19/04/2017

heartbeat: capítulo 40


Pulsação

Quando Demi acordou na manhã seguinte, o cheiro de bacon assaltou os seus sentidos e ela deixou a cama vazia. Nuvens fofas, cinzentas como uma velha lápide, pontilhavam o céu para além da janela. Pelo visto, a chuva rondaria o dia todo. Alongando-se preguiçosamente, bocejou e olhou ao redor. Enfiando a cabeça pela porta, ouviu as vozes de Joseph e do pai vindas lá de baixo. Sorriu de como eles faziam piadas e riam juntos. Decidindo tomar um banho rápido antes de saírem, Demi vasculhou a mala à procura de uma calça capri macia e de uma camiseta vermelha. Com as roupas em mãos, entrou no banheiro e se entregou a uma chuveirada longa e quente. Tão logo terminou, usou um secador, se vestiu e desceu. Paul estava sozinho na cozinha, procurou Joseph.
– Bom dia – cumprimentou Demi, puxando uma cadeira. – Onde está o Joseph?
Segurando uma espátula, Paul a encarou.
– Bom dia para você também – respondeu ele com um sorriso. – A gente ficou sem leite. Ele deu um pulo no mercado. – Paul lhe serviu um copo alto de suco de laranja e o deslizou pela bancada de granito. – Beba. É bom para você e para o meu neto.
Demi sorriu, deleitando-se com o tom orgulhoso do sogro.
– Obrigada.
Ela bebericou o suco e olhou à sua volta.
– Todo mundo ainda está dormindo?
– Denise está se arrumando. – Paul quebrou o ovo em cima de uma chapa crepitante. – Fallon e Trevor estão acordados. Ele desceu e pegou duas xícaras de café. Ainda não vi Selena e Abel. – ele tomou um gole do seu suco. – Bacon com ovos?
– Claro – respondeu Demi, a barriga roncando com o cheiro tentador.
Paul colocou algumas colheradas de ovos e algumas fatias de bacon num prato. Pondo-o diante de Demi, ele sorriu e as rugas ao redor dos olhos se pronunciaram.
– Espero que goste.
– Obrigada.
Demi pegou o garfo e atacou o prato. Durante os vinte minutos seguintes, ela ouviu Paul falar de Joseph. Descobriu que seu torcedor fanático dos Yankees não só tinha amado os Mets em um momento da vida como, no último ano do ensino médio, arremessara num jogo no qual o oponente não conseguira marcar um único ponto. Depois disso, havia deixado o campo para nunca mais voltar a jogar, a não ser por divertimento. Paul acreditava que a decisão de Joseph teria sido motivada pela pressão dos olheiros para que ele levasse o talento às ligas profissionais. Considerando a enorme paixão de Joseph pelo beisebol, Demi ficou surpresa. Entretanto, imaginou que isso tivesse mais a ver com seu desejo de se tornar arquiteto. De qualquer forma, sua curiosidade foi atiçada e ela queria questioná-lo na volta para casa. Ao término da refeição, Demi consultou o relógio. Ele já saíra havia trinta minutos.
– O Joseph foi tirar leite da vaca em alguma fazenda? – ela apontou para o relógio do fogão de aço inoxidável. – Ele já saiu há um bom tempo.
Paul estreitou os olhos, levantando-se devagar.
– Hum. Ele realmente está demorando. – olhou pela janela, para as pesadas gotas de chuva que caíam. – Talvez esteja indo bem devagar. Ele disse que iria de moto.
– Ah – falou Demi baixinho.
Uma angustiante inquietação se apossou dela; relembrou uma conversa que tivera com Joseph havia não muito tempo. Bastante entusiasmado, ele contara como gostava de levar a moto até velocidades absurdas nas estradas de East Hampton.
– Vou ligar para o celular dele e ver se está tudo bem.
