15/04/2016

sussurros na noite: capítulo 1 (Parte 2)

 

A melhor amiga de Demi, Sara Gibbon, apareceu no cenário no instante em que Demi acabava de enrolar o último pedaço do cordel da pipa num carretel improvisado, que entregou a Kenny com um sorriso. 
— Ouvi gritos e aplausos — Sara falou, olhando para Demi, depois para o pequeno grupo de crianças e então para a pipafalcão com a asa amarela quebrada. 
— O que aconteceu com sua pipa, Kenny? - perguntou. Sara sorriu para o menino, e ele iluminou-se. Ela provocava este efeito em homens de todas as idades. Com os cabelos castanho-avermelhados curtos e sedosos, os reluzentes olhos verdes e feições delicadas, Sara era capaz de deixar os homens desarvorados com um único olhar de relance. 
— Ficou presa na árvore.
— É, mas Demi conseguiu tirá-la - Emma intercedeu com excitação, apontando o dedinho rechonchudo para o topo da árvore.
— Ela subiu até lá no alto. — Kenny acrescentou — e não ficou com medo, porque ela é corajosa. 
Demi pressentiu, como a futura mãe que seria um dia, que precisava corrigir esta impressão das crianças. 
— Ser corajoso não significa que a gente nunca tem medo. Ser corajoso significa que, mesmo tendo medo, você ainda faz o que tem de fazer. Por exemplo — disse, direcionando um sorriso para o pequeno grupo, — vocês estão sendo corajosos quando dizem a verdade, mesmo se têm medo de que isso possa lhes criar problemas. Isto é ser muito, muito corajoso. 

A chegada do Palhaço Clarence no local, com um punhado de enormes balões numa das mãos, fez com que todas as crianças se virassem ao mesmo tempo e várias delas saíssem correndo no mesmo instante, deixando apenas Kenny, Emma e Butch para trás. 

— Obrigado por pegar a minha pipa - Kenny falou, com mais um daqueles encantadores sorrisos desdentados. 
— Por nada - Demi respondeu, lutando contra um impossível impulso de pegá-lo no colo e abraçá-lo com força, sem importar-se com a camiseta suja, ou o rostinho melado. O trio infantil virou-se e se afastou, discutindo em voz alta o verdadeiro nível de coragem de Demi. — A srta. McMullin estava certa. Demi é mesmo uma heroína de verdade — Emma declarou. 
— Ela é muito, muito corajosa - Kenny anunciou. 
Butch Ingersoll sentiu-se compelido a qualificar e limitar seu elogio.
— Ela é corajosa para uma garota - declarou com um leve desprezo, fazendo com que Demi, divertida, o achasse ainda mais parecido com o chefe Ingersoll. 
Estranhamente, foi a tímida Emma quem pressentiu a ofensa.
— As meninas são tão corajosas quanto os meninos. 
— Não são, não! Ela nem devia ser uma policial. Isso é trabalho de homem. Emma ressentiu-se profundamente com aquele insulto final à sua heroína. 
— Pois a minha mãe — ela afirmou com voz estridente — disse que Demi Lovato devia ser chefe de polícia! 
— Ah, é? - Butch Ingersoll retrucou. — Pois o meu avô é o chefe de polícia, e ele diz que Demi é uma chata! Meu avô diz que ela devia se casar e fazer bebés. É para isso que servem as garotas! Emma abriu a boca para protestar, mas não conseguiu pensar em nada. 
— Eu odeio você, Butch Ingersoll! - gritou, então, e correu para longe agarrando-se à boneca. 
— Você não devia ter dito aquilo —Kenny avisou. — Fez com que ela chorasse.
— O que me importa? - Butch falou, um tolerante e arrogante, como seu avô. 
— Mas se você for bem bonzinho com ela amanhã, talvez ela esqueça o que você disse - Kenny decidiu, um mini político, como o pai.   

— Até agora, eu nunca conseguia me decidir se queria uma menina ou um menino. Mas agora tenho certeza: definitivamente, quero uma menininha. 

