28/04/2016

sussurros na noite: capítulo 11


Palm Beach
Flórida, 7:00 A.M

As primeiras horas depois do amanhecer eram as preferidas de Demi para correr na praia, mas quando acordou já passavam das seis e meia. Ansiosa por começar o dia, pulou para fora da cama, amarrou os cabelos num rabo de cavalo, e vestiu um short e uma camiseta que Sara não removera quando rearrumara as suas malas.
A casa parecia deserta quando ela atravessou o corredor e desceu as escadas, mas lá fora dois homens aparavam a cerca de arbustos que dividia a propriedade. Demi acenou para eles enquanto corria pelo gramado, suas energias revigorando-se ao respirar o ar salgado e sentindo a presença reconfortante do mar. Ondas preguiçosas cobriam a areia aos seus pés enquanto corria pela beirada da água, e gaivotas volteavam por toda parte, seus gritos ásperos tão estimulantes e tranquilizadores para ela como se fossem música. 
Lá no alto, o céu era de um azul cristalino, com nuvens brancas e espessas flutuando ao sabor de uma brisa leve e refrescante. À sua esquerda, o mar cobria todo o horizonte, majestoso, lindo, indomado. À direita, o horizonte era obscurecido por uma sequência de mansões, algumas até maiores do que a de seu pai, e em cada uma delas havia algum tipo de atividade.
Jardineiros cuidavam dos canteiros, criados limpavam os pátios e piscinas, e sistemas de irrigação espraiavam água nos gramados, formando jatos que pareciam úmidas esmeraldas sob o sol da manhã. 
Sempre olhando para o mar, Demi correu quase dois quilômetros pela beira da praia, e depois retornou. Manteve o mesmo passo até que a bandeirinha no gramado de seu pai ficasse visível, depois foi diminuindo para uma caminhada. Era evidente que os moradores de Palm Beach dormiam até mais tarde do que os de Bell Harbor, ela pensou, porque na primeira metade de sua corrida não encontrara ninguém na praia e, agora, avistava várias outras pessoas exercitando-se pela areia. Os ”atletas” também pareciam menos amigáveis, pois evitavam olhar uns para os outros, em vez de se cumprimentarem com um sorriso ou um aceno quando passavam. Demi estava justamente pensando nisso quando sua atenção foi distraída por um velho jardineiro com uma camisa de mangas compridas, que estava trabalhando num canteiro de flores que margeava o gramado. Ele levantou-se e, de repente, segurou o braço esquerdo e dobrou-se ao meio, como se estivesse sentindo dor. Demi correu na direção dele, já examinando o local para ver se haveria alguém para ajudá-la caso fosse necessário, mas o homem parecia ser o único jardineiro naquela casa. 
— Fique calmo - ela disse, com delicadeza. — Vou ajudá-lo. Apoie-se em mim. - Passou o braço em torno da cintura dele, imaginando se ele conseguiria chegar até um banco de ferro que circundava o tronco de uma árvore próxima. — Diga-me o que há de errado.
— Meu braço - ele ofegou, pálido de dor.
— O senhor está sentindo alguma dor no peito?
— Não. Fiz uma cirurgia... no meu... ombro. - Extremamente aliviada em saber que não se tratava de um ataque cardíaco, Demi guiou-o até a árvore e ajudou-o a sentar no banco pintado de branco.
— Respire fundo e vá soltando o ar lentamente - instruiu. — O senhor tem algum remédio para dor? 
Ele respirou fundo uma, duas vezes, seguindo as instruções dela. 
— Vou melhorar... daqui a pouco. 
— Fique à vontade. Não estou com pressa. 
Depois de mais algumas respirações profundas, o jardineiro ergueu a cabeça e olhou para ela, que percebeu que a cor no rosto dele já estava melhorando. Ele era um pouco mais jovem do que Demi imaginara, talvez tivesse mais de sessenta e cinco anos, e parecia profundamente envergonhado. 
