18/04/2016

sussurros na noite: capítulo 2


O capitão Roy Ingersoll estava recostado na mesa do lado de fora da barraca, falando com Matt Caruso e Jess Smith, a quem Demi deveria substituir na hora do almoço. Jess sorriu ao vê-la, Ingersoll encarou-a e Caruso, que era um bajulador sem caráter, automaticamente imitou o sorriso de Jess, depois checou a expressão de Ingersoll e, mais que depressa, transformou o sorriso num olhar penetrante. 
Normalmente Demi descobria algo que gostava em quase todo mundo, mas estava encontrando dificuldade em fazer isso com Caruso, que não era apenas um bajulador, como também o informante de Ingersoll em tempo integral. Aos trinta e três anos, Caruso já estava uns trinta quilos acima do peso, tinha um rosto redondo e descorado, cabelos escasseando e uma tendência a transpirar profusamente se Ingersoll se limitasse a franzir a testa para ele. Ingersoll lançou-se a uma invectiva assim que ela alcançou-o. 
— Entendo que o seu trabalho aqui não é tão importante para você quanto realizar feitos heroicos diante de uma plateia admirada — ele escarneceu —, mas o tenente Caruso e eu estávamos à sua espera para podermos almoçar. Acha que consegue ficar sentada aqui por meia hora, para que possamos comer alguma coisa? 
Às vezes as farpas que ele lhe enviava realmente machucavam, frequentemente ofendiam, porém aquela crítica mais recente era tão tola e injusta que ele mais parecia uma criança rabugenta, de cabelos grisalhos e barriga inchada de cerveja, do que o tirano impiedoso de quase sempre. 
— Fique à vontade — Demi falou, magnânima. — Estarei de serviço pela próxima hora. 
Tendo falhado em provocar uma reação da parte dela, Ingersoll girou nos calcanhares, mas, enquanto se afastava, disparou mais um comentário ofensivo por sobre o ombro. 
— Tente não desarrumar nada por aqui enquanto estivermos fora, Lovato. 
Desta vez o sarcasmo dele a deixou envergonhada e irritada, pois várias pessoas que passavam ouviram o que ele disse, e também porque Caruso enviou-lhe um sorrisinho pretensioso. Demi esperou até que estivessem a alguns passos de distância e gritou, alegremente: 
— Experimentem o chili, todos estão dizendo que é ótimo! — Lembrou-se do que Sara lhe dissera a respeito do desafio do chili apimentado para os homens e, embora tal ideia parecesse completamente absurda naquela hora, Sara era uma autoridade inquestionável no que se referia aos homens e ao comportamento masculino. — Demi, continuou — Mas é melhor ficar bem longe da barraca de Pete, se não aguentam comer pimenta jalapenol — acrescentou, elevando um pouco a voz a fim de alcançálos. 
Os dois homens viraram-se pelo tempo suficiente de lhe enviar idênticos sorrisinhos de confiante superioridade masculina; depois, seguiram direto para a barraca de chili de Pete Salinas. Demi baixou a cabeça para ocultar um sorriso e começou a arrumar as pilhas de folhetos sobre grupos de vigilância comunitários, oportunidades de emprego no serviço civil, e sobre o novo curso de autodefesa para mulheres, que seria ministrado na prefeitura. 
Ao lado dela, Jess Smith  ficou observando Ingersoll e Caruso até que desapareceram na multidão. 
— Eles formam um par perfeito. Ingersoll é um egocêntrico, e Caruso um adulador. 
Em particular, Demi concordava com ele, mas automaticamente preferiu amenizar uma situação difícil em vez de torná-la ainda mais inflamável.
— Mas Ingersoll é um bom policial. Você precisa lhe dar este crédito.
— Ora, você é uma excelente policial e ele não lhe dá nenhum crédito — Jess retrucou.
 — Ele não dá nenhum crédito a ninguém. — Demi salientou, recusando-se a permitir que uma discussão ameaçasse o clima relaxante daquela tarde tão agradável. 