Paul meneou a cabeça e Demi partiu em direção à escada. Subindo dois degraus de cada vez, chegou ao topo em segundos. Ao se virar, deu de cara com Selena, que secava os cabelos com uma toalha. Ela olhou fixo para Demi.
– Por que você está com uma cara tão assustada?
Demi desviou o olhar para uma janela arqueada que ia do chão ao teto. Prendeu a respiração enquanto olhava a chuva despencar, grossa e pesada. Com um gesto rápido, sacou o celular da bolsa e apertou o botão de discagem rápida do número de Joseph. No quarto toque, ela soube que ele não iria atender.
– Demi, que diabos há de errado? – Selena estava parada no vão da porta, confusa.
Engolindo em seco, Demi desligou o telefone.
– Joseph saiu para comprar leite e ainda não voltou. E ele foi de moto.
Selena deu de ombros.
– Ok. Está chovendo. Ele provavelmente está vindo bem devagarinho, garota. Fique tranquila.
Selena tinha razão. Ela devia estar exagerando. Sabia que Joseph era inteligente o bastante para não dirigir enlouquecido, no entanto, havia algo de errado e ela não conseguia dizer o quê. Não era algo que sentisse em suas entranhas, mas o contrário, um vazio que lenta e sorrateiramente se apossava do seu corpo. Enquanto tentava se convencer a descer do penhasco onde a mente se debruçava, a campainha tocou. Demi correu até a janela do quarto e o coração parou de bater quando avistou uma viatura da polícia de East Hampton. Passou em disparada por Selena, despencando escada abaixo. Parou no patamar e levou a mão à barriga, que se contraía. A dor atacava-lhe o abdômen. Segurou com força o corrimão e tentou desacelerar a respiração e diminuir a velocidade dos pensamentos. Joseph provavelmente tinha sido parado por correr demais. Pelo menos era disso que Demi queria se convencer ao observar Paul abrir a porta.
O nome completo de Joseph... então as palavras. Mesmo baixas, atingiram os ouvidos de Demi, roubando-lhe o equilíbrio.
Perdeu o controle...
Grave...
Levado de helicóptero...
Estado crítico...
Demi tentava respirar enquanto o corpo instintivamente se deixava afundar nos degraus, a mão ainda agarrada ao parapeito frio de metal. O caos dominou tudo à sua volta, mas ela não notou. Não conseguia pensar nem sentir. Sua mente passou a um estado de dormência, os ouvidos bloqueavam os gritos e o pranto de Denise. Mal se deu conta de Trevor levantando-a da escada e conduzindo-a até o ar quente e úmido. Uma pesada gota de chuva caiu na sua cabeça. Outra, na sua face. Logo se viu encharcada e sentada no carro de Trevor.
Fitando a estrada que passava voando sem realmente enxergá-la, Demi estava paralisada de medo. Enquanto a chuva fustigava o teto do carro, seu coração galopante chacoalhava o corpo todo. Sua mente foi se arrastando pelas recordações dos últimos meses, espinhosas e belas, mas a consciência fria do que estava acontecendo fez Demi afundar ainda mais no assento. Joseph estava criticamente ferido. O que o policial dissera atravessou as comportas, mergulhando-a em uma tristeza profunda. Uma torrente de lágrimas caiu e uma dor de cabeça brutal fez um ninho permanente nos beirais mais sombrios do seu crânio.

***

Quando chegaram ao hospital, a chuva havia ficado ainda mais ruidosa, o ritmo tão constante quanto os aplausos num show de rock. Demi abriu a porta do carro e saltou. Com a mente dispersa e confusa, ela se dirigiu à emergência, rezando. Ainda sem conseguir falar, ouviu Trevor e Fallon perguntarem onde estava Joseph. Depois de pegar alguns dados, a enfermeira por trás do balcão apontou para o fim do corredor. Com os olhos marejados, Demi se apoiou no braço de Trevor em busca de equilíbrio enquanto entravam num elevador.
