11/05/2016

sussurros na noite: capítulo 21


O departamento de polícia de Palm Beach não era apenas eficiente, mas também sabia como lidar com seus cidadãos ricos e preeminentes sem lhes causar muitos transtornos, Demi reparou um tanto sombria. 
Minutos após entrarem em cena, os primeiros policiais já analisaram a situação, reuniram os ocupantes da casa para que as provas não fossem removidas, e notificaram o médico-legista do Condado de Palm Beach. A equipe encarregada de examinar a cena do crime chegou pouco depois, isolou toda a área e começou a recolher as impressões digitais. Nesse meio tempo, dois detetives deram início ao interrogatório com todos os moradores. 
A cozinheira, a arrumadeira, o mordomo e o jardineiro ficaram esperando na sala de jantar. Os membros da família e amigos foram levados para a sala de estar, para que pudessem ter privacidade e conforto. Desde que Gary Dishler pertencia aos dois grupos, ficou a cargo de Patrick determinar onde o assistente ficaria aguardando, e ele decidiu-se pela sala de estar. 
O capitão Walter Hocklin fora tirado da cama a fim de certificar-se pessoalmente de que Patrick Lovato e família não fossem submetidos a nenhum tipo de desnecessária inconveniência pelos detetives Dennis Flynn e Andy Cagle, ou pelos outros policiais designados para verificar o interior e o exterior da casa. 
Na saleta onde estava o corpo de Marie, os flashes das câmeras especavam vezes seguidas, enquanto o médico-legista fotografava o cadáver antes de removê-lo. Demi encolhia-se por dentro cada vez que via a luz do flash refletida no espelho do vestíbulo ao lado da sala de estar, e rezava para que Selena não percebesse, ou não soubesse, o que estavam fazendo. Sentada na sala em companhia de Joseph, Patrick e os outros, Demi sentia-se mergulhada numa onda de atordoado vazio e furiosa incredulidade. Os detetives Flynn e Cagle haviam terminado o interrogatório individual com cada um deles, mas depois de conferenciar com a equipe que se reunia na saleta, comunicaram que precisavam esclarecer e confirmar algumas das informações fornecidas. 
Os detetives comparavam as anotações enquanto o capitão Hocklin acomodou-se numa cadeira e, com toda cortesia, explicou à sua plateia por que isso seria necessário: 
— Sei que vocês estão cansados e muito abalados com tudo isso - disse, dirigindo seus comentários principalmente para Patrick e Selena. — Antes de incomodá-los com mais perguntas, vou lhes relatar o pouco que sabemos até o momento. Creio que o mais importante para vocês seja saber que a Sra. Lovato não sofreu. A bala atingiu o coração, provocando a morte instantânea. 
Fez uma pausa, e continuou. 
— Há evidências de arrombamento... uma janela na sala onde ela foi encontrada foi quebrada e destrancada. As gavetas foram pilhadas, mas sem a ajuda de vocês não teremos como saber o que foi removido. Não temos ideia de quanto tempo o assassino permaneceu na casa, ou se esteve em qualquer outro comodo. Pela manhã, vamos precisar que vocês examinem tudo e nos digam o que, se é que alguma coisa, está faltando. 
Parou novamente de falar, e Patrick assentiu. 
— Vamos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para abreviar ao máxima nossa permanência aqui. Agora mesmo estamos recolhendo as impressões digitais nos cômodos da família e dos hóspedes, de forma que todos poderão ocupar seus quartos pelo restante da noite. Mas não toquem em nada, nos outros cômodos da casa. Vamos passar a noite inteira trabalhando e esperamos liberar a casa amanhã, embora eu ainda não tenha certeza da hora. A imprensa local já teve acesso à notícia, portanto é bem provável que amanhã a história esteja sendo divulgada em nível nacional. Mas os portões na entrada da propriedade vão manter os repórteres à distância. Infelizmente, a propriedade também tem acesso pela praia e por isso isolamos toda a área e um policial ficará de guarda esta noite e amanhã, para manter as pessoas afastadas. Na minha opinião, o senhor deveria contratar uns dois seguranças particulares e deixá-los a postos nos fundos da casa, por alguns dias depois que sairmos. Do contrário, os curiosos e a imprensa não lhes darão sossego.
— Gary vai cuidar disso amanhã logo cedo - Patrick falou, e Gary assentiu, concordando.