— A não ser que aconteça de ele gostar da pessoa — Jess argumentou, irritado. Demi não conseguiu reprimir um sorriso.
— E de quem ele gosta? Jess pensou por um instante, depois começou a rir. 
— De ninguém - admitiu. - Ele não gosta de ninguém. 
Mergulharam num silêncio confortável, observando a multidão, retribuindo cumprimentos e sorrisos das pessoas que conheciam, ou daqueles que os conheciam, ou dos que simplesmente passavam por ali. Demi começou a reparar, divertida, que diversas mulheres passavam por lá várias vezes e que seus sorrisos estavam se tornando cada vez mais exibidos e apontados diretamente para Jess. 
Isso a divertiu, mas não chegou a surpreendê-la. Jess Smith provocava este efeito nas mulheres, não importava o que estivesse usando, mas quando estava de uniforme parecia ter saído de um filme de Hollywood, onde fizera o papel de um policial bonitão, inflexível e carismático. Jess tinha os cabelos crespos e escuros, um sorriso cintilante, uma cicatriz acima da sobrancelha que lhe dava um ar perigoso, devasso, e uma covinha completamente incongruente numa das faces que lhe suavizava os traços deixando-o com uma aparência de menino. 
Ele chegara a Bell Harbor um ano atrás, depois de passar sete anos no Departamento de Polícia do Condado de Dade, em Miami. Farto dos crimes e do trânsito da cidade grande, ele havia enfiado um saco de dormir e uma muda de roupas em seu jipe, num certo fim de semana, e seguira para o norte de Miami. Sem nenhum destino específico em mente, exceto uma bela praia, acabou encontrando-se em Bell Harbor. Depois de dois dias, decidiu que a cidadezinha era realmente o seu ”lar”. Candidatou-se a um cargo na polícia de Bell Harbor e, sem a menor hesitação, deixou Miami para trás, juntamente com sua categoria superior e a pensão que ganhara enquanto estava lá. Competente, inteligente e cheio de energia, era agora quase tão popular entre seus colegas da polícia de Bell Harbor quanto era entre a população feminina da cidade. 
Todos no departamento brincavam com ele sobre o crescente número de chamadas de emergência das ”damas em perigo” que, inevitavelmente, eram feitas nas áreas que ele estava patrulhando. As listas de serviço mudavam a cada três meses, e onde quer que a nova designação de Jess o colocasse, era inevitável que as chamadas feitas por mulheres começassem a aumentar. 
Todos, desde as secretárias até os sargentos que atendiam no distrito, faziam brincadeiras acerca da atração dele para as mulheres e, para dar-lhe o devido crédito, ele não demonstrava nenhum aborrecimento ou vaidade. Se não fosse pelo fato de que todas as mulheres com quem Jess saía eram altas, esbeltas e lindas, Demi teria sido levada a acreditar que ele era indiferente à própria aparência, e à de todos os outros. 
Naquele momento, uma ruiva e duas amigas haviam concluído uma breve conferência e, agora, encaminhavam-se diretamente para a barraca. Demi as viu chegando, e Jess também. 
— Seu fã-clube se aproxima — ela brincou. — Pelo jeito, elaboraram um plano.
Achando graça, Demi reparou que Jess realmente tentava desencorajá-las, virando-se de costas para elas e olhando na direção da barraca de Sara. 
— Parece que Sara tem uma cliente - disse com uma intensidade desnecessária, aguçando mais os olhos. — Não é a sra. Peale que está com ela? Acho que devo ir até lá e cumprimentá-la. 
— Boa tentativa - Demi brincou. — Mas se você levantar daqui e sair, elas irão segui-lo ou vão ficar esperando. Estão com aquele olhar vidrado e determinado que as mulheres sempre têm quando você está por perto. 
— Você, não - ele retrucou um tanto irritado, encarando Demi e, então, fazendo-a rir. 
As três mulheres pareciam ter vinte e tantos anos, eram bonitas, com corpos esguios e bronzeados tão perfeitos e voluptuosos que Demi ficou muda de admiração. A ruiva foi a porta voz do grupo, e suas primeiras palavras deixaram evidente que já conhecia Jess. 