– Demi, me ouça – sussurrou Trevor, a voz embargada. – Ele vai ficar bem.
Fallon afagou os cabelos encharcados de Demi.
– Ele vai, sim, Demi. Você não pode perder a esperança.
Perdeu o controle...
Grave...
Levado de helicóptero...
Estado crítico...
Demi balançou a cabeça e disse, gaguejando:
– Vocês ou-ouviram o que o po-policial disse.
Fallon a abraçou com força. Quando o elevador abriu na UTI, mesmo com a vista embaçada, Demi distinguiu os pais de Joseph, Kevin, Selena e Abel conversando com o médico. Quis correr até eles para descobrir o que estava acontecendo, mas seu corpo congelou. Os pés não se moviam. Os braços permaneciam inertes, frios como pingentes de gelo. Com a ajuda de Trevor, Demi deu um passo para fora do elevador. Uma profunda sensação de vazio dominou seu peito enquanto ela seguia devagar em direção ao grupo. O ar frio do hospital tinha um leve cheiro de amônia e de doença. Demi olhou os quartos de vários pacientes e sentiu um arrepio na espinha. Estavam deitados imóveis, com lençóis puxados até o pescoço, a maior parte deles inconsciente. Ao se aproximar do seu grupo, Demi notou o medo nos olhos de Paul e estremeceu. Seu coração se estraçalhou.
Denise abraçou Demi e encharcou ainda mais sua camiseta com lágrimas.
– Ai, meu Deus. Meu bebê. Meu menino. Não sabem se ele vai sobreviver.
O pranto de Denise martelava a cabeça de Demi e o desespero destroçava-lhe o coração.
– O que foi que aconteceu? – perguntou Demi, mal conseguindo pronunciar as palavras. Com o rosto banhado em lágrimas, ela se virou para o médico de rosto redondo. – Tem que haver alguma coisa que o senhor possa fazer. Ele vai...– Demi conteve um soluço – ... ele vai ser pai.
O médico suspirou baixinho, enfiando as manzorras nos bolsos.
– A moto derrapou na frente da Mill House Inn, na rodovia Montauk. Ele foi atirado em cima de um veículo que vinha em sentido contrário. – ele balançou a cabeça. – Acabamos de fazer uma tomografia. Embora estivesse usando capacete, ele sofreu uma grave lesão cerebral e não tem respondido a estímulos. Estamos tentando controlar o edema e vamos fazer o melhor possível, mas o prognóstico não é bom. Ele teve um pulmão perfurado, três costelas quebradas e um fêmur fraturado, e está com hemorragia interna no abdômen. O cirurgião dará notícias quando terminar a operação.
Demi sentiu o corpo amolecer, o coração ser rasgado. Soluçando descontroladamente, com as pernas bambas, ela se apoiou em Trevor, que a abraçou, tentando mantê-la em pé. No entanto, os braços dele também estavam fracos. Tremendo, Demi caminhou até uma pequena sala de espera. Despencou numa cadeira e enterrou o rosto nas mãos, balançando o corpo para a frente e para trás.
Aquilo não podia estar acontecendo. Não era real. Havia apenas algumas horas, a vida de Demi e Joseph estava completa e, agora, ela podia perdê-lo. Recusava-se a acreditar que o filho deles poderia perdê-lo. A ideia de que Noah jamais conhecesse o pai maravilhoso abalou a fé de Demi. Com os olhos inchados, ergueu a cabeça devagar e olhou ao redor, para as pessoas que faziam parte da vida de Joseph. Pálidos de medo, nenhum daqueles rostos continha um único lampejo de esperança. Demi observou Paul abraçar Denise, o pesar do sogro acabou com ela. Sentada ao lado de uma pequena máquina de café, Selena descansava a cabeça no ombro de Abel, as lágrimas escorrendo livremente pelas faces. Demi engoliu em seco e voltou o olhar para Kevin. Sozinho num canto de pé, com os braços cruzados, ele encarava o chão, chorando baixinho.