— Quando me levantei, esqueci do problema em meu braço esquerdo e me apoiei nele - explicou. — Senti como se meu ombro fosse se separar do restante do corpo.
— Há quanto tempo fez a cirurgia?
— Foi na semana passada. 
 — Na semana passada! O senhor não devia estar usando uma tipoia, ou algo assim? 
Ele assentiu.
— Sim, mas não posso usar meu braço com aquela geringonça atrapalhando. 
— Decerto há alguém que poderia fazer o seu trabalho, enquanto seu ombro se recupera. O senhor poderia encarregar-se de outros serviços. 
Ele encarou-a como se tal ideia jamais tivesse lhe ocorrido e, ainda assim, fosse uma possibilidade fascinante. 
— Que tipo de trabalho você acha que eu poderia fazer? 
— Bem, é provável que esta seja uma das maiores propriedades de Palm Beach. Deve haver algo que o senhor possa fazer, que não seja um trabalho pesado. O senhor precisa falar com quem quer que seja o proprietário desta casa e expor seu problema de saúde.
— Ele já sabe do problema em meu ombro. E acha que eu devo parar de fazer tudo, até que fique completamente restabelecido.
— E não lhe dará outro tipo de serviço? - Demi perguntou, irritada com a desumana indiferença dos muito ricos em relação aos apuros financeiros dos menos afortunados.
Ele deu-lhe uma palmadinha na mão, emocionado com tal indignação em seu favor. 
— Vou melhorar, se você ficar aqui e conversar um pouco comigo. Conversar com uma jovem tão meiga e bonita como você é melhor do que qualquer remédio que eu possa tomar. — Mas ficar aqui comigo não vai lhe criar problemas? 
Ele sorriu, considerando a ideia.
— Creio que não, mas não deixa de ser uma possibilidade tentadora. 
De repente, vários detalhes atingiram Demi ao mesmo tempo: as mãos dele eram lisas, a maneira de falar era educada, e sua atitude com ela era quase de flerte. Embaraçada, começou a se levantar. 
— O senhor não é um jardineiro. Cometi um erro muito tolo, desculpe-me.
 Ele apertou-lhe a mão com um pouco mais de força, impedindo-a de levantar, mas soltou-a quando Demi tornou a sentar-se.
— Não precisa fugir, nem ficar envergonhada. Fiquei muito tocado pela sua preocupação, e contente com sua ajuda. Poucos jovens por aqui teriam parado para ajudar um velho jardineiro que estivesse com dor. 
— Mas o senhor não é um velho jardineiro - Demi insistiu, divertindo-se com a audácia dele. — Pois sou um novo jardineiro. Eu precisava de um passatempo temporário enquanto meu ombro cicatriza completamente. Tive de operar um antigo ferimento que estava começando a arruinar meu jogo de golfe. - A voz dele adquiriu um tom sinceramente lúgubre, quando confidenciou: — Desenvolvi um ”gancho” nas minhas tacadas e não conseguia me livrar dele, e minhas jogadas curtas estavam péssimas.
— Ah, mas isso é... trágico - Demi solidarizou-se, tentando não rir. 
— Exatamente. E esta casa pertence ao meu filho, que é tão insensível que não apenas foi jogar golfe sem mim, ontem, como também teve a crueldade de fazer setenta e dois pontos! 
— Mas ele é um monstro! - Demi brincou. — Uma pessoa destas não merece viver! 
Ele riu. 
— Adoro uma mulher com senso de humor, e o seu é notável. Mas estou intrigado. Quem é você? 
A casa do pai de Demi estava separada daquela por apenas duas ou três outras residências, portanto havia toda possibilidade de os dois homens se conhecerem. Ela não queria revelar que era filha de Patrick Lovato, embora o homem pudesse vê-la entrando na casa do vizinho, quando retornasse. 
