava trêmula, animada, porque achei que realmente teria um novo pai. Queria aquela oportunidade, mesmo sabendo que meu pai verdadeiro era melhor que qualquer outro. Na minha cabeça, se eu tivesse um pai de novo, minha mãe voltaria a ser a pessoa que sempre foi em vez de alguém que eu mal conhecia. 
— O que aconteceu com Jason? 
Fechei os olhos por um instante. 
— Quando cheguei na sala, vi que ele estava carregando as malas para o carro. Mamãe disse que ele não era “o cara certo” e teve que ir embora. Lembro que fiquei com muita raiva dela... Gritei e chorei, perguntando como ela poderia ter feito aquilo. Por que sempre tinha que estragar tudo. Mas era o que ela fazia. Ela sempre estragava tudo.
Joseph suspirou e deu de ombros. 
— Mas parece que ela fez um bom trabalho com você. 
— Tirando minha falta de conhecimento sobre Harry Potter. 
— Sua mãe deveria namorar um bruxo da próxima vez. 
— Acredite em mim, deve ser um dos próximos da fila. 
Às três da manhã, ele se levantou para ir embora. Corri para dentro de casa e peguei um pacote com duas pilhas. A princípio, ele hesitou, mas depois aceitou-as. Enquanto atravessava o jardim com Zeus, colocou os fones no ouvido e apertou o play. Vi quando ele parou e cobriu o rosto com as mãos, soluçando. 
Fiquei comovida com o sofrimento dele. Uma parte de mim desejou não ter dado as pilhas, mas a outra estava feliz por ter feito aquilo. Sua reação demonstrava que ele ainda estava vivo, ainda respirava. 
Às vezes, a pior parte de existir sem a pessoa que amamos é ter que se lembrar de respirar. Ele virou na minha direção. 
— Me faz um favor? 
— Qualquer coisa. 
Ele apontou para a minha casa. 
— Abrace-a com força todos os dias e todas as noites, porque não sabemos o dia de amanhã. Eu só queria tê-los abraçado mais uma vez.


Elizabeth é uma fofa <3 Que lindo o Joseph ter trago as plumas só para ver Elizabeth feliz
E os dois sofrendo? Partiu meu coração :( A Demi vai ajudar muito á ele
Eu amei esse capítulo e vocês gostaram? Me contem aqui nos comentários
um beijo lindonas <3
respostas aqui

4 comentários:

  1. eu amei o capítulo, meu fav até a agora <3
    Joe baixando a guarda, eles conversando, gente que amores.
    o que ele fez pela Elizabeth foi tão lindo, Joseph é um amor por dentro, tenho certeza.
    posta logo amore, bj

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    1. Que bom que gostou amor
      Eles são um amores juntos <3
      O Joseph é um amor, ele só precisa de alguém para lembrar isso
      Vou postar hoje amor, um beijo <3

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  2. Melhor história!!! Fico muito emotiva, tanto com as lembranças, quanto com as atitudes deles em se ajudar...e ajudar aos outros... uma fofa a Elisabeth... adoro quando ela chama ele de Pluto... continua...

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    1. Que bom que está gostando lindona
      Também fico, algumas coisas é de partir o coração :(
      A Elizabeth é uma fofa, adoro também quando ela chama ele de Pluto é muito fofo
      Vou postar hoje amor, um beijo <3

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