— Olá, Jess. Achamos que você parecia muito solitário, aqui. 
— É mesmo? - ele disse, com um sorriso evasivo. Olhando mais de perto, era visível que todas elas usavam uma boa quantidade de maquiagem, e Demi mentalmente ajustou a idade delas para trinta e poucos anos. 
— É mesmo — a ruiva confirmou com vivacidade, enviando a ele um longo e intenso olhar, que teria feito com que Demi ruborizasse se tentasse imitá-lo. Quando Jess não deu mostras de reagir ao convite daquele olhar, ela tentou um ataque mais direto: 
— É um alívio saber que agora é você quem está encarregado de patrulhar o nosso bairro. 
— Por quê? — ele perguntou com uma perversidade sorridente, que Demi já o vira usar antes para desencorajar as mulheres. Todas as três pareceram espantadas, mas não desencorajadas. 
— Há um maluco à solta por aí — uma delas lembrou-o sem necessidade, referindo-se à onda de assaltos que deixara várias senhoras idosas gravemente feridas e à beira da morte em suas casas. — As mulheres desta cidade estão aterrorizadas, principalmente as solteiras! — a ruiva intercedeu. — E ainda mais à noite — acrescentou, aumentando a voltagem do seu olhar. Jess esboçou um sorriso súbito, reconhecendo a mensagem que ela estava enviando. 
— Posso resolver isso para você — disse, num tom carregado de promessas.
 — Pode? 
— Posso. - Jess virou-se abruptamente para Demi, obrigando-a a sair de sua posição de divertida observadora para a de participante involuntária. 
— Quer me passar a prancheta e três daqueles folhetos? — falou. 
Demi fez o que ele pedia, e Jess entregou um folheto a cada uma das três garotas; depois, passou a prancheta para as mãos da ruiva. 
— Apenas escrevam seus nomes nesta lista. Elas estavam tão ansiosas em fazer qualquer coisa que ele pedisse que anotaram seus nomes e números de telefone na lista sem qualquer pergunta. 
— Então, em que acabei de me inscrever? - a ruiva perguntou, devolvendo-lhe a prancheta.
— Para aulas de defesa pessoal - ele respondeu com um sorrisinho maroto. — Estaremos ministrando quatro aulas na prefeitura, e a primeira começa amanhã à tarde — acrescentou, tendo o cuidado de omitir a informação de que Demi estaria encarregada das aulas e que ele estaria presente apenas para ajudá-la a demonstrar alguns dos golpes que as mulheres podiam utilizar para defender-se de um atacante. 
— Estarei lá - a morena prometeu, falando pela primeira vez. 
— Não vão me decepcionar — ele disse, num tom caloroso. 
— Não vamos - elas prometeram, antes de se afastar. 
Pareciam três vedetes de Las Vegas, Demi concluiu, reparando nos movimentos coreografados dos traseiros firmes, das longas pernas e das sandálias de salto alto. Um leve sorriso pairou em seus lábios enquanto tentava imaginar-se no papel de uma desinibida mulher fatal. 
— Muito bem, pode dizer — Jess falou, com um sorriso irônico. 
— Dizer o quê? - ela perguntou, surpresa ao descobrir que, em vez de ficar olhando para as três mulheres, ele havia se virado na cadeira e a encarava atentamente.
— Em que você estava pensando? 
— Estava pensando que elas parecem vedetes de Las Vegas — Sloan respondeu, confusa e constrangida com o seu olhar fixo. Por várias vezes no passado ela já o apanhara olhando-a daquele jeito penetrante e pensativo e, por algum motivo inexplicável, nunca quisera lhe pedir uma explicação. No departamento, Jess era famoso pela sua capacidade de extrair confissões de suspeitos com a simples tática de fazer uma pergunta e, depois, sentar-se diante deles e ficar olhando, até que começassem a responder. Aquele olhar era um pouco menos intimidante do que isso mas, ainda assim, desconcertante. 
— É verdade, eu estava pensando nisso - ela insistiu, um tanto desesperada.
