22/04/2016

sussurros na noite: capítulo 5 (Parte 2)



Bell Harbor
Flórida, 23:40 P.M

Havia uma churrasqueira ao lado do quiosque onde acontecia a festa de Pete, e o cheiro da fumaça de carvão e de salsichas queimadas foi o bastante para revirar o estômago já contraído de Demi . Pete e a noiva, juntamente com os convidados da festa, reuniam-se alguns metros adiante ouvindo Jim Finkle, que levara o violão e tocava uma bela canção flamenga.
— Ele deveria ter sido um músico profissional, e não um policial - Jess comentou, seguindo à frente para juntar-se à plateia de Jim.
Leo, no entanto, atrasou-se por um momento. 
— Coma alguma coisa, primeiro - sugeriu a Parker, fazendo um gesto expansivo na direção de uma mesa de madeira repleta de caixas de pizza abertas, grandes tigelas incrustadas com os remanescentes de patês de queijo, chili e salada de batatas, e uma bandeja com cachorros quentes frios.
— As bebidas estão ali no gelo - acrescentou, antes de afastar-se para ouvir Jim. — Sirva-se à vontade. 
— Está bem, obrigado - o agente Parker falou e, ainda com a mão nos ombros de Demi, obrigou-a a permanecer ao seu lado até aproximarem-se da mesa. 
Demi sabia que ele ficara irritado a princípio, mas no caminho até ali parecera relaxar de verdade, brincando com Leo acerca de homens que gostavam de cozinhar e até rindo de alguma coisa que ela dissera. E, desde que ela não havia revelado sua verdadeira identidade, naturalmente presumiu que ele estivesse se sentindo um pouco mais tolerante a seu respeito. 
Ele chegou a sorrir quando lhe entregou um prato, mas disse, furioso: 
— Se você pronunciar uma palavra que seja, esta noite, capaz de me prejudicar de alguma forma, fique certa de que posso enfiá-la na cadeia por obstrução da justiça. 
O fato de ele continuar irritado apanhou-a tão desprevenida que Demi encarou-o boquiaberta, enquanto pegava o prato que ele lhe passava. Ainda sorrindo, ele lhe deu um guardanapo, pegou outro para si, e disparou: 
— Entendeu bem? 
Depois de lhe enviar aquele aviso que, ela sabia, não era uma ameaça infundada, ele serviu-se de cada uma das tigelas e pegou um cachorro-quente frio, mas Demi reparou que nem sequer tocou na pizza - nem mesmo quando a música do violão parou e Leo e o grupo estavam retornando para a mesa. Evidentemente, a dedicação do agente Parker para com seu dever e o país refreava seu desejo de comer a pizza de anchova. 
— Eu não ia dizer nada a eles sobre você - Demi explicou, adotando o tom de calma sensatez que sempre usava para neutralizar situações extremamente emocionais. — Mas tenho direito a uma explicação, e não podia deixar que você desaparecesse antes de me fornecê-la. 
— Você deveria ter esperado até amanhã.
Demi mergulhou uma batatinha num tipo qualquer de molho e deixou-a no prato, determinada a mostrar-se tão despreocupada quanto ele. 
— É mesmo? - retrucou. — E como, exatamente, eu deveria encontrá-lo amanhã? 
— Não me encontraria. Eu iria à sua procura. 
— Como? - ela perguntou, sarcástica. — Usando binóculos? Ele quase pareceu achar graça de seu revide, mas como o sujeito mais parecia um camaleão humano, Demi não teve certeza. 
— Entendo seu ponto de vista. 
— Ei, Demi, por onde você andou? - Pete perguntou. 
Enlaçando os ombros da noiva e com uma cerveja na outra mão, avançava calmamente na direção deles, e Jess os seguia de perto. Mary Beth era loira e esguia, uma garota bonita, tímida e refinada que conseguia mostrar-se tão feliz quanto Pete sem dizer nenhuma palavra. 
— Querida, mostre a eles o pingente que eu lhe dei como lembrança de uma semana antes do casamento - Pete instruiu tão logo Demi acabou de apresentá-los ao seu ”amigo” Nicholas Parker. — É de ouro maciço quatorze quilates - acrescentou, orgulhoso. 
Mary Beth levantou do pescoço o pesado berloque em forma de coração, para que todos pudessem admirá-lo apropriadamente. 
— É lindo - Demi murmurou, tentando concentrar-se em tudo o que acontecia à sua volta, alerta para qualquer coisa que Parker pudesse considerar ”prejudicial”. 