— O senhor verá que se trata de uma providência sensata. Bem, prosseguindo: o interrogatório com os empregados residentes já está quase concluído, e eu gostaria de tirá-los daqui até que finalizemos tudo amanhã. O senhor poderia mandá-los para um motel nos arredores da cidade, e avisá-los para que fiquem disponíveis para mais perguntas? 
Patrick olhou para Gary, que tornou a assentir, dizendo:
— Eu cuido disso.
— Soube também que há mais duas arrumadeiras que não residem aqui. Estaremos interrogando-as amanhã, assim que chegarem para o trabalho. Depois disso, gostaria que elas fossem mandadas de volta para casa. - Satisfeito por ter esclarecido toda aquela parte, Hocklin atacou o problema do momento: — Lamento ter de submetê-los a mais perguntas num momento como este, mas é fundamental para o nosso trabalho obtermos o máximo de informações imediatamente, enquanto os senhores se lembram de tudo com mais nitidez. Os detetives Flynn e Cagle já conversaram com cada um em particular, mas será útil reuni-los para uma conversa em grupo. Às vezes uma pessoa da família diz algo que desperta a memória de outra pessoa. Detetive Flynn... - ele disse, indicando o detetive sentado à sua direita. 
Dennis Flynn aparentava mais de quarenta anos, tinha um corpo rechonchudo, altura mediana e um rosto redondo e bonachão que parecia pertencer ou a um pároco irlandês, ou a um charlatão irlandês. Ainda assim, havia algo nele que inspirava confiança... e confidências, e Demi presumiu que fora por este motivo que ele havia sido designado para aquele trabalho. 
Andy Cagle era o extremo oposto. Com vinte e tantos anos, Cagle era alto e magro, com um rosto fino quase todo ocupado por um par de óculos de lentes grossas que lhe dava um aspecto intelectual, e que ele ficava constantemente empurrando para cima do nariz. Havia uma desajeitada timidez em tudo o que ele fazia. Chegou a desculpar-se com Demi três vezes por incomodá-la com perguntas como seu nome, endereço e onde estivera naquela noite. Parecia aquele tipo de rapaz reticente e ingênuo que prefere desculpar-se a discordar, e que não reconheceria uma mentira nem se ela fosse esfregada em seu rosto. Demi desconfiava que, na verdade, ele era o mais arguto e eficiente dos dois detetives.
Desde que Nicholas a instruíra a ater-se à história que ambos haviam criado para o disfarce, metade do que Demi dissera ao detetive Cagle era mentira, mas naquelas circunstâncias pouca diferença fazia se ela era uma designer de interiores em férias, ou uma detetive da polícia trabalhando com o FBI: Marie Lovato estava morta, de qualquer jeito. Porem, se Demi tivesse ficado na casa, Marie ainda poderia estar viva. O único frágil consolo de Demi, e ao qual ela se agarrava, era que a bisavó não havia sofrido.
— Sr. Lovato - Flynn começou -, o senhor disse que chegou em casa por volta das onze da noite?
Demi viu a mão de Patrick tremer quando afastou os cabelos da testa. Estava pálido de choque, e o coração de Demi suavizou-se um pouquinho em favor dele. Talvez Marie não fosse uma pessoa fácil de se conviver, mas ele estava nitidamente devastado pela maneira como ela morrera. Assentiu em resposta à pergunta de Flynn, e pigarreou.
 — Exatamente. Joguei pôquer com um grupo de amigos até as dez e quarenta e cinco. Depois, vim direto para casa, o trajeto leva cerca de quinze minutos. Estacionei o carro na garagem e subi para meu quarto. 
— Agora, pense bem. Quando o senhor entrou na propriedade com seu carro, notou algum veículo estacionado na rua, ou qualquer outra coisa suspeita?
— O senhor já me perguntou isso antes, e estive tentando me lembrar. Tenho a impressão de ter visto uma van branca estacionada um pouco abaixo, na rua.
— E o que reparou neste veículo? 
— Somente que eu já havia visto uma van como aquela, em algum dia desta semana. 
Flynn assentiu e fez uma anotação no bloquinho. 
— O senhor disse que foi até a garagem. Existem quatro entradas dos fundos, nesta casa: um acesso à cozinha pela garagem, e outro da área dos fundos para a cozinha. As outras duas também se abrem para o gramado, mas de cômodos diferentes. Depois que guardou o carro na garagem, qual destas entradas o senhor utilizou? 