— Não estava, não — ele persistiu, com toda calma. — Não com aquele sorriso... 
- Ah, o sorriso - Demi falou, inexplicavelmente aliviada. 
— Eu também estava tentando me imaginar usando aqueles saltos altos e finos, e com o short apertado, passeando pelo parque. 
— Eu gostaria de vê-la fazendo isso — Jess falou e, antes que Demi pudesse pensar numa resposta a tal comentário, ele levantou-se, enfiou as mãos nos bolsos e disse algo que deixou-a boquiaberta:
— Podia, também, aproveitar para emplastrar esta pele translúcida com uma boa camada de maquiagem. 
— O quê? - ela espantou-se, com um riso engasgado. Ele baixou os olhos para ela, a expressão séria. — Apenas faça alguma coisa para parar de lembrar-me de sorvete de casquinha e torta de morango. 
A risada de Demi emergiu à superfície, dançando em seus olhos e tremendo em sua voz. 
—Comida? Eu faço você se lembrar de comida? 
— Você me faz lembrar da maneira como eu me sentia quando tinha treze anos. 
— E como você era, com treze anos? - ela perguntou, engolindo mais um acesso de riso. 
— Eu era coroinha. 
— Não acredito! 
— Sim, é verdade. No entanto, durante a missa, minha atenção se voltava constantemente para uma garota de quem eu gostava, e que sempre se sentava na terceira fileira, na missa das dez horas. Eu me sentia um pecador.
— E como lidou com isso? -
 Primeiro, tentei impressioná-la fazendo as genuflexões com mais concentração e mostrando-me mais habilidoso e competente do que os outros coroinhas. 
— E deu certo? 
— Não do jeito que eu esperava. Acabei me tornando tão bom que tinha de ajudar em duas missas, em vez de uma, durante todo aquele ano. Mas Mary Sue Bonner continuou me ignorando. 
— É difícil imaginar uma garota ignorando você, mesmo naquela época.
— Eu também achava isso um tanto perturbador. 
— Ah, bem, às vezes a gente ganha, às vezes a gente perde, você sabe.
— Não, eu não sabia. Só sabia que queria Mary Sue Bonner. Ele quase nunca falava sobre seu passado, - e Demi ficou intrigada com aquele relance inédito da vida dele como um adolescente confuso. Jess franziu a testa. 
— Desde que a devoção e o fervor religioso não pareciam impressioná-la, certo dia alcancei-a depois da missa das dez e consegui convencê-la a ir comigo até a sorveteria Sander. Ela tomou um sorvete de chocolate, na casquinha. Eu comi um pedaço de torta de morango... 
Jess estava esperando que ela perguntasse o que acontecera depois disso, e Demi foi incapaz de resistir à tentação de arriscar-se a uma adivinhação: 
- E, depois, imagino que você tenha conseguido ficar com Mary Sue. 
— Não, na verdade eu não consegui. Tentei pelos dois anos seguintes, mas ela era imune a mim. Exatamente como você. 
Ele estava tão bonito e demonstrava um desapontamento tão pouco característico que Demi sentiu-se um tantinho lisonjeada, sem nem mesmo saber por quê. 
— Por falar em você - ele acrescentou, abrupto -, suponho que nem considere a possibilidade de ir comigo à festa de Pete, amanhã à noite?
— Estarei de plantão amanhã, mas pretendo ir à festa mais tarde.
— E, se não estivesse de plantão, iria comigo?
— Não — Demi respondeu, sorrindo vivamente para amenizar a resposta, embora duvidasse que Jess se sentisse magoado com isso. 
— Em primeiro lugar, como já lhe expliquei, nós trabalhamos juntos. 
Ele deu uma risadinha. 
— Você não assiste televisão? Os policiais sempre se envolvem romanticamente.
— Em segundo lugar - ela concluiu alegremente, ignorando o comentário dele — como também já lhe disse antes, tenho como regra nunca sair com um homem que seja cem vezes mais atraente do que eu. É um peso grande demais para o meu ego tão frágil. 