Imagens do que ela e Joseph deveriam ser, da vida da qual haviam planejado se desfaziam. Demi começou a suar frio. O relógio da parede fazia tique-taque, o ponteiro de segundos se movia sinistramente. No decorrer das horas seguintes, todos aguardaram notícias. Quando o cirurgião entrou na sala de espera, a luz já desaparecia do céu úmido. Todos ficaram de pé num pulo. 
Com um olhar vazio, ele se pôs a falar:
– Por ora, conseguimos estancar o sangramento do abdômen, e vamos mantê-lo em observação para ter certeza de que não vai recomeçar. – o cirurgião inspirou fundo. – Tivemos que fazer uma craniectomia de emergência para aliviar a pressão intracraniana. As próximas 48 horas são críticas. Enquanto isso... – o homem olhou para cada um deles – ... acho melhor vocês passarem o máximo de tempo possível com ele.
Fez-se um momento de silêncio longo o suficiente para que Demi sentisse o desespero que tomava conta da sala. Denise caiu nos braços de Paul aos prantos.
O coração de Demi começou a palpitar com tanta força que seus dedos tremiam. Enquanto o cirurgião se afastava, a mente de Demi ficou enevoada. Afundando na cadeira, ela cobriu o rosto. Sabia que não podia ver Joseph ainda. Não podia. A verdade era que o medo retorcia suas entranhas. O medo a envolvia e a paralisava. Sentiu um toque suave no ombro e, ao erguer a vista, deparou com Paul. Sombras escuras da mais profunda tristeza dominavam seu rosto.
– Venha – murmurou ele, estendendo uma mão trêmula. – Vamos todos entrar juntos.
– Eu não consigo – choramingou Demi, a voz falhando. – Eu não consigo. Vão na frente. Só preciso de alguns minutos.
Paul assentiu, pesaroso. Lágrimas ainda não vertidas nublavam os seus olhos enquanto ele se afastava, passando um braço protetor em torno da cintura de Denise. Com o coração despedaçado, Demi observou o casal angustiado pegar o corredor. Kevin os seguiu cabisbaixo, de ombros caídos.
Selena logo se postou ao lado de Demi e, carinhosamente, secou as lágrimas da sua face.
– Não desista dele, Demi – sussurrou, a voz tensa de cansaço. Piscando os olhos injetados, Selena balançou a cabeça. – Ele precisa de você neste momento. 
Uma saudade enorme preencheu o peito de Demi. Não queria desistir de Joseph, sabia que precisava ser forte, por ele e pelo filho. No entanto, em algum lugar no fundo de sua mente, sussurros nefastos lhe diziam o contrário. Gritavam que Noah jamais veria aqueles olhos calorosos e agradáveis. Que nunca sentiria a centelha de Joseph, a maneira como ele iluminava tanta gente à sua volta com um simples sorriso. Pensamentos nefastos alertavam a Demi que anos se arrastariam, um após outro, com nada além de pesar pelo homem que ela amara mais do que a si mesma. Baixinho, ela implorava que parassem o bombardeio sobre qualquer esperança que ainda lhe restava.
Trevor e Fallon se aproximaram, salvando Demi do conflito em sua mente. Abatido, o amigo disse:
– Vou levar a Fallon de volta para casa. Ela vai ficar de olho no Timothy e na Alena para que a Danielle possa vir. – ele fez uma pausa, os olhos cansados. – Demi, você precisa comer. Deixe-me comprar alguma coisa para você no caminho.
Demi fez que não com a cabeça. Não conseguia pensar em coisa alguma, nem mesmo em comer.
– Eu estou bem.
– Abel e eu vamos comprar alguma coisa na máquina de bebidas. – Selena beijou Demi na bochecha e se levantou. – A gente já volta.