Patrick olhou-o como se fosse um imbecil.
— Entrei pela porta da garagem que dá acesso à cozinha, é claro. 
Impassível diante da atitude de Patrick, o detetive Flynn escreveu mais alguma coisa no bloco.
— O senhor passou pelo cômodo onde a vítima foi encontrada, a caminho do seu quarto, ou ouviu algum barulho lá dentro?
— Não. Saí da cozinha em direção das escadas, e subi. 
— A Sra. Lovato costumava ficar sozinha naquela sala, com a porta fechada, à noite? 
— Não com a porta fechada, mas ela gostava de ficar na saleta à noite porque tem vista para o gramado, e há também o televisor de tela grande. Ela preferia não ficar no solário à noite, porque tinha de acender muitas luzes a fim de ficar confortável. - Patrick estava sentado com os braços apoiados nos joelhos e as mãos cruzadas, mas agora pousou a cabeça entre as mãos, como se não conseguisse suportar a lembrança do que ela havia sido apenas umas poucas horas atrás.
— O senhor diria, então, que ela costumava ficar naquela sala, com as cortinas abertas? 
Ele fez que sim. 
— Neste caso, se alguém estivesse na praia observando a casa, seria capaz de averiguar que ela estava ali? 
Patrick levantou a cabeça de repente.
— O senhor está sugerindo que algum psicopata andou espionando a casa, noite após noite, esperando uma chance de assassiná-la?
— É possível. A Sra. Lovato tinha alguma deficiência física?
— Ela estava com noventa e cinco anos. Só isso já é uma deficiência. 
— Mas era capaz de andar?  
Patrick assentiu.
— Sim, ela era bastante ágil para a idade. 
— E quanto à visão?
— Ela precisava de óculos fortes para ler, mas os usava há mais tempo do que consigo me lembrar. 
— Tinha algum problema de audição?  
Patrick engoliu em seco.
— Apenas quando queria. Por que está perguntando tudo isso? 
— É o procedimento padrão.
Flynn estava mentindo, e Demi sabia disso. Sininhos de alarme começaram a soar em sua cabeça no instante em que Hocklin mencionara uma janela quebrada na saleta. Marie seria perfeitamente capaz de ver ou ouvir algo que a alertasse para o fato de que alguém estava arrombando a janela, e teria tentado fugir. Mas não foi o que fez. Quando Demi encontrou-a, estava caída com o rosto no assento do sofá. Por outro lado, Demi sabia que suas juntas estavam rígidas e que, às vezes, ela demorava muito tempo até conseguir se levantar. Talvez tivesse tentado, sem conseguir erguer-se a tempo. Tanto Flynn como Cagle deveriam saber desta limitação. 
— A Sra. Lovato sofria de artrite - Demi falou devagar, atraindo imediatamente a atenção dos dois detetives. — Sei que não se trata de uma deficiência, mas ela sentia dores e às vezes tinha muita dificuldade para se levantar, se ficasse sentada por um tempo prolongado.
— Fico contente que tenha mencionado isso, Srta. Lovato - Hocklin apressou-se em dizer. — Pode ser muito útil. Obrigado. 
Demi olhou para Nicholas, que estava sentado ao lado de Joseph no sofá à sua frente, e tentou perceber qual seria sua reação por ela haver fornecido informações sem que os detetives a requisitassem. Mas Nicholas olhava para Selena, com uma expressão tão impassível quanto intensa. 
Joseph captou seu olhar e enviou-lhe um sorriso de encorajamento e apoio, e ela desejou imensamente encostar a cabeça em seu ombro forte e chorar. Era uma policial, e ainda assim não fora capaz de impedir que um membro de sua família fosse assassinado. Era policial, treinada para reparar em qualquer coisa suspeita, estivesse ou não de serviço, e ainda assim era bem possível que passara a poucos metros do assassino de Marie quando saíra de casa a caminho da praia, e não havia reparado em nada
— Srta. Lovato - disse Flynn, olhando para Selena depois de rever suas anotações. — A senhorita afirmou que havia tomado uma medicação para enxaqueca durante a tarde, e que só acordou por volta das dez horas. Sabe o que a fez despertar?
