18/06/2016

certain love: capítulo 12 (Parte 1)



Wyoming
09:00 A.M

Minha garganta se fecha assim que pisamos no hospital, como se uma muralha de escuridão surgisse do nada e me engolisse. Paro por um segundo na entrada e fico ali, com os braços pesadamente caídos. E então sinto a mão de Demi tocar meu pulso. 
Olho para ela. Está sorrindo com tanta ternura que me faz derreter um pouco. Seu cabelo louro está preso numa trança bagunçada de um lado, jogada sobre o ombro direito. Alguns fios que escaparam do elástico caem pelos lados do seu rosto. Sinto a necessidade de esticar a mão e afastá-los delicadamente com o dedo, mas não faço isso. 
Não posso fazer essas merdas. Preciso me livrar dessa atração. Mas ela é diferente das outras garotas, e acho que é exatamente por isso que estou tendo tanta dificuldade. Não preciso disso agora. 
— Você vai ficar bem - ela diz. 
Sua mão solta meu pulso quando ela nota que chamou minha atenção. Sorrio fracamente para ela. 
Seguimos o corredor até o elevador e subimos para o terceiro andar. A cada passo do caminho, sinto que deveria dar meia-volta e sair daqui. Meu pai não quer que eu demonstre emoção lá dentro, e no momento estou prestes a explodir. 
Talvez seja melhor eu sair, esmurrar algumas árvores e descarregar tudo antes de entrar no quarto. 
Paramos na sala de espera, onde algumas outras pessoas estão sentadas, lendo revistas.
— Vou te esperar aqui - Demi diz, e eu olho para ela. 
— Por que você não entra comigo? 
Quero muito que ela entre. Não sei por quê. 
Demi começa a fazer que não com a cabeça. 
— Não posso entrar lá - diz, parecendo pouco à vontade agora. — É sério, eu... eu não acho adequado. 
Estendo a mão, pego delicadamente a mala do ombro dela e ponho no meu. Está leve, mas ela estava começando a parecer incomodada. 
— Não tem problema - insisto. — Eu quero que você entre comigo. 
Por que estou dizendo isso? 
Ela baixa a cabeça e depois observa cautelosamente o resto da sala, antes que seus olhos me encarem de novo.
— Tá - ela diz com um breve aceno. 
Sinto meu rosto se abrir num sorrisinho e instintivamente seguro a mão dela. Ela não me impede. 
Me sinto reconfortado por ela, nem é preciso dizer, e tenho a sensação de que ela está feliz em aceitar. Com certeza sabe o quanto algo assim deve ser difícil para qualquer um. Andamos de mãos dadas até o quarto do meu pai. 
Ela aperta minha mão uma vez, me olhando como que para me encorajar mais. E então eu empurro a porta do quarto de hospital. Uma enfermeira me olha quando entramos. 
— Sou o filho do sr. Jonas. 
Ela balança a cabeça solenemente e continua ajustando as máquinas e tubos conectados ao meu pai. O quarto é um espaço tipicamente neutro e estéril, com paredes brancas brilhantes e um chão de cerâmica tão lustroso que as lâmpadas dos painéis do forro são refletidas por ele. Ouço o bipe constante e regular do monitor de frequência cardíaca ao lado da cama do meu pai. 
Ainda não olhei para ele, na verdade. Noto que estou olhando para tudo no quarto, menos para ele. 
Os dedos de Demi apertam os meus. 
— Como ele está? - pergunto, mas sei que é uma pergunta idiota. Está morrendo; é assim que ele está. É que não consigo dizer mais nada. 
A enfermeira me olha sem expressão. 
— Ele não está consciente o tempo todo, como você já deve saber. 
Não, na verdade eu não sabia. 
— E não houve nenhuma mudança, nem para melhor, nem para pior - ela ajeita um tubo de soro preso nas costas da mão enrugada dele. 
Então ela dá a volta na cama, pega uma prancheta da mesinha e enfia debaixo do braço.
 — Mais alguém esteve aqui? - pergunto.
 A enfermeira balança a cabeça. 
— Parentes têm vindo nos últimos dias. Alguns saíram há mais ou menos uma hora, mas acho que devem voltar. 
Provavelmente Kevin, meu irmão mais velho, e sua esposa, Danielle. E meu
irmão mais novo, Nicholas. 
A enfermeira sai discretamente do quarto. 
Demi olha para mim, apertando mais forte minha mão. Seus olhos sorriem cautelosamente.
 — Vou sentar ali e deixar você visitar seu pai, tá? 
Concordo com a cabeça, embora tudo que ela disse tenha sumido da minha mente como uma lembrança fugidia. Seus dedos soltam os meus devagar e ela se senta perto da parede, numa poltrona de vinil. Respiro fundo e passo a língua em meus lábios ressecados. 