Demi assentiu, percebendo que todos precisavam de um minuto para organizar os pensamentos. Sozinha e mentalmente exausta, enterrou o rosto nas mãos, arfando diante da dor que sentia. Enquanto rezava para um deus que já não sabia ao certo se existia, surgiu um breve lampejo de esperança. Um lampejo daquilo que tornava ela e Joseph uma só pessoa, daquilo que os solidificava como duas almas complementares, destinadas uma à outra.
Ficando de pé, Demi respirou fundo. Começou a seguir pelo corredor, o coração batendo ruidosamente. Parou a alguns metros da porta do quarto de Joseph e quase caiu de joelhos ao ouvir o choro de Denise. Seu estômago deu um nó e uma contração leve se irradiou por seu corpo, arrancando-lhe o ar dos pulmões. Resistindo à dor, entrou no quarto que continha tudo aquilo pelo qual vivia e pelo qual certamente morreria.
Não dava para enxergar o amor da sua vida, pois os familiares estavam na cabeceira da cama, bloqueando-lhe a visão. Tapando a boca com a mão, Demi observou Denise conversar com Joseph. Ela lhe falava da primeira vez que ele dissera “mamãe” e de como aquilo a fizera se sentir. Em meio às lágrimas, contou sobre o seu primeiro dia de escola e sobre como ele se agarrara às suas pernas, com medo de subir no ônibus sem ela. Explicou que, embora o coração tivesse ficado pequenininho, sentira orgulho no momento em que ele a soltara.
Denise desmoronou ao lhe implorar que despertasse para sentir a mesma alegria quando o filho soltasse a sua mão no primeiro dia em que entrasse num mundo muito assustador.
Demi soluçou, o corpo tremendo com o medo de que ele perdesse tantas lembranças lindas. Incontáveis segundos, horas, minutos, dias e anos em que o filho precisaria dele. Nascentes e poentes que ele ainda precisaria compartilhar com Noah, explicando o que significa ser um homem de verdade. Liga infantil de beisebol, escoteiro, o primeiro encontro, a festa de formatura, colações de grau, o primeiro amor, o casamento. Cada uma das dádivas preciosas da vida que ele perderia se não sobrevivesse àquilo.
Uma enfermeira entrou no quarto, afastando Demi de sonhos que talvez nunca se tornassem realidade. Sonhos que se esvaíam. A mulher de meia-idade verificou silenciosamente monitores que apitavam, substituiu bolsas de líquidos transparentes ligados por via intravenosa e anotou algo num prontuário. Kevin deu um passo atrás e viu Demi. Ela estremeceu ao perceber como ele se parecia com Joseph.
Com as mãos nos bolsos, ele a encarou por um instante antes de sussurrar:
– Ele é tão apaixonado por você, Demi... eu sei que o merdinha está tentando deixar o lugar onde está agora aos socos só para estar com você. – Demi sorveu o ar, trêmula, enquanto Kevin a tomava nos braços e acrescentava: – Ele está lutando. É teimoso demais para não lutar.
– Eu espero que esteja – disse ela, engasgando e se agarrando a ele. – Eu não posso perdê-lo.
Denise se juntou ao abraço dos dois, seus choramingos ressoando nos ouvidos de Demi. Paul se postou atrás da esposa, os olhos insuportavelmente melancólicos. Denise segurou o rosto de Demi nas mãos.
– Você precisa de um tempo sozinha com ele. Vamos estar na sala de espera se precisar.
Demi assentiu, sentindo falta da suavidade do toque de Denise quando eles saíram. Com dificuldade para respirar, ela deu um passo à frente, hesitante, o coração apertado. O peito forte de Joseph subia e descia no mesmo ritmo que o ventilador pulmonar. Deu mais um passo e as lágrimas começaram a pingar no chão ao ver a cabeça envolta em gaze branca, uma mancha de sangue encharcando o tecido. A perna machucada estava erguida em uma espécie de tipoia. Ela alcançou a cama e tocou a mão dele. Havia calor, mas nenhum movimento.