— Não. Mas eu dormi durante horas, e provavelmente o efeito do comprimido já estava acabando. 
— O que a senhorita fez, depois que acordou? 
— Já lhe disse... Quis tomar um pouco de ar e fui até a varanda do meu quarto. 
— Viu algo suspeito?
— Não, nada que fosse suspeito.
— A hora em que a senhorita acordou coincide com a hora da morte da Sra. Lovato  e, ao que parece, o agressor entrou pela janela da saleta. A varanda do seu quarto não fica muito longe desta janela.
— Eu sei! Mas não vi nada suspeito.
— Nada, mesmo? Nada que fosse ao menos um pouco estranho?
— Vi apenas Joseph saindo da... - Selena calou-se, com uma expressão tão horrorizada que quase fez Joseph parecer culpado. — Joseph, eu não pretendia... 
O detetive Cagle falou pela primeira vez. Com aquela expressão hesitante, insegura, perguntou:
 — Sr. Jonas, o senhor não mencionou ter vindo até a casa. Disse que havia encontrado a Srta. Lovato na praia. 
Joseph não parecia preocupado com o rumo que o interrogatório tomara de repente. 
— Eu entrei pelo gramado e estava a meio caminho da casa quando avistei uma mulher andando na praia. Imaginei que pudesse ser Demi, então parei e fiquei esperando até ter certeza. Depois voltei para a praia, que foi, tecnicamente, onde a encontrei.
— O senhor tem o hábito de vir até aqui tarde da noite, sem telefonar avisando?
— Eu liguei antes de vir, mas ninguém atendeu.
— A que horas o senhor ligou? 
— Uns quinze minutos antes de me decidir a vir para cá. A secretária eletrônica estava ligada.
— Sim, está certo - Gary Dishler intercedeu com firmeza. 
— Nordstrom vai se deitar cedo, porque tem de acordar muito cedo também, por isso sou eu quem atende os telefonemas depois das nove e meia. Ouvi o telefone tocar quando estava no banho, mas quando corri para atender no meu quarto o Sr. Jonas desligou. Verifiquei o recado na secretária eletrônica para me certificar de que não seria algo urgente, ou que precisasse de resposta imediata. O Sr. Jonas havia deixado uma breve mensagem para a Srta. Lovato. Fez um tipo de brincadeira, dizendo que sabia que ela estava aqui e que viria jogar pedras na janela de sua varanda. Usei o interfone para ligar no quarto da Srta. Lovato, mas ela não estava. Ainda tentei os outros cômodos da casa, mas não obtive resposta em nenhum deles. Presumi que ela havia saído.
— E fez mais alguma coisa, depois disso? 
— Sim. Pouco depois, antes de ir me deitar, desativei os raios infravermelhos, para que não fossem acionados com o sistema de segurança, que é ligado automaticamente à meia-noite. 
— E por que desativou os raios infravermelhos? 
— Para que a Srta. Lovato, ou o Sr. Jonas, pudessem entrar pelo gramado depois da meia-noite sem passar pelos raios e ativar o alarme. É muito simples desativar os raios, mas fui obrigado a ler o manual de instruções, logo que a Srta. Lovato chegou aqui. 
— Por quê?
— Porque a Srta. Lovato gosta de correr na praia logo cedo, e de fazer caminhadas tarde da noite. O Sr. Lovato e a Srta. Selena não costumam entregar-se a tais atividades. 
Demi sempre nutrira sentimentos ambivalentes em relação a Dishler, e por isso não ficou surpresa quando ele deu-se ao trabalho de protegê-la lealmente, e também a Joseph, de futuras suspeitas. Era como se ele tivesse captado as dúvidas dos detetives acerca do telefonema de Joseph e do passeio noturno de Demi pela praia, e estava determinado a esclarecê-las.
— Embora ninguém tenha se preocupado em me perguntar, também posso confirmar que o Sr. Jonas não chegou a entrar na casa. Eu estava abrindo minha janela, pois gosto de dormir com o ar da noite, quando vi o Sr. Jonas entrar pelo gramado dos fundos, parar por um instante, e depois sair de volta para a praia. 
— E você viu a Srta. Lovato?
— Não, não vi. Mas notei que o Sr. Jonas dirigiu-se para o lado norte da propriedade, e não para o sul, onde fica a casa dele. Sabendo do que sei agora, presumo que a Srta. Lovato estivesse voltando pelo lado norte quando ele a avistou, e atravessou a propriedade naquela direção a fim de interceptá-la. 