Ele aceitou a recusa com o mesmo bom humor natural de antes, provando assim que, fosse como fosse, realmente não se importava. 
— Neste caso - disse -, é melhor que eu vá almoçar. 
— Desta vez não deixe que as garotas briguem para ver quem vai lhe pagar o almoço - Demi brincou, começando a arrumar os folhetos sobre a mesa. - É sempre uma cena terrivelmente deprimente. 
— Falando em admiradores - ele disse -, é evidente que Sara acabou de conquistar mais um. Ele estava por aí há pouco, conversando com ela; depois, ela o trouxe até aqui e nos apresentou. O nome dele é Jonathan. Pobre coitado — Jess acrescentou. — Se não tiver uns poucos milhões de dólares no banco, está perdendo tempo. Sara é uma namoradeira incorrigível. — Desviou das cordas que prendiam a barraca às estacas enterradas no chão. — Acho que vou experimentar aquele chili que você recomendou. 
- Eu não faria isso, se fosse você - Demi avisou, esboçando um sorriso maroto.
— Por que não? 
- Porque ouvi dizer que é tão forte que o ambulatório de primeiros socorros não pára de distribuir receitas para os mais diversos distúrbios e dores estomacais. 
- Está falando sério? 
Ela assentiu devagar, o sorriso alargando-se.
— Absolutamente sério. Jess deu uma gargalhada e foi-se afastando pela grama, na direção oposta à da barraca de chili e encaminhando-se para onde estavam as barracas de pizza e cachorro-quente. Fez uma pausa para cumprimentar Sara, que ainda estava absorvida na conversa com a sra. Peale e segurava nos braços um dos gatos da senhora, enquanto tagarelavam. 
Mais adiante, parou para falar com um grupo de crianças. Abaixou-se para ficar mais próximo da altura delas, e disse alguma coisa que as fez rir. Demi ficou observando-o e desejou, com uma certa tristeza, poder sair com ele e não se preocupar com as consequências. 
Tendo em vista a preferência de Jess por mulheres lindas e altas, Demi havia ficado atônita quando ele a convidara para jantar, algumas semanas atrás, e ainda mais espantada quando ele repetira o convite. Ficara muito tentada a dizer sim. Gostava dele imensamente, e Jess possuía quase todas as qualidades que ela procurava num homem. Porem, Jess Smith era simplesmente bonito demais para que ela se sentisse confortável. 
Ao contrário de Sara, que ansiava por um casamento repleto de glamour e excitação, e que estava determinada a encontrar um homem que tivesse tudo boa aparência, charme e dinheiro, Demi queria quase o oposto. Ela queria alguém ”normal”.
 Queria um homem que fosse bom, afetuoso, inteligente e digno de confiança. Em resumo, queria uma vida bem diferente da que tivera e, ao mesmo tempo, semelhante o bastante para ser confortável uma vida simples em Bell Harbor, como a que tinha até agora, mas com filhos e um marido que fosse amoroso, fiel e um pai confiável. Queria que seus filhos pudessem contar com o amor e o apoio do pai. E ela própria queria ser capaz de contar com isso, por toda a vida. 
Jess Smith teria sido perfeito sob muitos aspectos, exceto pelo detalhe de que atraía as mulheres como um imã humano e, na opinião de Demi, isso não fazia dele o pretendente ideal para um casamento para a vida inteira. O fato de que possuía em abundância todas as outras qualidades que Demi procurava o tornava tentador e perigoso demais, e portanto, com uma certa tristeza, ela decidiu evitar qualquer tipo de relacionamento mais pessoal com ele, o que incluía saírem juntos para jantar. Além disso, qualquer relacionamento sério com Jess, ou com outro oficial da polícia, certamente se tornaria uma distração em seu trabalho, e Demi não queria que nada comprometesse o seu desempenho. Adorava seu trabalho e gostava de compartilhá-lo com os outros noventa oficiais que formavam a força policial de Bell Harbor. Como Jess, eles eram todos amigáveis e cooperativos, e Demi sabia que gostavam dela de verdade. 