Nem um espasmo.
Nem um tremor.
Nada.
Meu Deus, tudo o que Demi queria era beijá-lo, mas o tubo enfiado na boca de Joseph a impedia. Queria arrancá-lo de sua dor, mas não sabia ao certo onde tocá-lo. O corpo estava coberto por fios ligados a monitores. Sem conseguir resistir, ela o beijou suavemente na bochecha contundida. Deixou os lábios se demorarem um pouco e uma lágrima caiu de seus olhos sobre o rosto de Joseph, deslizando pela lateral do nariz, quase como se fosse dele.
E foi, então, que Demi perdeu o controle por completo.
– Por favor, Joseph, você não pode fazer isso com a gente. – ela levou uma das mãos ao rosto dele, o corpo chacoalhando com os soluços. – Você é o motivo pelo qual eu respiro. Estou carregando o filho que o nosso amor gerou. O nosso amor que é digno de filme. O nosso passado é imperfeito, mas o nosso futuro é de tirar o fôlego. Você não pode me deixar. Não pode. Eu preciso de você. Preciso das suas tampinhas e dos seus jogos de vinte perguntas. Preciso dos seus comentários espertinhos e daquele olhar idiota que você me dá quando eu tento cozinhar. Meu Deus, Joseph, lute, por favor. Lute por nós. Lute pelo Noah. Tem coisas de mais que eu não vou poder ensinar a ele sem você.
A chuva gorgolejava numa calha do lado de fora enquanto ela esperava um sinal. Um sussurro de vida. Qualquer coisa que dissesse que ele a tinha ouvido, sentido.
Mais uma vez... nada.
– Meu Deus, por favor. Por favor... 
Ela enterrou o rosto no ombro dele. No ombro forte por cima do qual Joseph a atirara tantas vezes. Respirou o perfume almiscarado que a deixara tonta na primeira vez em que ele se aproximara dela. Pensando em cada palavra e gesto que haviam compartilhado, Demi se sobressaltou com o som de um alarme. Um dos aparelhos piscava em vermelho. Ela engoliu em seco e cambaleou para trás quando uma enfermeira entrou no quarto.
– Parada cardiopulmonar! – gritou ela, retirando o tubo da boca de Joseph. Enfiando outro, apertou um saco acima de sua boca, bombeando ar manualmente para seus pulmões. – Preciso de um carrinho de emergência imediatamente!
Com os olhos arregalados de pavor, Demi ouviu a emergência ser anunciada pelos alto-falantes enquanto outra enfermeira disparava para dentro do quarto. Frenética, a mulher abriu a camisola hospitalar de Joseph e passou a pressionar o peito dele com força e rapidez. Outra enfermeira entrou às pressas, puxando um carrinho com um aparelho. A vista de Demi se borrou de lágrimas, as vozes emudeceram, os movimentos ficaram em câmera lenta.
Uma voz masculina cortou o ar:
– Qual é o estado dele?
– Fibrilação ventricular – respondeu uma das enfermeiras, ainda pressionando o peito de Joseph.
– Preparar para choque de 200 joules.
Depois que dois enormes adesivos foram colocados sobre a pele dele, outra voz disse:
– Preparando para o choque. Tudo pronto?
Tremendo incontrolavelmente, Demi observou as pessoas se afastarem da cama.
– Tudo pronto!
Um baque... O corpo de Joseph saltou...
Um segundo, um minuto, uma hora... Demi não sabia quanto tempo havia se passado. Não conseguia pensar, não conseguia se mexer. Com os olhos grudados em Joseph, rezava para que o coração dele continuasse a bater. 
Outro baque... O corpo de Joseph saltou outra vez...