— Meu nome é Demi - respondeu, evasiva.
— É o seu primeiro nome?
— Na verdade é Demetria, mais todos me chamam de Demi. E o seu? - ela juntou rapidamente, antes que ele lhe perguntasse o sobrenome. 
— Paul, e eu nunca a vi por aqui.
— Moro em Bell Harbor. Estou visitando umas pessoas aqui perto, mas vou ficar somente uns poucos dias. 
— É mesmo? E quem são estas pessoas? Conheço quase todas as famílias que têm casas neste pedaço de praia. 
Demi não tinha como escapar. 
— A família de Patrick Lovato. 
— Bom Deus! Conheço os Lovatos há anos! Você deve ser amiga de Selena, não é?
Demi assentiu e olhou no relógio. 
— Preciso mesmo ir andando.
 Ele ficou tão desapontado que ela se sentiu culpada. 
— Será que não pode perder só mais uns minutinhos para alegrar o dia de um velho solitário? O médico não me deixa dirigir, e meu filho ou está trabalhando, ou está fora em algum lugar. Eu lhe asseguro que sou totalmente inofensivo.
Demi era uma boba quando se tratava das agruras dos mais velhos, incluindo os ricos mais velhos que, agora ela percebia, também podiam sofrer com a solidão.
— Acho que ainda tenho algum tempo antes da partida de tênis. Sobre o que o senhor gostaria de conversar? 
— Sobre as pessoas que conhecemos? - Ele sorriu com um prazer descarado. — Podíamos fazer umas boas fofocas, deixar a reputação de todos em frangalhos! Isso é sempre muito divertido. 
Demi caiu na gargalhada diante da sugestão e da maneira como ele falou. 
— Não vai dar certo - disse. — As únicas pessoas que conheço em Palm Beach são da família Lovato. 
— Não tem muita graça fofocar sobre eles - Paul brincou. — São terrivelmente insípidos e corretos demais. Vamos falar sobre você. 
— Eu também não tenho muita graça - ela assegurou-lhe, mas isso não fez com que ele se desviasse do tópico escolhido. 
— Você não está usando aliança na mão esquerda, o que significa que não é casada e, portanto, deve fazer alguma coisa para ocupar seu tempo. Tem alguma profissão?
— Sou designer de interiores - Demi respondeu, acrescentando rapidamente: — Mas este não é um assunto muito interessante. Vamos conversar sobre algo que interesse a você também.
— Eu me interesso bastante por jovens bonitas que, por algum motivo, não gostam de falar sobre si mesmas - ele retrucou, com uma súbita perspicácia que a deixou surpresa e alarmada, depois do aparente tom de inócua e divertida brincadeira. — Mas não se preocupe não vou me intrometer em seus segredos. Vejamos... precisamos de um tema que seja de interesse mútuo. Não creio que você fique fascinada com questões como fusão de empresas, altas finanças, política mundial... este tipo de coisas? 
Demi assentiu vigorosamente.
— Ouvi algumas teorias muito interessantes sobre o futuro do mercado mundial, no jantar de ontem. 
Ele pareceu espantado, satisfeito e impressionado. 
— Uma linda jovem com um coração generoso, senso de humor e, ainda por cima, inteligência. Não é de admirar que não seja casada... aposto que todos os rapazes da sua idade morrem de medo de você.
Ele enviou-lhe um sorriso tão cativante que Demi chegou a pensar se seria realmente tão inofensivo quanto afirmara. 
Então, ele bateu com as mãos nos joelhos e anunciou: — Vamos falar sobre a economia russa. Adoro ouvir-me discorrendo sobre este assunto. Nunca canso de espantar-me com minha própria sabedoria e discernimento... 
Demi riu alto, irremediavelmente conquistada pelo humor dele. Então, ouviu. E ficou impressionada. 