Por volta das quatro horas da tarde, Demi estava mais do que pronta para ir para casa. Caruso e Ingersoll tinham ido embora pouco depois do almoço, queixando-se de ”mal-estar” intestinal, o que significava que Jess e Demi estariam presos ali até que a central enviasse alguém para substituí-los. Ela estava de serviço desde as oito daquela manhã, e ansiava por um banho quente e relaxante, um jantar leve e, depois, terminar o livro que estivera lendo na cama. Sara havia saído uma hora atrás, depois de passar para contar a Demi que a sra. Peale a convidara para conhecer a casa dela na terça-feira à noite, a fim de conversarem sobre a redecoração do primeiro andar. Por algum motivo, a senhora queria que Demi também fosse e, depois de assegurar-se de que a amiga concordava, Sara saíra em disparada, pois precisava arrumar-se para o jantar com o promissor advogado que conhecera recentemente e cujo nome, ela disse, era Jonathan.
A aproximação da hora do jantar havia esvaziado temporariamente uma boa parte do parque, e Demi estava sentada ao lado de Jess, com os cotovelos sobre a mesa e o rosto apoiado nas mãos. 
— Você está parecendo uma menininha infeliz - Jess repreendeu-a, recostando na cadeira de metal e observando as pessoas caminhando lentamente na direção do estacionamento. — Está cansada ou apenas entediada? 
— Estou me sentindo culpada em relação a Ingersoll e Caruso — ela admitiu. 
— Pois eu não estou - Jess falou, e deu uma risadinha para provar o que dizia. — Você vai se tornar uma heroína, quando o pessoal ficar sabendo. 
— Não conte nada a ninguém - Demi avisou. — Não há segredos em Bell Harbor, e tampouco em nosso departamento. 
- Relaxe, detetive Lovato. Eu estava só brincando. — A voz dele adquiriu um tom terno e melancólico, que Demi nunca o ouvira utilizar antes. — Para sua informação, eu provavelmente faria coisas espantosas para protegê-la; e nunca lhe causaria mal algum de propósito. 
Demi baixou as mãos e virou-se para ele, perscrutando o rosto bonito e sorridente com uma expressão de cômica incredulidade. 
— Jess, você está flertando comigo? - Ele olhou por sobre os ombros dela. 
— Aí vêm os nossos substitutos. - Levantou-se e olhou em volta, verificando se não estava esquecendo nada. — Quais são seus planos para hoje à noite? - indagou em tom de conversa, enquanto Reagan e Burnby avançavam lentamente na direção deles. 
— Vou para a cama com um bom livro. E você? 
— Tenho um encontro ”daqueles” - ele afirmou, banindo a impressão de Demi de que estivera flertando com ela, e fazendo-a rir. 
- Bobo - ela disse, com afeição; depois, inclinou-se no interior da barraca a fim de pegar a bolsa. 
Os oficiais Reagan e Burnby estavam parados junto à mesa prontos para assumir os seus postos, quando ela voltou. Ambos tinham cerca de quarenta anos e eram policiais bem aperfeiçoados e dignos de confiança, que faziam lembrar dos tempos em que violações de trânsito e brigas domésticas eram quase tudo com que tinham de lidar em Bell Harbor, homens de família com esposas que frequentavam a Associação de Pais e Mestres e filhos que participavam do time de futebol do bairro. - Alguma coisa acontecendo por aqui? - Ted Burnby perguntou.
Demi ajeitou a alça da bolsa de couro no ombro e passou pelas cordas da barraca. 
— Não - respondeu.
 — Sim — Jess a contradisse. — Demi acabou de me chamar de bobo. 
— Parece que vocês estão progredindo — Burnby brincou, dando uma piscadela para Demi.
 — Demi está certa - Reagan acrescentou, sorrindo. - Você é mesmo um bobo. 
— Experimentem o chili, quando tiverem uma chance - Jess retrucou, dissimulado, pulando as cordas logo atrás de Demi. Ela virou-se tão de repente que deu um encontrão em Jess, que teve de segurar-se na corda para não perder o equilíbrio.