O agente Parker inclinou-se para examinar o pingente como se não tivesse mais nada em mente naquele instante, a não ser mostrar-se sociável para com os amigos de Demi. 
— É muito bonito - elogiou. 
— No mês passado - Mary Beth confidenciou a ele, quebrando seu recorde pessoal pelo tempo de conversa com um estranho. — Pete deu-me um relógio de ouro, como lembrança de um mês antes do casamento. 
— É óbvio que ele é louco por você - o agente Parker comentou. 
— Ele é obcecado - Jess corrigiu, irônico, mas Demi mal ouviu suas palavras. 
A atenção dela fora subitamente desviada para uma inesperada e mais imediata ameaça ao disfarce do agente Parker: Sara caminhava pela praia acompanhada do namorado e vinha direto ao encontro deles. E Sara jamais esquecia o rosto de um homem atraente. Quando conversaram antes, Sara lhe dissera que não pretendia ficar muito tempo na festa de Pete, mas ali estava ela. O agente Parker percebeu a distração de Demi e seguiu seu olhar. 
— Lá está a minha amiga Sara - Demi avisou-o, no tom mais casual que conseguiu. 
— Juntamente com o namorado da semana - Jess acrescentou com sarcasmo, bebendo um gole de cerveja. — Este aí tem um BMW de oitenta mil dólares. Azul. O nome dele é Jonathan.
Naquele momento, Demi tinha problemas mais graves do que as briguinhas insensatas de seus dois melhores amigos. Deu um passo à frente assim que o casal aproximou-se do grupo. — Oi, Sara! - disse, falando depressa, esperando evitar um desastre iminente. — Olá, Jonathan! Eu sou Demi, e este é meu amigo Nicholas Parker, de Fort Lauderdale. 
Enquanto os dois homens trocavam um aperto de mão, ela tentou, sem sucesso, distrair Sara de seu exame atento do agente do FBI.
— Vocês ouviram aqueles fogos de artifício, há pouco? Todo mundo imaginou que fossem tiros. 
— Não - Sara respondeu, olhando fixamente para o rosto de Nicholas Parker. Então, sua expressão mudou de pensativa para iluminada. — Já sei quem é você. Você estava no parque, ontem! 
— Estava, sim. 
— E, eu o vi por ali. Na verdade, chamei a atenção de Demi para você e... 
Diante daquela informação conflitante, Jess Smith baixou a latinha de cerveja, encarando Parker duramente, e Demi apressou-se em inventar uma explicação: 
— Infelizmente, no instante em que você apontou para Nicholas, ele estava de costas para mim - disse, com um risinho nervoso. — Ele estava no parque à minha procura, mas acabamos nos desencontrando e só conseguimos nos falar mais tarde. 
Sara olhou para a amiga. 
— Quer dizer que você sabia que ele estaria na cidade? 
— É claro que não - Demi falou, improvisando loucamente. — Quando convidei Nicholas para vir aqui ele achou que não seria possível, portanto presumi que não viria. No último minuto, ele viu que poderia escapar pelo menos por uma parte do fim de semana, e tentou me fazer uma surpresa. 
O interesse de Sara desviou-se da peculiar logística que envolvia o florescente romance de Demi para a situação financeira do namorado em potencial. 
— Escapar do quê? - perguntou. Para alívio de Demi, o agente do FBI finalmente decidiu ajudá-la a safar-se do apuro absurdo em que se encontrava e contribuir com uma explicação: — Estou no ramo de seguros - ele disse, muito educado. 
— É mesmo? - Sara exclamou com um entusiasmo que Demi sabia que não sentia. Sara queria um marido rico para si mesma e acreditava com fervor que Demi também deveria ter o seu. — O ramo de seguros é tão interessante. Você lida com seguro comercial, residencial ou pessoal? 
— Com todos os tipos de apólices. Você estaria interessada em acrescentar mais algum tipo ao seu seguro atual? - ele indagou rapidamente, soando como se estivesse prestes a lançar-se numa conversa de vendedor. 
Aquela foi uma tática diversiva magistral, pois absolutamente ninguém estava disposto a ouvir uma conversa sobre seguros em plena festa, e era óbvio que ele sabia disso. Em outras circunstâncias, Demi teria ficado impressionada e até acharia graça. 
— Não, não estou interessada - Sara respondeu, parecendo entrar em pânico diante da perspectiva de que ele tentasse convencê-la do contrário. 
Mas, para imenso alívio de Demi, ele preferiu libertá-la, e também a si próprio, de toda aquela provação.