— Como se você pudesse escolher  — Sara brincou, já bem familiarizada com aquele tópico de conversa, que se tornava cada vez mais frequente. 
— E, já que está tentando decidir o sexo do seu bebé que ainda está para ser concebido, posso sugerir que passe mais tempo procurando um provável pai e marido? 
Sara estava sempre namorando, e quando saía pela primeira vez com um novo namorado - o que acontecia com regularidade - procurava saber, sistematicamente, sobre os amigos dele, com a intenção específica de encontrar alguém adequado para Demi. Assim que selecionava um provável pretendente, iniciava uma campanha para apresentá-lo a Demi. E não importava quantas vezes falhasse em seus esforços de ”casamenteira”, nunca cessava de tentar, porque simplesmente não conseguia entender como Demi preferia passar uma noite sozinha em casa a ficar em companhia de um homem razoavelmente atraente, mesmo se não tivessem nada em comum.
— Em quem você está pensando, desta vez? - Demi perguntou, desconfiada, enquanto caminhavam através do parque dirigindo-se para as barracas e estandes montados pelos empresários e comerciantes locais.
— Há uma cara nova, bem ali - Sara falou, fazendo um gesto de cabeça na direção de um homem que usava calças de sarja e uma jaqueta amarelo-pálida, recostado numa árvore e observando as crianças que rodeavam o Palhaço Clarence, enquanto este transformava rapidamente dois balões vermelhos num alce com chifres. O rosto sombreado do homem estava de perfil e ele bebia algo num grande copo descartável. Demi já havia reparado nele antes, notando que a observava quando conversava com as crianças depois do resgate da pipa e, desde que ele continuava olhando o mesmo grupo de crianças, presumiu que se tratava de um pai encarregado de ficar de olho em seu filhote
— Ele já é o pai de alguém — disse. 
— Como pode saber disso? 
— Porque ele está vigiando o mesmo grupinho de crianças pela última meia hora. Sara não estava disposta a desistir. 
— Só porque ele está olhando as crianças não significa que seja o pai de uma delas.
— Então, por que imagina que ele esteja observando-as?
— Bem, poderia ser um, molestador de crianças? - Demi sugeriu, secamente. Como se pressentisse que estava sendo alvo da conversa, o homem jogou o copo de plástico numa lata de lixo sob a árvore e foi andando na direção do mais novo veículo do Corpo de Bombeiros, cuja exibição estava atraindo uma multidão considerável. Sara olhou no relógio. 
— Você está com sorte. De qualquer forma, hoje não tenho tempo de bancar a casamenteira. Preciso ficar na nossa barraca por mais três horas. - Sara estava cuidando da barraca da sua firma de decoração de interiores, onde distribuía folhetos juntamente com conselhos grátis. — Nenhum homem razoavelmente atraente ou aceitável parou para pegar um folheto ou fazer alguma pergunta, o dia inteiro.
— Sua vadia - Demi brincou.  
— Você tem razão - Sara concordou solenemente enquanto caminhavam devagar pela calçada. — Ainda assim, decidi fechar a barraca por vinte minutos, se por acaso você quiser comer um lanche. Demi consultou o relógio.
— Daqui a cinco minutos estarei escalada para ficar na nossa barraca por mais uma hora. Terei de esperar meu turno terminar, para comer alguma coisa. 
— Tudo bem, mas fique longe do chili, não importa o que aconteça! Ontem à noite, houve um tipo de concurso para ver quem conseguiria fazer o chili mais apimentado, e Pete Salinas ganhou. Ele espalhou cartazes por toda a barraca de chili, afirmando que se trata do chili mais apimentado da Flórida, mas homens adultos estão parados ali em volta tentando engolir aquela coisa, mesmo sabendo que há mais pimenta jalapeno do que feijão. É um assunto de homens, entende? - Sara explicou com a confiança distraída de uma mulher que já havia completado com prazer sua pesquisa sobre a questão e, portanto, qualificava-se como uma especialista em homens. Provar que conseguem comer um chili apimentado é, sem sombra de dúvida, um assunto de homens. Apesar das qualificações de Sara, Demi estava em dúvida quanto às conclusões a que ela chegara. 
— Provavelmente o chili não é nem de longe tão apimentado quanto você imagina - disse. 
— Ah, é sim. Na verdade, não é apenas apimentado, mas é mortífero. Shirley Morrison está cuidando do ambulatório de primeiros socorros e contou-me que as vítimas do chili de Pete não param de chegar há mais de uma hora, queixando-se de tudo, desde dor de barriga até cãimbras e diarreia.
A barraca do departamento de polícia estava instalada no lado norte do estacionamento, e a de Sara também estava no lado norte, a cerca de cinquenta metros mais adiante. Demi estava prestes a comentar sobre tal proximidade quando o carro oficial do capitão Ingersoll surgiu e freou bruscamente, bem ao lado da barraca. 
Enquanto Demi observava, ele içou o pesado corpanzil para fora do banco da frente e bateu a porta, cruzou a distância até a barraca, trocou algumas palavras com o tenente Caruso e começou a perscrutar a área com a testa franzida. 
— Se é que sou capaz de avaliar uma expressão facial, diria que ele está me procurando - falou, com um suspiro. 
—  Mas você disse que ainda tem cinco minutos, antes de se apresentar.
— E tenho, mas isso não faz nenhuma diferença para... - ela interrompeu-se, agarrando o pulso de Sara com excitação. 
— Sara, olhe só quem está esperando, ali ao lado da sua barraca! É a sra. Peale, com um gato em cada braço. A sra. Clifford Harrison Peale III era a viúva de um dos fundadores de Bell Harbor, e um de seus habitantes mais ricos. Lá está uma fantástica cliente em potencial, apenas aguardando os seus excelentes conselhos. Mas ela é um tanto excêntrica. E muito exigente. 
— Felizmente, eu sou muito paciente e flexível. - Sara retrucou. 
Demi começou a rir enquanto a amiga saiu em disparada, seguindo para o lado esquerdo de sua barraca. Demi ajeitou os cabelos no rabo-de-cavalo, checou para certificar-se de que a blusa de malha branca estava bem enfiada na cintura do short caqui, e virou para a direita, na direção da barraca do departamento de polícia. 

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