— Não cheguem nem perto daquele chili - Demi avisou, desviando-se dele para olhar para os outros dois policiais. Ingersoll e Caruso ficaram doentes, depois que o comeram. 
— Desmancha-prazeres - Jess reclamou, fazendo-a voltasse e empurrando-a de leve na direção do estacionamento. — Estraga-festas.
 Os ombros de Demi sacudiram-se de riso. 
— Idiota - ela devolveu. 
— Ei, Demi! - Burnby chamou-a pelas costas. - Você está de novo no noticiário. Aquele chamado residencial que você atendeu ontem à noite apareceu no jornal do Canal Seis. Está de parabéns, garota!
 Ela assentiu, mas estava longe de vibrar com isso. Havia visto a chamada da reportagem no noticiário das seis da manhã e depois esquecera o assunto, porem isso sem dúvida explicava porque o capitão Ingersoll mostrava-se particularmente intratável naquele dia. Enquanto ela se afastava com Jess Smith, Burnby e Reagan ficaram observando com fascinado interesse. 
— O que acha? - Reagan perguntou, referindo-se à aposta feita entre os policiais do departamento. — Jess vai conseguir ou não levá-la para a cama? Apostei cinco dólares que Demi não vai topar. 
- Eu apostei dez dólares em Jess. Burnby apertou os olhos sob a luz do sol, ainda observando o casal, que havia parado para conversar com algumas pessoas perto da entrada do estacionamento. — Se Demi ficar sabendo da nossa aposta, vai ser um ”Deus nos acuda”. 
- Pois eu tenho novidades para você - Reagan falou, com a barriga sacudindo de riso. - Acho que Demi já sabe da aposta, e por isso mesmo não vai permitir que ele ganhe de jeito nenhum. Acho que ela já descobriu tudo, só que é esperta e fina demais para demonstrar. 
O veículo de Demi, um Chevrolet branco sem insígnia fornecido pelo município de Bell Harbor, estava estacionado ao lado do de Jess. Depois de acenar-lhe em despedida, ela parou na porta aberta do carro, com o pé direito já no interior. Em parte por hábito, e em parte por uma vaga sensação de inquietude, olhou em volta do local para assegurar-se de que tudo estava normal e pacífico. 
Bell Harbor estava crescendo tão dramaticamente que dezenas de rostos desconhecidos apareciam todos os dias. Demi não reconheceu a adolescente gorducha que levava uma criança pequena pela mão, nem a avó com os gêmeos que corriam um atrás do outro em volta dela, ou o homem de barba que lia o jornal embaixo de uma árvore. O intenso afluxo de novos residentes trouxera prosperidade e os benefícios dos impostos para a cidade; mas também trouxera um aumento dramático da criminalidade, à medida que Bell Harbor se transformava de uma pacata comunidade à beira-mar em uma florescente pequena metrópole.
Não mais do que cento e cinquenta pessoas ainda desfrutavam das atrações no parque. O Palhaço Clarence tirara uma hora de folga para o jantar, bem como os malabaristas. A maioria das tendas e barracas estava deserta, exceto pelas pessoas que trabalhavam nelas. O banco de jardim perto da barraca de Sara estava vazio, e não havia nenhum sinal de um estranho distinto usando uma jaqueta amarela e que parecesse deslocado num dia tão agradável e ensolarado. 
Satisfeita, Demi entrou no carro, ligou o motor e olhou pelo espelho retrovisor. Não havia ninguém atrás dela, então engatou a marcha à ré e saiu do estacionamento, dirigindo devagar até a alameda tortuosa e fracamente iluminada que cortava o parque. 
Um pouco antes, quando Burnby lhe dera os parabéns, ele estava se referindo à noite anterior, quando ela conseguira persuadir com muito tato e delicadeza um furioso e embriagado ex-marido, disposto a matar o namorado da ex-mulher, a largar a arma. Quando ele se revoltara por estar sendo preso por um crime ”inacabado”, Demi o convencera a encarar a prisão inevitável como uma ”oportunidade” para ”relaxar” e refletir a respeito de encontrar uma mulher que o merecesse, que valorizasse mais as suas ”verdadeiras qualidades”. 