O rosto do meu pai está inchado. Tubos entram em suas narinas, levando oxigênio. 
Fico surpreso em ver que ele ainda não está sendo mantido por aparelhos, mas isso me dá uma pequena esperança. Bem pequena. Sei que ele não vai melhorar; isso já foi praticamente confirmado. O que sobrava do seu cabelo foi raspado. Falaram em tentar uma cirurgia, mas quando meu pai ficou sabendo que isso não iria salvá-lo, naturalmente reclamou: 
— Vocês não vão mexer na minha cabeça, caralho - ele exclamou. — Querem que eu pague milhares de dólares pra um médico de meia-tigela rachar a minha cachola? Puta que pariu, rapaz. Nem parece que você tem dois bagos no meio das pernas! 
Meus irmãos e eu estávamos dispostos a fazer o que fosse preciso para salvá-lo, mas ele assinou escondido da gente algum tipo de “cláusula” que dizia que, quando a situação piorasse, ninguém teria o direito de tomar essas decisões por ele. 
Foi minha mãe que alertou o hospital sobre os desejos do meu pai, dias antes que a cirurgia fosse realizada, e apresentou todos os papéis. Isso nos abalou, mas minha mãe é uma mulher inteligente e amorosa, e nenhum de nós jamais conseguiria ficar puto com ela por ter feito isso. 
Eu me aproximo e olho para o corpo dele. Minha mão meio que tem vontade própria, e quando dou por mim, está deslizando ao lado da dele e segurando-a. Até isso parece estranho. Como se eu não devesse tê-lo feito. Se fosse qualquer outra pessoa, eu não teria problema em segurar a mão dela. Mas este é meu pai, e sinto que estou fazendo algo errado. Posso ouvir a voz dele na minha cabeça: “Homem não pega na mão de homem, rapaz. Qual é o teu problema?” 
De repente, meu pai abre os olhos e instintivamente solto a mão dele. 
— É você, Joseph? 
Balanço a cabeça, olhando para ele.
— Cadê a Linda? 
— Quem? 
— Linda - ele diz, e seus olhos não conseguem decidir se querem ficar abertos. — Minha mulher, Linda. Cadê ela? 
Engulo com dificuldade e olho rapidamente para Demi, que está sentada quietinha, observando. Eu me viro para o meu pai. 
— Pai, você e Linda se divorciaram ano passado, lembra? 
Seus olhos verde-claros estão molhados. Não são lágrimas. É só umidade. Ele parece zonzo por um momento e estala os lábios, passando a língua seca na boca. 
— Quer um pouco d’água? - pergunto, e estico o braço para a longa mesa com rodinhas que foi afastada da cama. Uma jarra d’água cor-de-rosa e uma caneca grossa de plástico com tampa e um canudo no meio estão em cima dela. 
Meu pai faz que não com a cabeça. 
— Você ajeitou a sra. Nina? - ele pergunta. 
Balanço a cabeça de novo. 
— Sim, ela tá linda. Pintura e rodas especiais novas. 
— Que bom, que bom - ele aprova, assentindo um pouco com a cabeça também. 
A situação é meio constrangedora, e sei que isso está escrito na minha testa e na minha postura. Não sei o que dizer, se devia tentar forçá-lo a beber um pouco d’água ou apenas me sentar e esperar Kevin e Nicholas voltarem. Prefiro que eles cuidem dele. Não sou bom nessas coisas. 
— Quem é aquela coisinha linda? - ele pergunta, olhando para a parede. 
Eu me pergunto como meu pai consegue ver Demi lá longe, e então noto que ele a vê pelo espelho alto do outro lado, que reflete aquela parte do quarto. Demi fica imóvel por um instante, mas aquele sorriso lindo dela lhe ilumina o rosto. Ela levanta a mão e acena para ele pelo espelho. 
Mesmo com todo o inchaço, vejo um sorriso nos lábios do meu pai. 
— Aquela é a tua Eurídice? - ele pergunta, e eu arregalo os olhos. Espero que Demi não tenha ouvido isso, mas não sei como ela poderia não ouvir. Meu pai levanta fracamente uma mão e acena para Demi. 
Ela se levanta e vem ficar ao meu lado. Sorri com tanta ternura para ele que fico até impressionado. Parece que ela nasceu pra isso. Sei que está nervosa e talvez se sinta menos à vontade do que nunca, neste quarto com este moribundo que ela nem
conhece, mas segura a onda. 
— Olá, sr. Jonas - ela diz. — Sou Demi Lovato, amiga de Joseph. 
Ele olha para mim. Conheço essa cara; está comparando a resposta dela com a minha expressão, tentando decifrar o significado de “amiga”. 