— Demi esteve tão ocupada este fim de semana que mal tivemos tempo para ficar juntos, e terei de partir amanhã - ele disse ao grupo que os rodeava; depois, olhou para ela como se fossem, no mínimo, amigos muito íntimos. — O que acha de me fazer um bom café antes que eu volte para o hotel, Demi?
— Ótima ideia - ela conseguiu dizer e, com um rápido aceno aos amigos, virou-se e foi se afastando ao lado dele. 
Sara observou-os por um longo tempo; depois, voltou-se para o namorado.
 - Jonathan, deixei meu suéter em algum lugar por aí. Acho que está na manta de Jim. Você poderia buscá-lo para mim? 
Jonathan assentiu e seguiu na direção da praia. Jess ficou olhando o outro homem com um sorrisinho cínico, e tomou mais um gole de cerveja. 
— Diga-me uma coisa, Sara - falou, irônico -, — Por que todos os sujeitos com quem você sai têm nomes com três sílabas? 
— Por que todas as garotas com quem você sai têm QI de dois algarismos? - ela retrucou, porem faltou um pouco de força ao seu ataque verbal, pois estava mais preocupada com Demi e Nicholas Parker. Parada ao lado de Jess, observou o casal caminhando pela areia na direção da rua. — Ele é muito atraente - comentou, pensando em voz alta. 
Jess encolheu os ombros. 
— Pois não me afeta em nada. 
— Isso porque ele não se parece com uma dançarina de topless. 
— Não confio nele - Jess afirmou, ignorando o comentário sobre a dançarina. 
— Você nem o conhece. 
— Nem tampouco Demi. 
— Ela o conhece, sim, do contrário não o teria convidado para vir aqui - Sara argumentou com lealdade. Mas, no fundo, espantava-se pelo fato de a amiga não tê-lo mencionado. 
— Fico surpreso em ver que você ainda não correu para seu escritório a fim de procurar um informe sobre ele na revista Quem é Quem - Jess falou, sarcástico. 
— Achei melhor esperar até amanhã cedo - Sara retrucou, recusando-se a dar-lhe a satisfação de saber o quanto a irritava.
— Você é mesmo uma vadiazinha mercenária. Nunca antes, em toda a longa história das disputas entre eles, Jess Smith havia ultrapassado os limites do sarcasmo para os ataques pessoais ofensivos. Sara sentiu lágrimas ardendo em seus olhos, o que a deixou ainda mais furiosa. 
— Você realmente tem sérios problemas em lidar com a rejeição, não é? - disparou de volta. - — Não se pode rejeitar algo que nunca lhe foi oferecido. E, já que está sendo tão atrevida - ele continuou, ríspido. — Será que pode me explicar por que Demi iria querer como melhor amiga uma mercenária fútil, uma namoradeira interesseira e provocativa como você?
Sara sentiu-se como se tivesse levado um soco no estômago. Nunca, em toda sua vida, se deparara com um desdém tão rancoroso vindo de outro ser humano, com a exceção de sua mãe, e as lembranças da infância invadiram-na de repente, paralisando-a. Ele estava esperando que ela revidasse, mas Sara foi incapaz. Por algum motivo que já nem era mais claro, ela e Jess tinham antipatizado um com o outro desde o princípio, porem ela jamais percebera, nem tampouco imaginara, que ele a desprezava tão genuinamente. Ficou encarando-o, com os olhos brilhando pelas lágrimas contidas; então, desviou o olhar e engoliu em seco, tentando obrigar-se a falar. 
— Desculpe - conseguiu dizer enquanto lhe dava as costas.
— Desculpe? - ele repetiu. — Por que diabos está me pedindo desculpas? 
—Por tudo o que devo ter feito para que você me desprezasse tanto. 
Jonathan chegou trazendo o suéter, ajeitou-o nos ombros dela e depois se foram. 
— Eu gostaria de ir para casa, agora - Sara disse ao namorado. — Estou um pouco cansada. Jess ficou observando, enquanto se afastavam. 
— Merda - disse, com amargura. Então, amassou a latinha de cerveja com a mão e atirou-a num cesto de lixo.   

Demi cumprimentou um de seus vizinhos que passeava com o cachorro na praia, e sorriu para outro casal que conversava com amigos na calçada. Porem, no instante em que pisou na sua sala de estar, acabou com todo o fingimento. 
— Por que estou sob a vigilância do FBI? - inquiriu. 
— Que tal aquela xícara de café, enquanto eu explico?