Cagle parecia satisfeito, impressionado e muito, muito arrependido.
— Não tive intenção de insinuar nenhuma suspeita em relação à Srta. Lovato ou ao Sr. Jonas. Apenas quero saber onde todos estavam, e quando, para que possamos descartar estes locais quando iniciarmos as buscas nos arredores e na casa, amanhã. Não estou no departamento de polícia há muito tempo, e vocês podem me considerar como uma espécie de aprendiz... 
Enviou um olhar de desculpas a todos na sala, incluindo o capitão Hocklin, empurrou os óculos no nariz e tentou parecer invisível quando o detetive Flynn assumiu o comando.
— Já estamos quase terminando, por hoje - disse Flynn.
 — Sr. Parker, o senhor afirmou que esteve fora o dia todo, a negócios, e retornou somente por volta das onze da noite?
— Certo.
— E o senhor acionou o interfone nos portões, falou com o sr. Dishler e ele o fez entrar? 
— Exatamente.
— Obrigado, Sr. Lovato.
— Isso está correto - Dishler acrescentou. 
— E obrigado, sr. Dishler - Flynn agradeceu calorosamente. — Srta. Lovato? - falou, olhando para Demi. — A senhorita se importaria de me relatar novamente os últimos acontecimentos da noite? Disse que jantou com a vítima. O que aconteceu depois disso, por favor? 
Demi endireitou o corpo e pressionou as têmporas, sem dar-se conta de que a cabeça começava a latejar.
— Depois do jantar, fiquei com ela vendo tevê na saleta onde o senhor a encontrou até as nove e meia, mais ou menos. Depois, decidi ir para meu quarto escrever uma carta. A Sra. Lovato gosta muito de programas de jogos e concursos, e eu já havia assistido. Achei que não aguentaria ver mais nenhum. Ela fica muito atenta ao programa e não gosta de conversar, a não ser nos intervalos dos comerciais. Bem, eu fiquei sentada ali durante horas, e quando subi para o meu quarto achei que estava com mais vontade de dar uma caminhada do que de sentar-me novamente para escrever. 
O detetive Flynn mostrava-se muito compreensivo e simpático.
— Espero que não esteja se culpando por tê-la deixado sozinha. Se estivesse com ela, é bem provável que também fosse vítima do mesmo agressor. 
— Talvez - Demi falou, sentindo uma onda de ódio pelo monstro que fizera aquilo, e de si mesma por não ter estado presente para impedi-lo. Se não estivesse tão envolvida com Joseph, talvez aquela tragédia jamais acontecesse. 
Um arrepio percorreu todo seu corpo, e ela estremeceu. Joseph reparou nisso e havia um nítido tom de irritação em sua voz, quando voltou-se para o capitão, dizendo rispidamente: 
— Creio que os senhores já têm informações suficientes com que se ocupar a noite inteira. Estas pessoas precisam descansar um pouco. 
Para o alívio de Demi, o capitão levantou-se no mesmo instante, com uma expressão de desculpas. Os detetives fizeram o mesmo.
— O senhor está certo, Sr. Jonas. 
Patrick foi para seu quarto imediatamente, e Selena levantou-se para segui-lo. Estava parecendo um fantasma, com o rosto pálido e sem expressão, apertando um lenço nas mãos, mas não se permitiria perder o controle na frente de estranhos. Demi acompanhou-a até a porta e, quando parou, viu que este controle estava começando a ruir. 
— Você não vai se deitar também? - Selena perguntou, com voz trémula. Parecia estar com medo de ficar sozinha, uma reação normal a tudo o que acontecera, e que Demi compreendia pela experiência que tinha. 
— Daqui a pouco - Demi prometeu. — Primeiro quero conversar com Nicholas. Eu estava pensando... - acrescentou delicadamente. — Você se incomoda de dormir no meu quarto, esta noite? A cama é enorme e... 
Selena já estava assentindo, aliviada, e Demi deu-lhe um abraço apertado, tentando infundir-lhe um pouco da sua própria força. Quando Demi virou-se, teve um relance da sua imagem no espelho, porem não reconheceu que estava quase tão abatida quanto Selena, nem que tremia por dentro de tristeza e cansaço.