E então, de repente, meu pai faz algo que nunca o vi fazer: ele estica a mão... para mim. 
O gesto me deixa atordoado. 
Só quando noto Demi disfarçadamente me alertando com os olhos para aceitar a mão dele é que caio em mim e a seguro, nervoso. Eu a seguro por um momento longo e embaraçoso e meu pai fecha os olhos e volta a dormir. Solto a mão dele quando sinto seu fraco aperto perder completamente a força. 
A porta se abre e meus irmãos entram, junto com a esposa de Kevin, Danielle. 
Me afasto do meu pai na hora, levando Demi comigo, sem perceber que estou segurando a mão dela de novo até que os olhos de Kevin descem para nossos dedos entrelaçados. 
— Que bom que você chegou - Kevin comenta, mas com uma pitada de desprezo na voz, sem dúvida. 
Ainda está puto comigo por não ter tomado um avião e chegado mais rápido. Ele vai ter que se conformar; cada um lamenta à sua maneira. 
Apesar disso, ele me puxa num abraço, apertando uma das mãos entre nós e batendo nas minhas costas com a outra. 
— Esta é Demi - apresento, olhando para ela. 
Ela sorri para os três, já da poltrona perto da parede. 
— Estes são meu irmão mais velho, Kevin, e sua esposa, Danielle - aponto delicadamente para eles. — E aquele é o mais pirralho, Nicholas. 
— Babaca - Nicholas responde. 
— Eu sei - concordo. 
Kevin e Danielle se sentam nas outras duas cadeiras, perto de uma mesa, e começam a distribuir os hambúrgueres e fritas que acabaram de comprar. 
— O velho ainda não acordou - Kevin diz, enfiando algumas batatas fritas na boca. — Detesto dizer isso, mas acho que nem vai. 
Demi olha para mim. Nós dois falamos com meu pai agora há pouco e sei que ela espera que eu conte isso. 
— Provavelmente não - digo, e vejo Demi apertando os olhos, confusa.
— Quanto tempo você vai ficar? - Kevin pergunta. 
— Não muito. 
— Por que isso não me surpreende? - ele dá uma mordida no seu hambúrguer. 
— Não começa com essa merda, Kevin, não tô a fim disso, e aqui não é a hora nem o lugar, porra. 
— Você que sabe - Kevin diz, balançando a cabeça e mastigando a comida. Ele mergulha algumas batatas fritas num montinho de ketchup que Danielle fez num guardanapo no meio da mesa. — Faz o que você quiser, mas esteja aqui pro enterro.
Não há emoção no seu rosto. Ele simplesmente continua a comer. 
Eu fico completamente paralisado. 
— Porra, Kevin - Nicholas diz atrás de mim. — Dá um tempo, cara! Fala sério, mano, o Joseph tem razão. 
Nicholas sempre foi o mediador entre mim e Kevin. Sempre foi o mais equilibrado. Eu e Kevin pensamos melhor com os punhos. Meu irmão mais velho sempre ganhou de mim quando éramos mais novos, mas mal sabia ele que sempre que me enchia de porrada estava me treinando. 
Agora estamos no mesmo nível. Evitamos as vias de fato a todo custo, mas sou o primeiro a admitir que não sei segurar minha onda tão bem quanto ele. E Kevin sabe disso. Por isso está ficando na dele, agora, e usando Danielle como uma distração. Ele limpa um pouco de ketchup da boca da esposa. Ela dá uma risadinha. 
O olhar de Demi cruza o meu; provavelmente ela está tentando chamar minha atenção há alguns minutos, e por um momento penso que quer me avisar que é hora de ir embora, mas ela só balança a cabeça, pedindo que eu me acalme. 
Obedeço na hora. 
— Então - Nicholas diz, para aliviar a tensão no ambiente. — Há quanto tempo vocês estão saindo? - ele se apoia na parede perto do aparelho de TV, cruzando os braços no peito. Somos um pouco diferentes, o Nicholas tem um cabelo mais baixo e enquanto o meu tem um corte legal e estiloso e os cabelos do Kevin tem um pouco de cachos.
— Oh, não, somos só amigos - digo. 
Acho que Demi ficou vermelha, mas não tenho certeza. 
— Deve ser uma boa amiga, pra vir até o Wyoming com você - Kevin diz. 
Por sorte, ele não está sendo babaca. Se decidisse descontar nela a raiva que sente de mim, eu iria ter que quebrar a cara dele.
— Pois é - Demi diz, e sou instantaneamente absorvido pela doçura da sua voz. — Eu moro perto de Galveston; achei que alguém devia viajar com o Joseph, já que ele vinha de ônibus. 
Fico surpreso por ela lembrar a cidade onde falei que morava. 