— Sim, é claro - Demi respondeu, após um segundo de hesitante surpresa, e guiou-o até a cozinha. 
Se ele se dispunha a ficar o bastante para tomar café, então devia estar planejando oferecer-lhe uma explicação de verdade, em vez do ríspido ”fora” que ela temia. 
Foi até a pia e encheu a cafeteira com água. Enquanto despejava as colheres de pó de café no filtro de papel, olhou-o por cima do ombro, observando-o tirar a jaqueta de algodão azul marinho e dobrá-la no encosto da cadeira. Tinha cerca de trinta anos, era alto e do tipo atlético, com cabelos escuros bem curtos e olhos escuros. Com a camisa pólo branca, calças de brim azul-marinho e mocassins tipo dock-side que usava, passaria facilmente por um homem de negócios atraente, elegante e vestido casualmente - exceto pelo fato de que também portava um coldre de couro marrom preso no ombro, de onde projetava-se uma pistola semi-automática Sig-Sauer de nove milímetros. Percebendo que ele parecia um pouco mais descontraído, Demi manteve um tom de voz muito educado e até enviou-lhe um sorrisinho de encorajamento quando incitou-o a começar: 
— Estou ouvindo. 
—Há duas semanas, nós descobrimos que seu pai iria entrar em contato com você - ele disse, puxando uma cadeira e sentando-se à mesa da cozinha. — Sabíamos que ele planejava ligar para você hoje. O que foi que ele lhe disse? 
Demi ligou a cafeteira, virou-se e recostou no balcão da pia.
— Vocês não sabem disso, também? 
— Vamos evitar os joguinhos, detetive.
 A resposta rápida e autoritária incomodou-a, mas Demi tinha a nítida impressão de que se mantivesse a calma e esperasse o momento certo, ele iria lhe contar tudo o que queria saber. — Ele disse que havia sofrido um ataque cardíaco e que gostaria que eu fosse passar uns dias em Palm Beach. 
— E o que você respondeu?
— Nem conheço o sujeito. Nunca o vi, em toda minha vida. Respondi que não. Absolutamente não. 
Nicholas Parker já sabia de tudo isso. Estava interessado apenas na atitude dela, e nas reações espontâneas e indefesas às suas perguntas. 
— Por que se recusou? 
—Acabei de lhe dizer por quê. 
— Mas ele explicou que teve um problema cardíaco e que deseja conhecê-la antes que seja tarde demais. 
— Ele já está trinta anos atrasado. 
— Será que não está sendo um pouco impulsiva demais? - ele argumentou. — Talvez você acabe ganhando um bocado de dinheiro com essa história... Uma herança.
A ideia dele de que o dinheiro de Patrick Lovato poderia, ou deveria, influenciar sua decisão, fez com que Demi se enchesse de desprezo. 
— Impulsiva? - desafiou. — Não creio que seja bem assim. Quando eu tinha somente oito anos, minha mãe perdeu o emprego e, durante semanas, tudo o que havia para comer era cachorro-quente e sanduíches de manteiga de amendoim. Minha mãe queria ligar para ele pedindo dinheiro, mas fui procurar informações sobre a manteiga de amendoim num livro da escola e provei a ela que este é um dos alimentos mais nutritivos do planeta. Depois, consegui convencê-la de que adorava manteiga de amendoim, muito mais do que chocolate. Quando estava com doze anos, tive uma pneumonia e mamãe temia que eu morresse se não fosse para o hospital, mas nós não tínhamos nenhum seguro de saúde. Minha mãe contou-me que estava prestes a ligar para ele e pedir que arcasse com as despesas hospitalares, mas eu nem precisei ir para o hospital. E sabe por que não precisei ir para o hospital, agente Parker? 
— Por quê? - ele perguntou, relutantemente emocionado com o orgulho veemente e com a dignidade brutal que emanavam dela. 
— Porque melhorei naquela mesma noite. E sabe por que consegui recuperar-me de forma tão miraculosa? 
— Não. Por quê?
— Tive uma recuperação tão miraculosa porque eu me recusava a fazer qualquer coisa que fosse que nos obrigasse a aceitar um centavo daquele canalha. 
— Entendo.
— Então, também vai entender porque eu não tocaria no dinheiro dele agora, quando não estou nem faminta, nem doente. Na verdade, a única coisa que eu recusaria tão depressa quanto o dinheiro dele, neste momento, é o convite para passar uns dias em Palm Beach, para que ele possa aliviar a própria consciência.  