Ninguém ficaria sabendo sobre isso se o prisioneiro não tivesse concedido uma entrevista ao canal de tevê local, quando contou ao repórter o que Demi dissera para persuadi-lo a largar a arma. Embora o prisioneiro não percebesse a nota de humor sombrio contida no conselho de Demi, a mídia captou no mesmo instante e, desde aquela manhã, ela era novamente uma heroína relutante, só que desta vez louvada pela inteligência, e não pela coragem, demonstrada em circunstâncias adversas. 
Na noite anterior, o capitão Ingersoll resmungara um ríspido elogio pela maneira como ela resolvera a situação, mas a cobertura da mídia naquela manhã obviamente o deixara novamente irritado. Até um certo ponto, Demi podia entender a atitude dele. Realmente chamava mais atenção pelo fato de ser mulher. 
Ao passar pelo cruzamento principal na entrada do parque, Demi deliberadamente desviou seus pensamentos para coisas mais agradáveis, como o banho relaxante que planejava tomar em poucos minutos. Virou à esquerda para a alameda Blythe, uma larga rua de pedras cercada de butiques elegantes e lojas de alto nível, cada uma delas com um chique toldo verde sobre a porta de entrada e um enorme vaso de palmeira na calçada.
Ela raramente passava pela parte comercial da cidade sem espantar-se com a transformação que ali ocorrera nos últimos poucos anos. Embora a explosão populacional tivesse provocado virulentos protestos a princípio, as queixas dos residentes mais antigos diminuíram abruptamente conforme os valores das propriedades atingiam as alturas e os negociantes locais, sempre em dificuldades, transformaram-se em prósperos empresários quase do dia para a noite. 
Ávido em continuar atraindo novos e prósperos contribuintes, o Conselho Municipal aproveitou-se do clima generoso da cidade e levou a cabo uma gigantesca sequência de emissão de títulos destinados a modernizar e embelezar a comunidade. Atendendo às exigências da influente e ambiciosa esposa do prefeito Blumenthal, uma equipe de arquitetos de Palm Beach foi contratada e as transformações começaram. 
Quando tudo estava pronto, o efeito geral era de um charme próspero e cuidadosamente planejado - que era exatamente o que a sra. Blumenthal desejava. Usando sua influência e o dinheiro dos contribuintes, ela voltou sua atenção dos prédios comerciais para os públicos, começando com a prefeitura. 
O trânsito do feriado estava intenso e quase quinze minutos haviam se passado quando Demi finalmente chegou em sua rua e parou na entrada de uma casinha de alvenaria branca e cinza, na esquina que ela adorava. A praia ficava no outro lado da rua e ela podia ouvir a arrebentação das ondas, os risos das crianças e os gritos dos pais chamando-as. 
Meio quarteirão adiante, um sedan azul escuro entrou numa vaga atrás de uma minivan, mas não havia nada de excepcional nisso. Tudo era igual a qualquer outro fim de semana prolongado. 
Demi inseriu a chave na porta da frente, já começando a imaginar-se mergulhando num banho quente e passando o restante da noite com o romance policial que estivera lendo na cama.
Sara não conseguia entender porque Demi preferia passar a noite de sábado em companhia de um bom livro em vez de sair com um homem atraente, mas Sara detestava ficar sozinha. Para Demi, era muito fácil escolher entre sair com alguém que ela sabia que jamais a interessaria e passar seu tempo sozinha lendo um livro. Preferia mil vezes o livro. 
Sorriu ao lembrar-se de que não estaria de serviço até a tarde do dia seguinte, quando daria início ao curso de defesa pessoal.


pessoal essa capítulo ficou bem grande, espero que estejam gostando da história...vai demorar um pouco ainda pro Joseph aparecer mais não fiquem entediadas gente, prometo que a história é ótima. 
comentem e deixem suas sugestões para a história, bjs amores.

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