Kevin faz que sim com a cabeça para ela com simpatia; suas bochechas se movem enquanto ele mastiga. 
— Maior gata, mano - ouço Nicholas cochichar atrás de mim.
Eu me viro e o silencio com o olhar. Ele sorri, mas cala a boca. 
O velho se mexe quase imperceptivelmente e Nicholas se aproxima do lado da cama. Ele dá um soquinho amigável no nariz de papai. 
— Acorda. A gente trouxe hambúrguer. 
Kevin levanta seu sanduíche como se nosso pai pudesse vê-lo. 
— Tá bem gostoso. Melhor acordar logo, senão a gente come tudo. 
Papai continua imóvel. 
Ele treinou muito bem os três filhos. A gente jamais pensaria em ficar em volta da cama dele, deprimidos e essas merdas todas. E, quando ele morrer, Kevin e Nicholas provavelmente vão pedir uma pizza e uma caixa de cerveja e ficar falando merda até amanhecer. 
Eu não estarei aqui para participar disso. 
Aliás, quanto mais tempo eu ficar, maior a chance de ele morrer antes que eu vá embora. Falo com meus irmãos e com Danielle mais alguns minutos, e então me aproximo de Demi. 
— Você tá pronta? 
Ela pega minha mão e fica de pé. 
— Já vão embora? - Kevin diz. 
Demi fala antes de mim, dizendo com um sorriso: — Ele volta; a gente só vai comer alguma coisa. 
Ela está tentando desarmar a discussão antes que comece. Olha para mim e eu, concordando em fazer o mesmo, viro para Nicholas e digo: — Me liga se alguma coisa mudar. 
Nicholas concorda com a cabeça, mas não diz mais nada. 
— Tchau, Joseph - Danielle diz. — Foi bom te ver de novo.
— Você também. 
Nicholas nos acompanha até o corredor. 
— Você não vai voltar, vai? - ele diz. 
Demi se afasta de nós e anda pelo corredor para nos deixar conversar. 
Balanço a cabeça. 
— Desculpa, Nicholas, mas não consigo lidar com isso. Não consigo. 
— Eu sei, mano - ele faz que sim com a cabeça. — Papai não iria nem ligar, você sabe. Iria preferir que você fosse transar ou encher a cara em vez de ficar olhando pra ele naquela cama. 
Meu irmão está dizendo a verdade, por mais estranha que ela seja. 
Ele também olha de relance para Demi, depois de dizer isso. 
— Só amigos? Mesmo? - cochicha para mim com um sorriso malicioso. 
— Sim, a gente é só amigo, então cala essa boca, porra. 
Ele ri silenciosamente e bate no meu braço. 
— Te ligo quando for preciso, tá? 
Balanço a cabeça, concordando. Quando “for preciso” significa quando papai morrer. 
Nicholas levanta a mão para acenar para Demi. 
— Prazer. 
Ela sorri e ele volta para dentro do quarto. 
— Acho que você devia ficar aqui, Joseph. Acho mesmo. 
Começo a andar mais rapidamente pelo corredor e ela me acompanha. Enfio as mãos nos bolsos. Sempre faço isso quando estou nervoso. 
— Sei que você deve me achar um babaca egoísta por estar indo embora, mas você não entende. 
— Então me explica - ela insiste, me segurando pelo cotovelo enquanto continuamos andando. — Não acho que esteja sendo egoísta, só acho que você não sabe como lidar com esse tipo de dor. 
Ela está tentando me olhar nos olhos, mas não consigo olhar para ela. Só quero sair de dentro desta sentença de morte feita de tijolos vermelhos. 
Chegamos ao elevador e Demi para de falar porque há duas outras pessoas dentro dele, mas assim que chegamos ao térreo e as portas de metal se abrem, ela continua.
— Joseph. Para. Por favor! 
Paro ao ouvir a voz dela e ela me faz virar. Ela me olha com uma expressão tão atormentada que meu coração dói. Aquela longa trança loura continua sobre o ombro direito dela. 
— Fala comigo - ela diz mais baixinho, agora que chamou minha atenção. — Falar não faz mal. 
— Do mesmo jeito que não faz mal me contar por que o Texas? 
Isso a atinge. 

Gente, esse capítulo será divido em três partes ok?
Tremi com esse final, o que acharam?
Comentem, bjs lindonas <3

4 comentários:

  1. Ufa!!! Enfim consegui colocar a leitura em dia... adoro essa história!!! Eu li alguma coisa sobre a Demi e o Nick.... será que é verdade que eles estão juntos? Posta outro por favor!!!

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    1. Que bom que está gostando amor, to mudando algumas coisas da original...
      Não está não lindona, o Nick disse que era mentira!!!
      Já postei, bjs <3

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