Demi voltou-se para a pia e abriu a porta do armário, de onde tirou duas canecas de café. 
— O que seria necessário para fazê-la mudar de ideia a respeito desta visita? 
— Um milagre.
Nicholas permaneceu em silêncio, esperando que a curiosidade dela viesse à tona, assim que a animosidade enfraquecesse. Imaginou que levaria alguns minutos para que tal transição emocional ocorresse, mas também nisso ele a subestimara. 
— Foi Patrick Lovato quem mandou você aqui, para que tentasse me convencer a mudar de ideia? - ela inquiriu. — Você está aqui como representante oficial do FBI, ou é possível que esteja fazendo um servicinho particular para ele nas suas férias? 
Tal sugestão era completamente infundada, mas indicava a Nicholas que ela possuía uma imaginação perspicaz e a capacidade de chegar a conclusões com uma lógica toda própria. Infelizmente, ele não encarava nenhuma destas qualidades como uma vantagem, em se tratando do papel que tinha em mente para ela. 
— O Bureau está interessado em algumas das atividades do Lovato e em alguns de seus sócios nos negócios - ele respondeu, ignorando a acusação. — Recentemente, tivemos acesso a informações que indicam que ele esteja envolvido em determinadas atividades criminosas, mas ainda não temos evidências suficientes para provar que o envolvimento dele seja direto, ou nem mesmo que tenha conhecimento de tais atividades. 
   
Apesar da genuína indiferença de Demi pelo pai, Nicholas reparou que ela ficou muito quieta ao saber que, provavelmente, ele seria um criminoso. Em vez de sentir uma satisfação compreensível com a notícia, conforme ele esperava que sentisse, era evidente que ela não queria acreditar que isso pudesse ser verdade. No entanto, ela superou as dúvidas em poucos instantes e enviou-lhe um rápido sorriso de desculpas. Depois, serviu o café nas canecas e levou-as para a mesa numa bandeja. 
— Em que tipo de atividade vocês acham que ele está envolvido?
— Não estou autorizado a dizer. 
— Não entendo o que tudo isso tem a ver comigo - ela disse, sentando-se no lado oposto da mesa. — Vocês não podem pensar que eu esteja envolvida no que quer que ele tenha aprontado! - acrescentou com tal sinceridade na voz que Nicholas sorriu, mesmo contra a vontade. 
— Não estamos pensando nisso. Não tínhamos o menor interesse em você, até poucas semanas atrás. Temos um informante próximo a ele, em San Francisco, que nos deu todo o serviço sobre você e sobre a intenção dele de contatá-la. Desde ontem, infelizmente, já não temos mais acesso a este informante. 
— Por que não? 
— Ele morreu. 
— De causas naturais? - Demi insistiu, retornando, inconscientemente, à postura da detetive que fora treinada para ser. 
A hesitação quase imperceptível de Parker deu-lhe a resposta antes mesmo que ele falasse: 
— Não. 
Enquanto Demi ainda se refazia do espanto causado por tal informação, Parker prosseguiu: — Estamos mantendo Lovato sob vigilância, mas ainda não conseguimos obter evidências suficientes para persuadir um juiz a autorizar a instalação de escutas nos telefones. Lovato mantém um impressionante conjunto de escritórios em San Francisco, mas faz as transações dos negócios em que estamos interessados em outro lugar, possivelmente em casa. Ele é cauteloso, e muito esperto. Soubemos que ele irá para Palm Beach e gostaríamos de ter alguém perto dele, enquanto estiver lá. 
— Eu - Demi concluiu, sentindo-se desolada. 
—Você, não. Eu. Amanhã mesmo, gostaria que você tivesse uma súbita mudança de ideia e ligasse para o Lovato. Diga a ele que decidiu que deseja ter a chance de conhecê-lo e que irá reunir-se a ele em Palm Beach. 
— E onde você entra, nessa história? Ele enviou-lhe um olhar inocente, mas que não tinha nada de inocente. 
— Naturalmente, você vai querer levar uma pessoa amiga, para que não se sinta muito sozinha e deslocada no novo ambiente, alguém com quem possa passar o tempo quando não estiver em companhia do seu recém-encontrado pai.
 Estarrecida com a sugestão dele, Demi recostou-se molemente na cadeira e encarou-o.
—E esta ”pessoa amiga” seria você?
— É claro. 
— É claro - ela repetiu, aturdida. 