Joseph, no entanto, reconheceu os sinais e, como Patrick saíra da sala, parou de fingir ser apenas um amigo da família. Ignorando a presença de Nicholas, tomou Demi entre os braços e afagou-lhe o rosto contra seu peito. 
— Venha para casa comigo - disse, num sussurro doloroso — Nós cuidaremos de você. Não fique aqui esta noite, meu bem. 
Era a primeira vez que ele usava aquele tratamento carinhoso, e sua ternura pungente quase fez com que Demi desabasse. Ela estava tão acostumada a cuidar das outras pessoas, a dar-lhes a sua força, que quase chorou ao perceber que Joseph estava ali para lhe oferecer a força dele.
— Não posso - disse, mas uma lágrima correu pelo seu rosto.
Joseph enxugou-a com a ponta do dedo, mas logo outra lágrima se seguiu. O carinho dele estava realizando o que a adversidade jamais conseguira: Demi estava a ponto de perder o controle.
— Vou ficar bem - ela disse, afastando-se dele e enxugando as lágrimas com impaciência. Viu, de relance, que Nicholas os observava, e naquele instante ele parecia estar tão furioso que ela sentiu-se gelar. Então, voltou-se para Joseph.
— Vou ficar bem, de verdade - repetiu com um sorriso fixo, e quando ele ainda duvidou, Demi tomou-lhe a mão e levou-o até a porta dos fundos.   

    

Como Demi já imaginava, Nicholas havia subido para seu quarto, onde poderiam conversar à vontade. Ele deixara a porta entreaberta e Demi entrou, fechando-a em seguida. 
Nicholas estava parado junto à janela, com um copo de bebida na mão, observando Joseph atravessar o gramado na direção da casa dele. 
— Foi mesmo uma noite de merda - ele falou furioso, fechando a janela e virando-se. 
Exceto pela raiva que Demi percebera nele quando Joseph estava saindo, Nicholas havia se comportado como um vendedor de seguros bem-educado e devidamente chocado durante toda a noite. Agora, porem, estava tão furioso quanto demonstrava.
Ele encaminhou-se para um par de confortáveis poltronas perto da cama. 
— O que diabos está acontecendo entre você e Jonas? - inquiriu. 
Nicholas não tinha nada a ver com isso, mas Demi estava espantada demais para sentir-se ofendida. Por outro lado, achava que não lhe devia nenhuma explicação, e muito menos os detalhes.
— O que você acha que está acontecendo? - perguntou calmamente enquanto sentava-se na poltrona diante dele.
— Baseando-me no que observei durante a última semana - ele respondeu sarcástico. — Tive a impressão de que, provavelmente, vocês estavam envolvidos num ligeiro flerte. Mas é mais do que isso, não é? Eu presenciei aquela cena romântica antes de ele sair, e vi o jeito com que vocês se olhavam esta noite.
— E daí? - Demi retrucou, na defensiva. Ele cerrou os dentes.
— Como você pode ser tão esperta em relação a tudo, e tão malditamente estúpida em relação a ele? Segundo suas próprias palavras, ele guarda um arsenal no iate e tem um considerável esconderijo de armas de fogo no veleiro. 
— Os donos de barcos costumam ter armas a bordo! Ele não está vendendo, nem traficando aquelas armas. Existem portos em vários lugares do mundo que não são completamente seguros. Joseph está protegendo a própria vida e as vidas de seus tripulantes, e também a sua propriedade! 
— Com uma metralhadora? - Nicholas ironizou, raivoso. — Com um compartimento cheio de armas automáticas? Pois a mim me parece que ele tem algum tipo de carga que precisa ser protegida. 
— Ora, isso é ridículo! E eu já lhe disse que ele confiscou a metralhadora. Além do mais, nunca afirmei que as armas eram automáticas. 
— Não poderia afirmar porque não chegou perto delas o suficiente para saber! 
— Nicholas, eu não tinha ideia de que você estava tão preocupado com isso - Demi falou, tentando manter a irritação sob controle. — Se for para deixá-lo mais tranquilizado, posso pedir a Joseph que me mostre as armas novamente. 
— Não, não faça isso. Esqueça as tais armas! Escute, eu só não quero que você se envolva emocionalmente com este sujeito. Não dou a mínima se você foi para a cama com ele; afinal, são dois adultos. No entanto, tive a estúpida presunção de que algo assim não aconteceria, levando em conta a sua história de vida. Você não costumava ir para a cama com seus namorados, em Bell Harbor!