O caos em torno dele continuou enquanto bombeavam ar para dentro do seu pulmão e massageavam-lhe o peito vigorosamente. Demi sentiu as costas baterem na parede, sua mente era um turbilhão de emoções. Ela chorava histericamente, mal ciente da presença de Kevin, que tentava conduzir o seu corpo paralisado até o corredor.
– Ele está assistólico! – gritou a enfermeira.
O médico olhou para o monitor.
– Aplique 1 miligrama de adrenalina.
A mente de Demi agora era um completo silêncio. Ela desviou os olhos do corpo inerte de Joseph para o monitor, as ondas em picos da tela se transformando numa linha reta. Não houve bipe longo e insistente ou, se houve, Demi não o ouviu. A única coisa que conseguia ouvir eram as doces palavras ditas por Joseph na noite anterior.
Será que ele tem ideia de que vou amá-lo e vou amar a sua mãe até o meu último suspiro?
Até o meu último suspiro...
Último... suspiro...
– Horário do óbito: 22h28 – disse o médico com gravidade.
O mundo de Demi avançou alguns segundos, as lembranças perdidas num perverso lampejo de escuridão. Sentiu um aperto na garganta. Os olhos verdes arregalados ardiam. Ordenou ao corpo que continuasse em pé, mas não conseguiu. Recuou, arfante, e caiu de quatro dolorosamente, bem do lado de fora do quarto. As palavras iam e vinham num borrão, indistintas. Até mesmo os gritos de Denise eram distantes. O pranto longínquo de uma mãe que perdera o caçula.
Com os olhos encharcados de lágrimas e o coração pesado de tanta dor, Demi nem sabia de quem era a mão que a ajudava a se levantar. Tentou engolir. Tentou respirar. Os braços trêmulos de Trevor envolveram o seu corpo. Ele afundou o rosto cansado no ombro dela e os dois choraram juntos. Naquela noite, no ano em que a vida dela ia mudar de tantas maneiras lindas, o destino havia quebrado a sua promessa e decidira foder com todo mundo que fazia parte da vida de Demi. Em meio a uma névoa, ela observou um irmão chorar a perda de seu único irmão, um pai gritar pelo filho e amigos se juntarem desesperados diante da perda de alguém com quem haviam crescido. No entanto, em meio a toda a dor presente naquele corredor, naquele instante, Demi soube que a maior perda pertencia ao filho que trazia na barriga. Seu pai havia partido. Nunca mais caminharia sobre a terra. Jamais teria uma conversa de fim de noite com o filho. Jamais poderia segurar o filho nos braços.
Ele se fora...
Nunca mais haveria uma respiração antes de um beijo... 
Nunca mais o coração dispararia com um único olhar...
Nunca mais a pele formigaria sem ao menos ser tocada...
Ele... se fora.
Respire...
o que acharam do capítulo? 
acham que isso aconteceu mesmo ou foi só um sonho? 
no próximo capítulo vocês irão descobrir.
comentem e até o próximo.
bjs amores <3
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6 comentários:

  1. Meu Deus do céu. Que capítulo foi esse!!! Diz pra mim que foi sonho pelo amor de Deus!!! Nem vou conseguir dormir de tanta ansiedade!!! Agora que consegui colocar a leitura em dia!!! Posta logo por favor!!!

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    1. Você irá descobrir no próximo capítulo.
      Vou postar hoje, bjs lindona <3

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  2. CACETEEEEEE ele não pode ter morrido! Tô chocadaaaaa! Não dá pra acreditar😮😮😮

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    1. Irá descobrir no próximo capítulo.
      Vou postar hoje, bjs lindona <3

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  3. Ai meu Deus acho que da pra encher uma piscina com as minhas lágrimas gente que capítulo foi esse eu não conseguia respirar direito ele não pode ter morrido depois de tudo que ele é a demi passou não é justo

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    1. ele não morreu, foi explicado no capítulo seguinte hahaha
      confira lá, bjs <3

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