— Se o Lovato fizer alguma objeção quanto a você levar este amigo, diga-lhe que estávamos planejando passar juntos suas férias de duas semanas, e que você não mudará seus planos a não ser que eu possa acompanhá-la. Ele acabará concordando. Tem uma casa de trinta cômodos em Palm Beach, portanto um convidado a mais não fará diferença. Além disso, não está em posição de lhe impor quaisquer limitações, pelo menos no momento.
Um cansaço esmagador desabou sobre ela.
 — Tenho de pensar um pouco sobre isso. 
— Pode dar a resposta amanhã - ele estipulou. Olhou no relógio, tomou alguns goles do café escaldante e levantou-se, pegando a jaqueta. — Preciso voltar ao hotel e dar um telefonema. Passarei aqui de manhã. Sei que você estará de folga amanhã, portanto teremos tempo de preparar uma história que satisfaça a todos aqui, e também a todos em Palm Beach. Você não pode revelar a verdade a ninguém, Demi. E isso inclui, principalmente, Sara Gibbon, Roy Ingersoll e Smith. 
Demi achou um tanto estranho e perturbador o fato de que ele incluía ”principalmente” estas pessoas, mas quando ele acrescentou: ”Inclui também a sua mãe”, ela sentiu-se um pouco melhor. 
— Não preciso enfatizar a necessidade de segredo absoluto - ele continuou, enquanto atravessavam a sala de estar. — Ninguém deve ser considerado confiável, nem aqui, nem quando estivermos em Palm Beach. Existem muito mais riscos do que você pode imaginar.
— Ainda não concordei em ir para Palm Beach com você - Demi lembrou-o com firmeza, abrindo-lhe a porta. — Além disso, não acho que seja uma boa ideia nos encontrarmos aqui em casa, amanhã. Sara estará transbordando de perguntas sobre você, e minha mãe vai querer convencer-me a ir para Palm Beach, embora eu tenha lhe deixado um recado afirmando que não irei, de forma alguma. É bem provável que as duas apareçam por aqui, logo cedo.
— Neste caso, onde poderemos nos encontrar?
— Que tal o mesmo lugar onde nos encontramos hoje... nas dunas? 
Em vez de responder, Nicholas vestiu a jaqueta e ficou observando a jovem que aguardava sua resposta. Naquela última hora, ela havia enfrentado com calma e eficiência um homem que julgara ser um atacante armado e, depois de apenas uns poucos minutos para acostumar-se à ideia, adaptara-se à necessidade de fingir que o atacante era seu amigo. Momentos atrás, ele a vira conciliar-se com o fato de que seu rico pai poderia ser, na verdade, um criminoso. Apesar da constituição delicada e da aparência frágil, ela era fisicamente capacitada e mentalmente ágil. Ainda assim, ele podia ver que aquele dia lhe cobrara um alto preço. Parecia tensa e exausta, e Nicholas sentiu uma estranha pontada de culpa por ter apagado sua vitalidade e seu entusiasmo. Fez um esforço para animá-la um pouco. 
— Quando encontrar comigo nas dunas, será que poderia comportar-se com um pouco mais de gentileza do que da outra vez? - perguntou, impassível. 
— Você vai me atacar novamente? - ela retrucou, conseguindo esboçar um sorriso. 
— Não ataquei você, eu tropecei. 
— Prefiro a minha versão - ela informou-o vivamente, e Nicholas começou a rir, a despeito de suas inquietações. No entanto, quando atravessava o jardim da casa dela, o divertimento de Nicholas foi substituído pela preocupação sobre os problemas que ela provavelmente lhe causaria em Palm Beach. A princípio ele havia rejeitado a ideia de usá-la num esquema de ação secreta tão complexo. Já havia se deparado com muitos policiais do Interior que eram ineptos, inexperientes e corruptos, e desenvolvera uma desconfiança instintiva por todos eles. O fato de esta específica policial de cidade pequena ter-se revelado uma jovem idealista notavelmente sensata e íntegra, mais parecendo uma saudável líder de torcida, tampouco o deixava inteiramente seguro. 
Porem, não estava nem um pouco preocupado com a possibilidade de Demi recusar-se a ir para Palm Beach com ele. Baseado em tudo o que lera sobre Demi Lovato nos arquivos do FBI, bem como em suas observações pessoais, tinha certeza de que ela iria para Palm Beach. A mesma integridade teimosa que a fizera escolher a manteiga de amendoim quando era uma criança de oito anos, em vez de pedir dinheiro ao pai, agora a obrigaria a engolir o orgulho, alterar por completo a elevada postura moral de uma vida inteira, e ir ao encontro dele em Palm Beach. 

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