— Como sabe disso? - Demi inquiriu, irritada. 
— Como eu sei? - ele repetiu, sarcástico. — Ora, eu sei até quando seu primeiro dente permanente nasceu! Como acha que fiquei sabendo? - Inclinando-se para a frente, pousou os braços nos joelhos e fixou os olhos na bebida, enquanto girava o copo entre as mãos. Quando tornou a falar, parecia mais cansado e preocupado do que zangado. — Até que ponto você está envolvida com Jonas, Demi? Emocionalmente, quero dizer.
Ele fez a pergunta com uma preocupação quase paternal, e Demi respondeu com firmeza, mas sem nenhum rancor.
— Isso não é da sua conta, Nicholas. 
Mas ele chegou sozinho à conclusão correta, e seus lábios contorceram-se num sorriso irônico enquanto olhava para o copo, e declarou:
— Está me parecendo que se trata de um envolvimento e tanto...
— Nicholas? 
Ele encarou-a. 
— Por que estamos falando sobre Joseph, quando alguém foi assassinado nesta casa? Você não achou nada de estranho naquela reunião que acabamos de ter lá na sala?
Para seu alívio, Nicholas não insistiu na discussão sobre Joseph. 
— Não sei. Acho que estava um pouco distraído. A que, exatamente, você está se referindo? 
— Eles disseram que a janela da saleta foi arrombada e, supostamente, foi por ali que o assassino entrou. Mas isso não faz sentido. As cortinas estavam abertas e Marie estava bem perto delas, assistindo à tv. Mesmo se não o visse de imediato, teria escutado o barulho do vidro quebrando.
— Talvez não, se ele não tivesse feito muito barulho e se o som do televisor estivesse alto o bastante para distraí-la. 
— Mas por que um ladrão se arriscaria tanto, se poderia ter entrado por qualquer outro cômodo? E por que ela não fugiu, quando notou que ele estava entrando? 
— A vista dela não era muito boa, e as janelas estavam à sua esquerda. Se estivesse concentrada na tv, pode ser que só o visse quando já era tarde demais. 
— Sim, a visão dela não era boa, mas Marie estava longe de ser cega! Foi encontrada no sofá, o que significa que o assassino teve de arrombar a janela, abri-la, esgueirar-se para dentro, aproximar-se dela e atirar antes que ela o visse. Ou foi isso - Demi concluiu, num tom significativo -, — Ou ela não achou que precisava ter medo da pessoa que lhe deu o tiro. 
— O médico-legista poderá determinar onde cada um deles estava, quando tudo aconteceu. Demi tinha a sensação de que, por algum motivo, Nicholas ainda estava preocupado com Joseph, e isso frustrou-a a ponto de lhe provocar lágrimas de raiva. 
— Será que você não entende aonde estou querendo chegar?
— É claro que sim - ele respondeu com um suspiro cansado. - Com exceção da janela arrombada, tudo aponta para alguém de dentro da casa.
— Mais cedo ou mais tarde, Flynn e Cagle irão coletar os dados sobre mim. Tenho certeza de que você tem cobertura para o seu disfarce, mas eles não precisarão olhar duas vezes para saber que não sou uma designer de interiores em Bell Harbor. 
— Tenho esperanças de que eles façam isso mais tarde do que mais cedo. Afinal, é bem pouco provável que você esteja na lista de suspeitos. Por que arrombaria uma janela para entrar na casa, se tem uma chave? 
— Justamente para simular um assalto - Demi respondeu, exausta. Recostou a cabeça na poltrona e fechou os olhos. — Andy Cagle é esperto. Ele vai investigar meus dados no computador central, mesmo se me descartou como suspeita. Você precisa me deixar contar toda a verdade a ele, para que possam me eliminar como suspeita e concentrarem-se nas possibilidades mais concretas. Acho que eu deveria falar com ele logo cedo. 
— Não - Nicholas disparou, ríspido.
— Há riscos demais que Patrick acabe descobrindo. Preciso de pelo menos trinta e seis horas, antes que isso aconteça. Depois de trinta e seis horas, nada mais terá importância. Demi abriu os olhos e encarou-o.
— O que vai acontecer em trinta e seis horas?  