Depois que ela saiu, Paul Jonas permaneceu no gramado que dava para a praia observando-a até que desaparecesse. Depois, voltou para a casa e perambulou até a cozinha.
— Bom dia! - cumprimentou o filho e a filha, enquanto servia-se de uma xícara de café. —Vocês deviam ter visto o sol nascer esta manhã. Estava maravilhoso.
O filho dele estava sentado à mesa da cozinha, lendo o Wall Street Journal. A filha retirava uma fatia de pão da torradeira. Os dois o encararam, surpresos com aquele tom exuberante. — O senhor está com um humor excepcionalmente bom esta manhã - Joseph comentou.
— Tive uma manhã excepcional.
— Fazendo o quê? - Courtney, sua filha, indagou com ceticismo. — Em primeiro lugar, não saiu de casa. Em segundo, não haveria mesmo para onde ir. Palm Beach é o fim do mundo. Não posso acreditar que o senhor realmente queira que eu fique aqui para sempre, quando poderia muito bem continuar na Califórnia e estudar num colégio interno. 
— Acho que sou masoquista - Paul retrucou, alegremente. — No entanto, em resposta à sua primeira pergunta, minha manhã foi excepcional graças à presença de uma jovem fascinante que percebeu que eu estava sentindo dores no ombro e ofereceu-se para ajudar e, depois, para conversar. 
Os olhos de Courtney estreitaram-se. 
— Uma jovem de quantos anos, mais ou menos?
— Menos de trinta anos, eu acho.
— Ah, ótimo! Nas duas últimas vezes em que o senhor conheceu uma ”jovem fascinante” que tinha ”menos de trinta”, casou-se com ela. 
— Não seja sarcástica, Courtney. Uma destas mulheres era sua mãe. 
— E a segunda era jovem demais para ter filhos  - ela exagerou. 
Paul ignorou-a e passou a descrever Demi para o filho. 
— Ela pensou que eu fosse o jardineiro, um engano compreensível considerando-se que eu estava mexendo na terra dos canteiros. Tivemos uma conversa muito agradável. Você nunca adivinharia quem é ela... 
— Deixe-me tentar - Courtney interrompeu. — Enquanto conversavam, ela estava sentada num carrinho, tomando a mamadeira?
Nenhum dos dois lhe deu atenção. 
 — Quem é ela? - Joseph perguntou. 
— Se você foi jantar na casa de Patrick ontem à noite, provavelmente a conheceu. Eu devia ter perguntado a ela sobre isso, mas creio que não quis admitir que tenho um filho da sua idade. Afinal, minha vaidade já havia sofrido um baque por ter sido confundido com o jardineiro. O nome dela é Demi. 
Joseph deu uma gargalhada.
— Ora, o senhor deve estar brincando! Onde foi descobrir um assunto para conversar com ela? 
— Falamos sobre vários assuntos. Conversamos sobre economia, questões mundiais... 
— Então foi só o senhor que falou - Joseph interrompeu, sarcástico. — Ela não conseguiria manter uma conversa destas nem por um minuto. 
— Pois saiu-se muito bem, há pouco. Até mencionou ter ouvido uma discussão semelhante durante o jantar. Quando me contou o que havia escutado, logo desconfiei que só podia ter sido de você.
— Espanta-me que tenha sido capaz de repetir a conversa de ontem, mas acredite, ela não entendeu nada. 
— Você fala como se ela fosse um papagaio! Francamente, Joseph, considero-me um bom conhecedor das pessoas e posso garantir que ela não é apenas bonita, mas também muito inteligente. E espirituosa. 
— Será que estamos mesmo falando sobre a filha de Patrick Lovato? 
Foi a vez de Paul mostrar-se espantado. 
— O quê?
— Patrick tem duas filhas. Selena é um ano mais velha que a outra.
— Conheço Patrick há anos, e ele nunca mencionou a existência de outra filha.
— Ontem à noite ele me contou que as meninas foram separadas na ocasião do divórcio, quando ainda eram bebés, e Demi ficou com a mãe. Depois que sofreu o ataque cardíaco, Patrick decidiu tentar refazer os laços de família, por isso convidou-a para uma visita. Até ontem, os dois lados da família nunca haviam tido nenhum contato.
— Por que não?
Joseph empurrou o jornal para o lado e levantou-se.
— Não faço a menor ideia. Patrick não quis entrar em detalhes, e eu achei melhor não perguntar. 
— Eu pressenti que ela teria um segredo! - Paul exclamou, sorrindo diante da própria percepção. — Enganei-a fazendo-me passar por um jardineiro e ela pregou-me uma peça mantendo a própria identidade em segredo, mesmo sabendo que eu acabaria descobrindo. Pagou na mesma moeda. Ela é admirável! Eu disse que você a subestimou. 
— Talvez - Joseph respondeu, não convencido, mas definitivamente curioso.
Courtney acabou de passar requeijão na torrada e roçou o braço de Joseph a caminho da mesa.
— Já posso ver como tudo isso vai acabar - previu. — Meu irmão vai casar com Selena, e meu pai com a irmã dela. E eu irei ao programa da Jessy Raphael contar tudo sobre relacionamentos incestuosos entre as famílias. Será muito intenso e emocionante.
— Já lhe disse várias vezes que não vou me casar com Selena - Joseph disparou. 
— Bem, não poderá se casar com Demi, porque este é o plano do nosso pai. E também não poderá casar com ela depois que ele se divorciar, pois isso já está ultrapassado e não me levará ao programa de Sally. Eles já fizeram um programa com o tema ”minha cunhada foi minha madrasta”. 
— Pare com isso, Courtney! 
Courtney esperou até que Joseph saísse da cozinha; então, olhou para o pai, que estava abrindo o jornal. 
— Por que o senhor deixa que ele fale comigo desse jeito?  
Paul ignorou a tentativa de provocar uma briga e virou a página do editorial. 
— Ele não é meu pai, é apenas meu irmão. Por que permite que ele fale assim comigo?
— Porque estou velho demais para lhe dar umas palmadas, e ele se recusa a fazê-lo.
— Aposto que ele adoraria. Ele gosta de violência. 
— Por que diz isso? - Paul indagou, num tom conciliatório.
— O senhor sabe porque - ela disparou. — Está só fingindo que não sabe porque perdeu quase todo nosso dinheiro, mas agora ele está ganhando tanto que o senhor nem se importa em saber de onde vem. Vai fingir que não sabia de nada, quando ele for apanhado? Pretende ir vê-lo na cadeia, nos dias de visita?   

2 comentários:

  1. Mega curiosa com esse último comentário!!! Adorei o encontro dela com o futuro sogro.... posta mais!!!

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    1. Que bom que gostou lindona, já postei. Confira, bjs!!!

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