Nicholas franziu a testa e girou o copo nas mãos.
— Não posso lhe dizer. 
— Já estou ficando realmente cansada disso... 
— Acredite em mim, Demi - ele falou, lacônico. — Eu bem que gostaria de lhe revelar tudo e, se pudesse, já o teria feito... Mas não posso. Não depois do que aconteceu hoje. 
Demi pensou que ele estivesse se referindo ao assassinato de Marie. Não podia imaginar qualquer tipo de conexão, mas era óbvio que Nicholas não lhe diria nenhuma palavra. 
— Você tem alguma pista sobre quem pode ter feito isso, ou trata-se de outro ”segredo” que precisa ser bem guardado? - perguntou, amarga. 
Para sua surpresa, Nicholas lhe forneceu uma resposta completa: 
— Isso depende. Se Flynn e Cagle tiverem algo substancial que aponte na direção de um roubo planejado com a ajuda de alguém da casa, eu começaria com as arrumadeiras que moram fora, e não com os empregados residentes. Lovato disse-me, mais de uma vez, que a atual equipe de empregados está com a família há anos. Em todo caso quem quer que seja o assassino, usou uma arma de nove milímetros, pois eu vi o projétil no chão, e também era um amador. 
— Está pensando nisso porque ele arriscou-se tanto ao entrar pela janela da saleta... se é que foi por ali mesmo que entrou? 
—Não, porque ele desprezou alguns objetos que um ladrão profissional não deixaria de levar. Quando você foi lá fora tentar alcançá-lo, eu fiquei na saleta com Selena. O anel de diamantes que Marie sempre usava tinha sido tirado da mão dela, mas o ladrão esqueceu de levar um valioso broche de brilhantes que ela estava usando, bem como o anel da outra mão. Este é outro motivo para que Cagle e Flynn a descartem como suspeita. Por que você se daria ao trabalho de simular um arrombamento, matá-la e depois deixar os objetos valiosos para trás?
Quando Demi não lhe deu uma resposta, ele continuou: 
— A propósito, o que a levou a procurar na parte da frente da casa, em vez de ir para os fundos?
— Eu havia acabado de passar pelos fundos com Joseph, e não tinha visto ninguém por ali, nem na praia. Mesmo sabendo que a parte da frente seria uma possibilidade remota, eu tive de tentar. 
O cansaço invadia Demi em ondas gigantescas, e ela teve a sensação de que não conseguiria conter as lágrimas por muito mais tempo. Pensou no corpo de Marie no sofá, com os cabelos ainda perfeitamente arrumados, o vestido cobrindo-lhe os joelhos com a mesma rigidez de sempre. Alguém lhe roubara a vida e as jóias, mas mesmo na morte ela havia mantido a dignidade. Demi respirou fundo, tremula, e enxugou uma lágrima no rosto. 
— Não consigo acreditar que ela morreu. 
— Amanhã será pior - Nicholas afirmou, com a filosófica certeza de alguém que já passou por isso muitas e muitas vezes.
— Vamos dormir um pouco. Você precisa descansar, e eu também.
 Até agora, ela não tinha percebido o quanto Nicholas também parecia abatido. Ele disse que estivera ”distraído” durante o interrogatório, mas Demi tinha a estranha impressão de que, na verdade, estava preocupado. Muito preocupado. Nicholas sempre se mostrara tão seguro e resoluto que era difícil imaginá-lo de qualquer outra forma.
— Vejo você de manhã - ela disse. 
Em seu quarto, Demi tirou as roupas e vestiu uma velha camiseta que Sara não havia removido da mala. Tomando todo cuidado para não acordar Selena, deitou na cama e mergulhou num sono instantâneo e agitado. 

Quem vocês acham que matou a Marie? Será que foi um ladrão ou uma pessoa próxima? Espero que tenham gostado, comentem! Bjs lindonas <3

2 comentários:

  1. Esse Gary é suspeito, mas não sei, as possibilidades são muitas. Essa história da janela quebrada esta muito suspeita...já estou com dó da Demi, vc disse que ela vai sofrer, será que a Selena e o Joseph vão desconfiar dela? Continua....

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    1. Hm só posso dizer que numa coisa você acertou! A demi vai sofrer um pouco, mas tudo vai dá certo. Amanhã postarei lindona, bjs <3

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